20 Outubro 2012
Uma das mais ferrenhas opositoras à Lei de Cotas nas universidades federais regulamentada nesta semana pelo governo, a Universidade Federal Fluminense (UFF) acatou a determinação imposta pela nova norma e reservará, já no próximo vestibular, 12,5% de suas 9.640 vagas para alunos egressos de escolas públicas, considerados critérios raciais e econômicos. Mas planeja mudanças no processo seletivo do ano que vem, reestabelecendo o vestibular em duas fases.
"A UFF vai cumprir a lei. Mas, em relação à universidade, alcançamos um retrocesso", afirmou o reitor Roberto Salles. E para demonstrar sua insatisfação com as novas regras, destinará outros 10% das vagas a estudantes de escolas públicas estaduais e municipais, sem adoção de critérios raciais, excluindo dessa fatia os alunos dos colégios federais, militares, técnicos e de aplicação.
A reportagem é de Heloísa Aruth Sturm e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 20-10-2012.
A mudança maior na UFF, com sede em Niterói, se dará no processo seletivo de 2013. Na primeira fase, utilizará o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), por meio das notas obtidas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) - sistema já adotado pela UFF no vestibular passado.
O Ministério da Educação (MEC) não obriga que o Enem seja utilizado como critério de admissão, afirmando que os resultados obtidos no Enem "poderão ser utilizados como critério de seleção para as vagas". Na segunda fase, a UFF planeja elaborar provas dissertativas específicas para cada área.
"Temos o padrão UFF e não podemos aceitar menos que isso. Independentemente da seleção nacional, tem de ter nosso padrão para dizer o perfil do aluno que queremos. E essa discussão vai ser para o ano que vem", afirmou Salles.
Requisitos
Segundo o reitor, a instituição planejava, para o vestibular deste ano, reservar 25% de suas vagas a estudantes oriundos de escolas públicas estaduais, com renda familiar de até 1,5 salário mínimo, mas sem critério racial. Agora, com a obrigatoriedade de seguir a lei federal, 22,5% das vagas serão destinadas a políticas afirmativas, porém com requisitos distintos.
A principal crítica da UFF à lei se refere à definição muito ampla de escola pública. Isso porque, ao enquadrar nesse quesito os colégios federais, como o Pedro II, militares, técnicos e de aplicação, como o CAP da Universidade Federal do Rio, cria uma desvantagem para os estudantes de escola estadual, já que tais instituições possuem tradicionalmente uma qualidade de ensino comparada aos melhores colégios particulares.
Mas a reitoria também se preocupa com os impactos financeiros e administrativos que as novas regras podem causar. "Vamos ter de montar toda uma logística de técnicos e assistentes sociais. Criam a lei, não preveem mais recursos, e vamos ter despesas para criar uma equipe multidisciplinar para fazer essa seleção", diz o reitor.
Salles também reclama da falta de verba suficiente para as aulas de reforço e para o Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), que concede auxílio financeiro a esses alunos - medidas que podem diminuir a evasão escolar.
O edital estabelecendo as novas regras do processo seletivo deste ano na UFF será publicado em novembro.
'Em nenhum momento fui convidado a opinar'
Eis a entrevista com o reitor da UFF.
Por que o senhor discorda dos critérios estabelecidos pela nova Lei de Cotas?
Acho que há um erro original, que é estabelecer o conceito de colégio público. Isso exacerba e deixa sem nenhuma chance os alunos de escola estadual. E, com a nossa política afirmativa, nós temos colocado pessoas muitos pobres na universidade, independentemente da cor da pele. Não acho que essa divisão do governo seja mais inclusiva que o que nós estamos fazendo. Do meu ponto de vista, quando se fala em pobreza, é mais inclusivo que essa lei de cotas raciais. E a questão de se autodeclarar negro ou pardo traz problemas. Já houve caso de seleção de dois irmãos gêmeos em que um não foi aceito. E tem gente que é branco, mas pode se aproveitar e dizer que lá atrás tem um pouco de sangue africano.
Faltou diálogo na condução desse processo de aprovação da Lei das Cotas?
Sou um reitor presente, vou a praticamente todas as reuniões da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior) e eventos importantes sobre ensino superior, e em nenhum momento fui convidado a dar minha opinião. Acho que falta um pouco de diálogo no Congresso Nacional, escutar as vozes dos professores do ensino básico e das universidades. Essa lei é complexa e deveria ser aplicada mais devagar.
E falta o recurso adequado para aplicá-la. Os recursos nas universidades são bem aplicados, como, por exemplo, no programa de expansão - inclui obras nas universidades e ampliação de vagas. Eu considero como um PAC. De 2 mil obras previstas, menos de 10% estão paradas, coisa que não se vê em nenhum outro setor do País. É um porcentual muito pequeno.
Mas o processo de expansão das federais recebeu diversas críticas por ampliar o número de vagas sem a consequente infraestrutura para abrigar os novos alunos. Essa política foi feita de forma adequada?
No mundo ideal, íamos fazer o projeto, para depois licitar. E depois dos prédios prontos e testados, faríamos concurso para professor, depois para funcionário, depois o vestibular. Isso se chama "ilha da fantasia". O programa, de um modo geral, é um sucesso. Os problemas que existem são por causa da Lei de Licitações. Essa lei beneficia empresas trambiqueiras, porque todo mundo pode participar e o Tribunal de Contas da União não deixa restringir. E há também os custos quando a licitação é cancelada ou quando a obra atrasa. O grande problema desse projeto foi que se pensava que o custo seria X, e o custo foi sendo X + Y. Esse custo vai ter de ser arcado pelo governo federal, porque nenhuma obra do projeto pode ficar para trás.
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Reitor de universidade federal critica Lei das Cotas e muda vestibular 2014 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU