08 Outubro 2012
De um lado, projetávamo-nos para o mundo em evolução e, portanto, para horizontes futuros, fazendo ressoar aquela palavra então um pouco emocionante, "aggiornamento". De outro lado, porém, queríamos livrar do manto um pouco poeirento de uma história secular o coração pulsante do Evangelho, a vitalidade das origens cristãs, a matriz eclesial original, realizando, assim, uma espécie de olhar retrospectivo.
A análise é de Gianfranco Ravasi, cardeal presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado no jornal Il Sole 24 Ore, 07-10-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o artigo.
No dia 11 de outubro próximo, será aberto oficialmente o "Ano da Fé" desejado por Bento XVI e destinado a se encerrar no dia 24 de novembro de 2013. A escolha da data inicial é emblemática, porque marca os 50 anos da inauguração solene do Concílio Vaticano II.
É difícil para mim resistir à memória autobiográfica: eu cheguei em Roma, com menos de 20 anos, para iniciar os meus estudos em teologia justamente na tarde do dia 11 de outubro de 1962. Eu também, portanto, estava presente naquela noite na imensa multidão que, na praça de São Pedro, ouviu o já célebre "Discurso da lua", de João XXIII, assim como estava entre aqueles que, três anos depois, no dia 8 de dezembro de 1965, assistiam à solene conclusão da cúpula conciliar com Paulo VI, sem falar, depois, das várias vezes em que – através da apresentação de um bispo – eu participei das sessões em São Pedro, seguindo as intervenções dos Padres conciliares.
O Concílio Vaticano II, no entanto, está entrelaçado com a minha vida não só por razões biográficas. Ele também o é por um dado mais radical que também é compartilhado por todos aqueles sacerdotes ou fiéis que nunca puseram os pés em Roma naqueles anos, mas foram, de modo benéfico, "contaminados" por aquele evento.
Naturalmente, diante da massa enorme da documentação conciliar e da interminável bibliografia relativa de tonalidades tão diferentes e até mesmo antitéticas (preciosa, nesse sentido, foi a obra de coleta e de análise realizada pelo Instituto para as Ciências Religiosas de Bolonha, criado pelo professor Alberigo), mesmo perante apenas a herança oficial daquela cúpula com as suas quatro constituições, nove decretos e três declarações, é difícil identificar de maneira simplificada um nó de ouro que mantenha tudo junto, que decifre o seu sentido último e delineie a sua alma genuína. Eu preferiria, portanto, ao invés, recorrer a uma trilogia feita de fios robustos que percorrem e regem esse tecido tão complexo, ornado e policrômico.
O primeiro desses fios é, na verdade, muito fluido, semelhante quase a uma trama que atravessou, desde o anúncio da convocação por parte de João XXIII, no dia 25 de janeiro de 1959, na Basílica de São Paulo, todo o Concílio e todo o meio século que temos às nossas costas. De fato, respirou-se e viveu-se uma atmosfera intensa e única, um frêmito que, paradoxalmente, fazia com que a Igreja olhasse ao longo de duas direções antitéticas, mas complementares.
De um lado, de fato, projetávamo-nos para o mundo em evolução e, portanto, para horizontes futuros, fazendo ressoar aquela palavra então um pouco emocionante, "aggiornamento". De outro lado, porém, queríamos livrar do manto um pouco poeirento de uma história secular o coração pulsante do Evangelho, a vitalidade das origens cristãs, a matriz eclesial original, realizando, assim, uma espécie de olhar retrospectivo.
Justamente para esse último aspecto, alguns dos Padres considerados "progressistas" rebatiam aos colegas objetores que eles mesmos eram os verdadeiros servatores, os "conservadores" do espírito genuíno da matriz original cristã e da sua grande Tradição, enquanto os opositores, em última análise, revelavam-se como novatores, defendendo teses ou práxis posteriores.
O clima de redescoberta das raízes cristãs como autêntica "novidade" era vivido então de modo forte, às vezes forte, às vezes frenético: explicam-se assim também certas degeneração subsequentes e o paralelo afrouxamento daquela tensão espiritual. No entanto, penso que essa herança de índole geral nunca se apagou, tanto é que ainda hoje o adjetivo "conciliar" sempre desperta uma palpitação, uma vibração, um choque interior, um apelo a viver mais eficazmente o cristianismo.
Um segundo fio que se enrola não só em todos os documentos conciliares, mas que se tornou um raio de sol que iluminou toda a Igreja até os nossos dias, foi o da primazia da Palavra de Deus. Certamente, ela teve a sua estrela polar na constituição significativamente denominada Dei Verbum. Inicialmente, pensara-se um título mais redutivo, De Sacra Scriptura, remetendo exclusivamente à Bíblia.
Depois, no entanto, marcou-se o fato de que a Palavra de Deus precede e excede a Sacra Scrittura: esta última, de fato, é a prova objetiva da Revelação de Deus, mas que já ecoa na criação e na história, e que se efunde iluminando a leitura e a atualização da Scrittura na Tradição. Realizava-se, assim, o que São Gregório Magno sugestivamente declarava: "Scriptura cum legente crescit". Eis, então, o título final daquele documento: De divina Revelatione.
A Bíblia com o Concílio, assim, iluminou a liturgia, a catequese, a espiritualidade, a pastoral, a cultura, a teologia. Sobre este último propósito, lembro naqueles anos a árdua transição que os meus professores da Universidade Gregoriana tiveram que fazer, tornando os seus cursos cada vez mais modelados pela Sacra Scrittura como fonte, superando o uso segundo o qual era a reflexão especulativa que convocava as passagens bíblicas em suporte das teses já elaboradas.
Uma inversão metodológica que agora é normal nos tratados teológicos, mas que naquela época parecia uma revolução, mesmo que, na realidade, tratava-se de um retorno às origens. Os Padres da Igreja, de fato, como foi apontado por muitos, não falavam (ou escreviam) da Bíblia, mas falavam a Bíblia.
Chegamos, assim, ao terceiro e último fio, o do debate e do diálogo com o mundo, com a sociedade e com a cultura contemporânea. Emblemático a esse respeito – como todos reconhecem – foi o documento conciliar Gaudium et Spes, um amplo texto de nada menos do que 93 parágrafos, capaz de pintar um afresco do horizonte em que a Igreja se encontrava imersa. Na realidade, todo o patrimônio doutrinal e pastoral do Vaticano II, nas entrelinhas, era animado pela instância de compreender e de encontrar um mundo que se revelava cada vez mais complexo e propenso a se afastar da fé não só cristã, mas também do puro e simples âmbito do religioso e do sagrado. Eis, então, a necessidade de uma antropologia que pudesse frear a corrida à secularização, à dessacralização, à indiferença.
Foi assim que o Concílio quis delinear o retrato da pessoa humana na sua dignidade de "imagem" divina, na sua liberdade, consciência, inteligência, nos seus esplendores e misérias. Esse retrato era colocado dentro da sociedade através da busca do bem comum e da afirmação da autonomia da política e das realidades terrenas. Sem ignorar as degenerações que afetam o indivíduo, a família, a comunidade universal, a abordagem adotada, no entanto, era sempre positiva, mesmo quando nos confrontávamos com fenômenos articulados e delicados como a ciência, a economia e até mesmo o ateísmo e as crises espirituais. Certamente, o mapa sociocultural descrito pelo Concílio pode estar, em algumas áreas, superado ou datado (basta pensar na atual civilização informática).
Mas isso se transforma justamente em um ensinamento. Certamente, o coração da mensagem evangélica é único em todo tempo, é "o mesmo ontem, hoje e sempre", como afirmava para o Cristo a Carta aos Hebreus (13, 8). Ela, porém, deve se encarnar continuamente nas mutáveis coordenadas históricas dentro das quais estamos enxertados. Essa "contemporaneidade" permanente de Cristo e da sua palavra é a grande advertência constante do Concílio Vaticano II. Um pouco como escrevia o filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard: "A única relação que se pode ter com Cristo é a contemporaneidade. Relacionar-se com um defunto é uma relação estética: a sua vida perdeu o aguilhão, não julga a minha vida, permite-se somente admirá-lo".
O Vivente, ao invés, como é o Cristo ressuscitado, "me obriga a julgar a minha vida em sentido definitivo". E é isso que o Concílio Vaticano II reafirmou com paixão e convicção para toda a Igreja.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Os três ''fios'' do Concílio. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU