03 Outubro 2012
Um dos fundadores do Movimento Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do qual também é membro da direção nacional, João Pedro Stédile foi um dos oradores na Conferência Ecumênica Global sobre a Nova Arquitetura Financeira e Econômica, reunida em Guarulhos, São Paulo, de 29 de setembro a 5 de outubro.
Stédile partilhou reflexões sobre a conjuntura econômica, desenvolvidas internacionalmente entre os movimentos de agricultores que compõem a Via Campesina, entidade que reúne representantes de mais de 100 países.
A entrevista é de Marcelo Schneider e publicada pela Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC), 02-10-2012.
Eis a entrevista.
No encontro anual do Fórum Ecumênico ACT Brasil, Ademar Ludwig, do MST, partilhou sua visão acerca da situação atual do país. Para ele, há três projetos em conflito no Brasil. O primeiro, do governo do PT, com sua visão desenvolvimentista e assistencialista. O segundo, da direita histórica, hoje situada mais no Democratas e no PSDB. O terceiro projeto seria o da sociedade civil, das organizações populares que tentam discutir modelos alternativos e construir redes de cooperação. Em sua opinião, quais são as forças em conflito no mundo de hoje?
Acho que, de certa forma, essa conjuntura que o companheiro Ademar apresentou sobre a correlação de forças no Brasil se repete na América Latina, ainda que com outros nomes, e também em nível mundial. Há um grande projeto, que é o do grande capital. Embora em crise, ele ainda é hegemônico ideológica, militar e economicamente. O capitalismo tenta se renovar para gerar um novo ciclo de acumulação mais adiante, que ainda não se sabe onde vai estar centrado, mas que será de acumulação sob controle das grandes empresas transnacionais do mundo.
Há um segundo projeto, que aparece também muito claro na América Latina, que seria uma espécie de integração capitalista, em que as burguesias locais querem ter controle sobre a sua produção, mas que não representa solução para os problemas do povo. Ou seja, eles querem desenvolver o capitalismo e a produção sob seu controle, têm contradições pontuais em relação aos Estados Unidos e ao império, mas não representam uma solução verdadeira. Em geral, defendem uma maior ingerência do Estado, não porque sejam estatistas, mas porque hoje, no Terceiro Mundo, o Estado é o principal espaço que reúne a mais-valia social. Portanto é o Estado que gera a maior parte do capital disponível. Então, esse grupo, precisa deste trampolim, precisa se apoderar desses recursos. E, para conseguir tocar esse montante, que é manejado pelos Estados, precisa ter projetos mais nacionalistas.
E há um terceiro projeto, que seria uma alternativa popular. Seria a tentativa de reorganizar as economias dos países e do mundo em favor da solução dos problemas do povo. Quais são esses problemas? A fome, a falta de terra, de trabalho, de moradia e de educação.
Nesse terceiro projeto, quais são as dificuldades que temos? Como sofremos um impacto muito grande, na década de 90, com a ofensiva generalizada do neoliberalismo, o que vemos hoje é um refluxo do movimento de massas. Só recentemente é que fomos ver, na Europa, as primeiras reações populares à crise econômica.
Há uma criminalização da luta social em toda parte do mundo. É uma criminalização na qual não se precisa matar ou prender o manifestante, o que ocorre ainda em alguns países como a Colômbia, mas é ideológica, feita pela televisão e pelo poder Judiciário. A nossa esperança é que no próximo período haverá uma re-ascensão dos movimentos de massa e que estes, por sua vez, irão colocar o seu verdadeiro projeto popular na agenda de disputa com os governos e com o capital.
O movimento ecumênico, historicamente, sempre esteve envolvido em muitas edições do Fórum Social Mundial (FSM) e, mais recentemente, teve participação ativa no processo que levou à Cúpula dos Povos. Esse movimento mostrou sinais de que há uma dinâmica diferente em voga, marcada por um esforço de convergência de agendas e lutas e é enorme a dificuldade de chegar a um consenso sobre o tema do desenvolvimento sustentável. Há uma diferença entre o tom de desabafo e protesto, que marcou tantas edições do FSM e a metodologia de convergência e pautas comuns da Cúpula dos Povos. Você sente que o momento atual é diferente?
Acho que o espaço da Cúpula dos Povos gerou um clima político novo para essa convergência, sobretudo para que os movimentos sociais incorporassem na sua pauta os temas do meio ambiente, e os fizessem de uma forma politicamente correta. No entanto, mais do que documentos convergentes, o que vai alterar a correlação de forças é se, nos próximos dez anos, conseguirmos criar um clima político de re-ascensão do movimento de massas em todo o mundo.
Qual a sua opinião sobre o papel do Brasil na conjuntura mundial atual?
Esse é um assunto complexo. Primeiro, os capitalistas, que atuam na economia brasileira, têm certa autonomia em relação ao governo. Então, uma coisa é analisar o capitalismo brasileiro e outra coisa é analisar o governo de Dilma Rousseff.
O que percebemos no cenário internacional é que, em relação à América Latina, o governo Dilma tem tomado atitudes positivas, ou seja, fortalece a unidade do continente e se propõe a enfrentar os americanos. No entanto, quando chega ao G20, passa a ter atitudes de subserviência aos grandes interesses do capital.
Essa contradição só vai ser resolvida quando tivermos uma re-ascensão dos movimentos de massa aqui no Brasil. No quadro atual, o povo brasileiro e as forças populares estão ausentes da política. Só o governo e os capitalistas é que estão agindo. Evidentemente que, entre essas duas forças, o governo ainda tem um papel positivo. Mas não são iniciativas do povo.
Num modelo econômico que preze a justiça e o cuidado à natureza, quais seriam as ferramentas metodológicas e políticas que o Brasil teria a oferecer à comunidade mundial?
Acho muito ruim utilizar como parâmetro modelos ou exemplos. Acho que o Brasil não é exemplo, assim como a África do Sul, Cuba e China também não podem servir de exemplo. Cada povo tem experiências acumuladas suficientes para encontrar as verdadeiras soluções para seus problemas.
O que está faltando, infelizmente, é que ainda vivemos um período histórico de descenso do movimento popular. Ao excluir as massas da política, o povo não tem espaço para apresentar soluções. Nossa visão é que com a volta das massas aos processos de tomada de decisão, os povos, que têm muita experiência acumulada, é que buscarão as soluções.
O caso do Brasil é, de certa forma, emblemático porque o país é enorme territorialmente, tem uma população muito grande e tem riquezas naturais intermináveis. O caso brasileiro vai ser muito peculiar, porque aqui encontraremos soluções mais rapidamente do que em regiões com limitações expressivas, como a Bolívia, que não tem indústria, ou o Paraguai, que virou uma plataforma só de soja. Nesses países, as soluções para uma economia mais justa serão mais demoradas do que aqui no Brasil.
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Só os movimentos sociais podem levar o projeto popular a disputar com governos e capital, diz líder de sem-terras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU