03 Outubro 2012
Fala-se da África só quando os muçulmanos matam os cristãos. Duas crianças morreram na missa de domingo, em Nairóbi, na Nigéria e no Congo. É o Islã que é amaldiçoado. As nossas Ligas organizam cruzadas contra o extremismo dos fundamentalistas de Alá.
A reportagem é de Maurizio Chierici, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 02-10-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Aos arianos devotos, eu aconselho um livro recém-lançado, de autoria de Filippo Ivardi Ganapini, engenheiro do Politécnico do presidente italiano, Monti: Sui banchi della passione, l’alfabeto dell’Africa (editora Imprimenda, Limena, Pádua), diário, de um missionário italiano que vive em Mossala, vilarejo no Chade, na fronteira centro-africana.
Estamos nos cinco países mais desesperados do mundo. O despertador é sincronizado com o canto dos muezins: juntos invocam as mesmas coisas. Todos os dias, debate-se com os muçulmanos sobre como pregar um deus que muda de seu nome em obediência a Bento XVI que convida a cultivar a estima pelo Islã.
O alfabeto do missionário profere letras que aterrorizam. C, como crianças. Escravas, soldados drogados para matar. Jovens tocadas pelas lâminas da infibulação que o Islã não contempla. M, como mulheres, motor do continente. Quilômetros a pé para transportar baldes de água, 20 quilos por dia. São as mais prolíficas do mundo: cinco filhos, maridos que vêm e vão. Velhice nos barracos de palha de telhado afundado. C, como Chade, povo desconhecido.
A anfitriã pergunta ao engenheiro: "Mas onde é N'Djaema?", capital de um país com 15 milhões de habitantes. Capital das guerras para a exploração da terra. Capital de pessoas que não chegam a 48 anos. Petróleo descoberto há pouco tempo, riqueza nas mãos da casta do presidente por toda a vida. Se as pessoas sobrevivem com ervas e polenta, Deby, ditador democrático, festeja a quinta esposa em um almoço de 40 milhões de dólares.
O petróleo reanimou a economia controlada pelos mesmos anjos da guarda: JP Morgan, Credit Suisse, Barclays e a China, rainha do continente. Nos anos de vacas magras, a África é o paraíso de Wall Street: crescimento de 5,4%. Níger e Angola, em torno de 12%.
Não só petróleo: ouro, minerais estratégicos e planícies férteis desencadeiam o apetite das velhas colônias. A independência do Sudão do Sul naufraga em uma nova dependência: 9% do território vendido para as holdings do biodiesel. Saciar as pessoas não rende, e as pessoas morrem de fome.
O alfabeto da voracidade branca enlouquece a raiva dos sem-nada que afeta aqueles que pregam o deus dos saqueadores. Os refugiados das guerras sobrevivem em campos-cidade: 380 mil ao longo da fronteira Quênia-Somália. O que comem, como vivem, ninguém sabe realmente.
Não há a M das multinacionais, porque desponta em todas as páginas. Diário pacato, mas terrível de um missionário que vive com os últimos e o conta sem levantar a voz. O nome do sacerdote comboniano é o mesmo nome do engenheiro. Como se diz, "vocação tardia", embora ele tenha menos de 40 anos.
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Somos nós que matamos a África - Instituto Humanitas Unisinos - IHU