12 Setembro 2012
"A Bíblia é fonte de ensinamento moral, mas é um erro procurar nela exemplos de escolhas políticas às quais se referir". A essa conclusão chegou o sociólogo e cientista político da Universidade de Princeton Michael Walzer, de origem judaica, voz de autoridade da esquerda norte-americana, no seu novo livro In God’s Shadow (À sombra de Deus), publicada pela Yale University Press.
A reportagem é de Maurizio Molinari, publicada no jornal La Stampa, 10-09-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Por que você decidiu se ocupar desse assunto?
Eu trabalhava sobre esse há 20 anos, aplicando à Bíblia a "teoria da recepção" alemã, ou seja, para compreender como o texto foi interpretado ao longo dos séculos. É um esforço para chegar a definir o que os autores da Bíblia pensavam sobre a política.
Você se detém na contraposição entre os dois pactos, de Abraão e do Sinai, e os três códigos de Levítico, Deuteronômio e Êxodo, falando de "respeito pelos atritos". É a base do pluralismo?
Os dois pactos estão em competição. Pensemos nas conversões. Para o pacto do Sinai, aderir é possível porque basta aceitá-lo, enquanto o pacto familiar de Abraão o oposto é verdadeiro. Essa tensão se encontra novamente ao longo de toda a história judaica.
E os três códigos?
Eles têm uma identidade separada, mas são todos expressão de Deus, e, portanto, é impossível conciliá-los. Isso explica porque os reis não legislam, e é aí que se encontra a gênese do pluralismo que permeia todo o mundo judeu.
Por que no capítulo sobre a "guerra santa" você cita Rousseau, segundo o qual "quanto mais forte é a união, maior é o inimigo"?
As regras da guerra, como aniquilar os cananeus, estão no Deuteronômio, ou seja, o livro mais comunitário que contém as normas detalhadas sobre a preocupação mútua. Portanto, há uma estranha conexão entre a máxima atenção pela coesão interna e a maior hostilidade para com o outro.
Por que você descreve os reis como uma "resposta à teocracia"?
Os reis são uma rejeição do governo divino. Há uma contraposição entre o reino do soberano e o de Deus.
Por que os profetas não se tornam líderes políticos?
Eles nunca formaram um movimento. Algo do tipo começa somente em Roma, com os movimentos plebeus. Os profetas são críticos morais, até mesmo poderosos, mas que não têm seguidores. Criticam o rei, a oligarquia e quaisquer outros. A profecia é vocação moral, embora tenha consequências políticas.
Os autores da Bíblia não deram importância à política como modo de vida, mas a situação mudou com a deportação para a Babilônia. A descoberta da política ocorre na Diáspora?
Na Babilônia, os rabinos substituem os reis. Não há grande interesse pela política entendida como definição na assembleia das responsabilidades dos cidadãos. Tudo isso nasce com os gregos. Para os judeus, a legislação na Babilônia refere-se à interpretação dos textos. Há mais interpretação do que representação, porque a origem da lei é Deus.
Quais foram as consequências dessas premissas bíblicas sobre a formação do Estado de Israel?
O sionismo é a negação do exílio, e, como o judaísmo era uma fé do exílio, tratou-se da negação do judaísmo, zerando 2.000 terríveis anos para voltar às raízes da Bíblia. Por isso, nas origens do sionismo está o compromisso de estudar a Bíblia ou matérias como a arqueologia. Mas a forma do Estado, ao invés, é uma imitação das democracias europeias.
Por que durante a Diáspora os judeus "imaginaram voltar a Israel liderados por reis e não por profetas"?
Ao longo dos séculos, a expectativa é pelo rei-messias. Nissim Gerondi, que viveu na Espanha nos séculos XIII-XIV, afirma que o rei foi criado porque a lei é perfeita demais para a população, e, portanto, é preciso um rei para violá-la, para torná-la acessível aos indivíduos, em situações de crise ou de emergência. É um texto maquiavélico cerca de 200 anos antes de Maquiavel: ele explica por que a monarquia continua sendo o regime político preferido até que, no século XIX, os judeus iluminados optariam pela democracia moderna. Por isso, o sionismo foi uma doutrina revolucionária. Ele não previa a restauração dos reis.
Por que você volta frequentemente à citação de Ben Sira sobre o fato de que "um homem sábio é aquele que é cauteloso sobre tudo"?
Ben Sira representa a continuação da Bíblia, depois dos Provérbios. Ele se detém em fazer o bem na vida privada, enquanto no Livro dos Provérbios há muito sobre fazer o bem na vida pública e em particular sobre a ideia de prudência conectada à sabedoria. É a ligação entre a Bíblia e o que se seguiu.
Quais são as lições que os líderes políticos contemporâneos podem extrair dessa análise da Bíblia judaica?
Não procurar no texto da Bíblia indicações precisas sobre os comportamentos a se ter na vida pública, porque seriam quase certamente errados. Na Bíblia, ao contrário, há o aspecto moral do ensinamento: a busca da justiça, a atenção pelos necessitados. E isso explica porque um movimento pela justiça, como o de Martin Luther King, pode invocar a advertência bíblica de que todos os seres humanos foram criados iguais.
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''O Deus da Bíblia não faz política''. Entrevista com Michael Walzer - Instituto Humanitas Unisinos - IHU