12 Setembro 2012
Emancipado como município há apenas 16 anos, Feliz Natal (a 511 km de Cuiabá) tem quase metade de sua área dentro do Parque Indígena do Xingu. Dos 10.933 moradores da cidade, 955 são índios que moram nas cinco aldeias localizadas em seu território. Destes índios, cerca de 200 têm título de eleitor – o que não parece ter motivado os políticos locais, uma vez que nenhum dos principais candidatos a prefeito visitou as aldeias nesta campanha.
A reportagem é de Bruno Bruno Pedersoli, Gabriela Fujita e Gil Alessi e publicada pelo Portal Uol, 11-09-2012.
A viagem de barco da aldeia até o centro do município pode demorar até oito horas, ao custo de 120 litros de gasolina (cerca de R$ 390) – que os índios eleitores precisam pagar do próprio bolso caso queiram exercer seu direito ao voto.
Para as eleições deste ano, o TRE-MT (Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso) se comprometeu a levar uma urna até a aldeia Pavuru (também na porção feliz-natalense do parque). A distância física não é o único obstáculo à participação política dos índios: Sula Akuku Kamaiurá, uma das representantes da aldeia Morená, diz que raramente sua comunidade é visitada pelo prefeito, vereadores ou candidatos da cidade. O UOL visitou a cidade dentro do projeto UOL Pelo Brasil –que percorrerá municípios em todos os Estados do Brasil durante a campanha eleitoral deste ano.
“É muito difícil decidir na hora de votar porque a gente não sabe qual é o plano deles [os candidatos], a proposta. É muito arriscado mesmo.”
O voto não é obrigatório para os índios, mas é visto por eles como uma maneira de conseguir melhorias no atendimento de saúde, por exemplo. “Se as pessoas votarem em alguém com olhar amplo e geral, para os brancos e indígenas, mudaria bastante. Muitas coisas iam avançar”, diz Akuku.
“Não é fácil. Para começar, eu não sei nadar, tenho medo de água. Sou que nem uma pedra: caiu na água afunda. Mas vou lá agora, nesse mês nós vamos lá fazer uma visita pra eles”, afirma o prefeito Domingos Debastiani (PSDB), candidato à reeleição.
Já rival de Debastiani na corrida eleitoral, Toni Dubiella (PSD), diz que “já está na agenda a ida à aldeia Pavuru, onde é a maior concentração [de índios], e temos um candidato da nossa coligação que é indígena”.
Um dos 47 maiores desmatadores da Amazônia Legal
Emancipado de Vera desde 1989, Feliz Natal integra a lista elaborada pelo Ministério do Meio Ambiente dos 47 maiores desmatadores da Amazônia Legal desde 2007. No total, o município já derrubou quase 18% de sua cobertura vegetal.
Segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), de 2011 até o fim de agosto deste ano foram lavrados em Feliz Natal 50 autos de infração referentes a 32 propriedades rurais, que totalizaram cerca de R$ 17 milhões em multas. Foram embargados mais de 2.500 hectares (25 km quadrados) de desmatamentos ilegais.
“O declínio da atividade madeireira aqui no município começou em 2007, com as operações conjuntas da Policia Federal, Força Nacional e Ibama”, afirma o prefeito Debastiani, um ex-dono de madeireira, e candidato à reeleição.
“A cidade vinha em um ritmo acelerado e, de repente, parou tudo: comércio, construções… Foi um desastre para nós. Mas por um lado foi bom, porque pararam de tirar a madeira dos índios [do Parque Indígena do Xingu].”
No total, 20 madeireiras de grande porte fecharam as portas na cidade. “Tínhamos madeireiras com cem funcionários, e todo mundo foi embora. Perdemos quase 1.500 famílias”, diz. “Cerca de 1.300 postos de emprego foram fechados diretamente, e mais uns 500 indiretos, entre caminhoneiros e gente que derruba a mata.”
Apesar do quadro traçado pelo prefeito, a população do município cresceu de 6.800 habitantes em 2000 para quase 11 mil em 2010, segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Segundo dados da prefeitura, a arrecadação do município proveniente dos impostos cobrados sobre a atividade madeireira também caiu: foi de R$ 1,4 milhão em 2006 para quase R$ 900 mil em 2011.
De acordo com Debastiani, Feliz Natal “continua na lista de desmatamento porque ainda estamos processando a documentação de regularização das áreas. Acredito que ainda este ano sairemos do ranking”.
Como a vegetação local é considerada como parte da área amazônica, por lei é preciso preservar 80% da reserva legal.
“Concordo em preservar beira de água e morros, mas onde temos terras férteis deveríamos poder derrubar 50%, sem problemas ambientais, já que a reserva indígena cobre o resto”, diz.
O candidato Dubiella, que é presidente licenciado da Associação dos Madeireiros de Feliz Natal, não respondeu às perguntas da reportagem sobre o assunto.
Professor indígena sonha em ser candidato a vereador
“Já pensei em me candidatar, mas só depois que eu parar de dar aulas. No momento, essa é a minha missão”, afirma Waunahã Jarel Kamaiurá, professor da escola municipal Sol e Lua, localizada na aldeia Morená, no Parque Indígena do Xingu.
Na aldeia vizinha, Pavuru, mora Napiku Talugu Txicão, conhecido como Bebeto. Ele é o único índio candidato a vereador entre os 50 postulantes registrados em Feliz Natal.
Atualmente, Jarel tem 25 alunos de diversas idades, que frequentam a única sala de aula da escola, um dos dois prédios de alvenaria da aldeia –o outro é o posto de saúde. Ele faz questão de afirmar que entre os jovens da tribo “não há mais analfabetismo”.
Além do conteúdo básico de matemática e da alfabetização na língua nativa de seu povo –uma variação do tupi-guarani– e em português, Jarel também discute em sala de aula conteúdo relacionado à história do Brasil.
“Faço questão de destacar para os alunos que nós éramos os habitantes originais do país, antes da chegada dos portugueses. É um momento triste de nossa história, os alunos ficam chateados, mas é fundamental para o nosso povo conhecer a verdade”.
A política “dos homens brancos” não é deixada de fora da aula. “Lutamos e ensinamos para que nossas crianças não sejam dominadas pelos políticos brancos”, diz Jarel. “Espero que um dia meus alunos também entrem na política para defender nossos direitos.”
“Quando nasci e cresci na outra aldeia Kamaiurá [localizada alguns quilômetros rio abaixo] não havia escola para os índios. Tinha uma bem longe, num posto da Fundação Nacional do Índio [Funai]”, conta o professor. “Aí lá pelos meus 12 anos um primo meu começou a me ensinar. Só consegui aprender a escrever meu nome”.
Aos 20 anos, Jarel frequentou as aulas no posto da Funai, onde ficou três meses. “A professora não era índia, e só falava português. Não era muito estimulante, faltava conteúdo na nossa língua nativa.”
Beirando os 30 anos, ele participou de um programa de formação de professores indígenas do Instituto Sócio Ambiental (Isa), onde aprendeu “de fato a ler e escrever na nossa língua e em português”. “As crianças de hoje têm uma vantagem, já que têm acesso ao estudo mais cedo do que eu tive.”
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Candidatos ignoram índios eleitores em cidade que figura na lista das que mais desmatam - Instituto Humanitas Unisinos - IHU