06 Setembro 2012
Obrigado, Tio, por ter-nos permitido estar contigo no momento final. Intercede para que todos aqueles que desejam possam estar perto dos seus entes queridos no momento da passagem e sentir a doce plenitude do acompanhamento.
O depoimento é de Giulia Facchini Martini (na foto, ao lado do irmão, Giovanni), sobrinha do cardeal Martini, em artigo publicado no jornal La Stampa, 04-09-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Caro tio, Tiozinho, como eu gostava de te chamar nos últimos anos, quando a doença afugentou o teu natural pudor perante a manifestação dos sentimentos, esta é a minha última, íntima saudação. Na sexta-feira, quando o caixão chegou na catedral, a primeira pessoa, entre os fiéis presentes, que foi ao teu encontro era um jovem em cadeira de rodas; pareceu-me afetado por esclerose lateral amiotrófica.
De repente, fui tomada por uma profundíssima comoção, uma onda que subia do mais profundo e me dizia: "Você deve fazer por ele" e por todos aqueles muitíssimos homens e mulheres que haviam começado a desfilar para te dar a saudação extrema, visivelmente carregados com as suas dores e voltados à esperança.
Eu sinto muito, tu querias que falássemos da agonia, da fadiga de ir ao encontro da morte, da importância da boa morte.
Morrer certamente é para nós todos uma passagem inevitável, como, por outro lado, o nascer, e, assim como a gravidez dá, todos os dias, pequenos novos sinais da formação de uma nova vida, a morte também se anuncia muitas vezes de longe. Tu também a sentias se aproximar e repetias isso, tanto que, por isso, às vezes, nós te levamos afetuosamente para passear.
Depois, as dificuldades físicas aumentaram, tu engolias com dificuldade e também comias cada vez menos, e frequentemente catarro e mucos, que tu não conseguias mais expelir por causa da tua doença, tornavam difícil a tua respiração. Tu tinhas medo, não da morte em si, mas sim do ato de morrer, da passagem e de tudo o que a precede.
Falamos sobre isso juntos em março, e eu, que, como advogada, também me ocupo da proteção dos sujeitos fracos, tinha te convidado para expressar de modo claro e explícito os teus desejos sobre os tratamentos que tu gostarias de receber. E assim foi.
Tu tinhas medo, medo sobretudo de perder o controle do teu corpo, de morrer sufocado. Se tu pudesses usar hoje palavras humanas, acredito que tu pedirias para falar com o doente sobre a sua morte, para compartilhar os seus temores, para ouvir os seus desejos sem medo ou hipocrisia.
Com a consciência compartilhada de que o momento se aproximava, quando tu não conseguias mais, tu pediste para ser adormecido. Assim, uma médica com dois olhos claros e límpidos, uma especialista em tratamentos que acompanham a morte, te sedou.
Embora fisicamente não consciente – mas eu percebi o teu espírito bem presente e receptivo –, a agonia não foi nem fácil nem breve. No entanto, foi um tempo que eu senti como necessário, para ti e para nós que estávamos ao teu lado, assim como é inevitável o tempo do trabalho para uma nova vida.
É sobre esse tempo da agonia que tanto nos assusta que eu tenho certeza que tu gostarias de falar, e eu tento humildemente falar por ti.
A pedra angular – tanto para ti quanto para nós – foi o abandono da pretensão de cura ou de continuação da vida apesar de tudo. Tu dirias: "render-se à vontade de Deus".
À parte dos tratamentos paliativos sobre os quais eu não tenho competência para falar, é a atmosfera em torno do moribundo que, como eu já pude experimentar, é fundamental.
Quem estava presente sentiu profundamente que era necessária uma presença afetuosa, e estivemos contigo, nas últimas 24 horas, segurando alternadamente a tua mão, como tu mesmo havias pedido. Eu acho que cada um, mentalmente, te pediu perdão por eventuais falhas e, por sua vez, te perdoou, desfazendo assim todas as emoções negativas.
Em alguns momentos, enquanto a tua respiração se tornava, com o passar das horas, mais curta e difícil, e a pressão sanguínea caía vertiginosamente, eu esperei por ti que tu fosses. Mas, no meio da noite, erguendo os olhos sobre o teu leito, encontrei o crucifixo que me lembrou como nem mesmo o Jesus homem teve o desconto da sua agonia.
Porém, aquelas horas transcorridas juntos entre silêncios e sussurros, a recitação do rosário ou de leituras da Bíblia que estava aos pés do teu leito, foram para mim e para nós todos um momento de riqueza e de paz profunda.
Estava-se cumprindo algo de tão natural e inevitável quanto solene e misterioso, ao qual não só tu, mas nenhum daqueles que estavam mais perto de ti, podia escapar. O silêncio interior e exterior, os movimentos comedidos, a ausência de ruídos e de emoções gritadas – mas sobretudo a aceitação e a espera vigilante – foram o sinal das horas transcorridas contigo.
Quando chegou o último suspiro, eu percebi, e não é a primeira vez que isso acontece comigo assistindo a um moribundo, que algo se destacava do corpo, que ali sobre o leito permanecia apenas o invólucro físico. O espírito, a verdadeira essência, permanecia forte, presente, embora não visível aos olhos.
Obrigado, Tio, por ter-nos permitido estar contigo no momento final. Um pedido: intercede para que seja permitido, a todos aqueles que o desejam, estar perto dos seus entes queridos no momento da passagem e sentir a doce plenitude do acompanhamento.
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''Obrigado, tio Carlo''. Artigo de Giulia Facchini Martini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU