05 Setembro 2012
Ele jamais chegou a ser papa, mas o cardeal Martini foi tratado como tal durante décadas. E a sua morte foi um fiel reflexo da repercussão midiática, política e social que as suas palavras e os seus gestos tiveram em vida. Milhões de pessoas em todo o mundo acompanharam a transmissão do seu funeral, e mais de 200 mil fiéis prestaram suas últimas homenagens perante o seu caixão. Algo que só é comparável, nos últimos anos, ao falecimento de João Paulo II.
A reportagem é de Jesús Bastante, publicada no sítio Religión Digital, 04-09-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Todos os meios de comunicação dedicaram diversas páginas à vida, à obra e aos últimos dias daquele que foi arcebispo de Milão entre 1979 e 2000, e é considerado por muitos como uma porta para a esperança de uma Igreja mais progressista e próxima das alegrias e das sombras do momento atual. Especialmente significativa foi a entrevista póstuma publicada no domingo passado pelo jornal Corriere, em que Martini denunciava que a Igreja está "200 anos atrás" e que "deve reconhecer os próprios erros e deve percorrer um caminho radical de mudança, começando pelo papa e pelos bispos".
Le Monde, BBC, The New York Times, El País, Frankfurter Allgemeine Zeitung, CNN, Al Jazeera... os principais canais de comunicação informaram com profusão sobre todos os detalhes de um emotivo e multitudinário funeral, que contou com a presença do primeiro-ministro italiano, Mario Monti, e autoridades de vários países, e com uma mensagem de Bento XVI ao falecido, a quem qualificou como "um incansável servidor do Evangelho". De todos os cantos da Terra chegaram pêsames e coroas de flores até o Duomo de Milão, transformado durante esses dias em "outro" Vaticano.
Evidentemente, Martini não foi nem nunca quis ser um "antipapa", nem o antagonista de João Paulo II (foi Wojtyla quem o nomeou cardeal e quem o designou para a sede de Milão, a maior diocese do mundo) ou de Bento XVI. Aqueles que pretendem levantar uma separação radical entre os dois modelos de Igreja se equivocam, pois não são incompatíveis, assim como a própria Igreja é poliédrica (e, por conseguinte, católica).
Martini foi um cardeal da Igreja Católica, não foi um heterodoxo nem muito menos um herege, mas expressou, sim, com liberdade evangélica, as suas opiniões sobre temas que, ainda hoje, são fortemente discutíveis, do celibato sacerdotal à necessidade de uma Igreja mais envolvida no mundo, mais próxima do "barro" do sofrimento e dos oprimidos. Um incontestável defensor do Concílio Vaticano II, que, paradoxalmente, morreu poucas semanas antes da inauguração do Ano da Fé e dos faustos em memória do 50º aniversário da sua convocação.
Dizem que ele renunciou à possibilidade de ser papa durante o último conclave. O certo é que, no ano 2000, quando foi aceita a sua renúncia, ele se retirou para Jerusalém, para viver o mais próximo possível do espírito do Ressuscitado. Seus últimos momentos, além disso, foram um exemplo de aceitação da vida e daquela parte dela que é a morte, ao rejeitar a obstinação terapêutica.
Mas nem por isso deixou de dar mensagens enquanto o Parkinson lhe permitiu, ou de fazer gestos de apoio a Bento XVI em seus maus momentos. Prova disso foi a sua presença, já em cadeira de rodas, há poucos meses, quando Ratzinger se apresentou em Milão, em pleno escândalo do "Vatileaks". O seu apoio ao papa sempre foi inquebrantável e um exemplo a mais para aqueles que não entendem que a fidelidade não tem por que implicar a obediência cega ou a perda da capacidade de opinar.
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Morte do cardeal Martini: primeira página na imprensa de todo o mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU