27 Agosto 2012
Teologicamente, "por muitos" parece-me mais respeitoso à liberdade de cada um e de nenhum modo exclui a oferta da salvação a todos feita por Jesus na Cruz. Bem explicada, ela pode ajudar e estimular a muitos.
A opinião é do teólogo italiano Bruno Forte, arcebispo de Chieti-Vasto, na Itália. O artigo foi publicado no jornal Corriere della Sera, 26-08-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
"Por todos" ou "por muitos?". "Equivalência dinâmica" ou "equivalência formal" no exercício da tradução? "Correspondência literal" ou "correspondência estrutural" ao original? Essas antíteses estão animando o debate em torno da oportunidade de modificar a tradução da fórmula da consagração eucarística do vinho, que, na versão atual, diz: "Tomai, todos, e bebei: este é o cálice do meu Sangue, o Sangue da nova e eterna Aliança, que será derramado por vós e por todos para a remissão dos pecados. Fazei isto em memória de mim".
A expressão debatida é aquele "por todos", que – se traduz corretamente o sentido geral do grego hypér pollôn e do latim pro multis –, no entanto, é menos precisa no plano estritamente exegético e no teológico.
No plano exegético, o Papa Bento XVI, na carta enviada aos bispos alemães sobre o assunto (14 de abril), especifica: "Nos anos 1960, quando o Missal Romano, sob a responsabilidade dos bispos, teve que ser traduzido para a língua alemã, existia um consenso exegético sobre o fato de que o termo 'os muitos', 'muitos', em Isaías 53,11, era uma forma expressiva judaica para indicar o conjunto, 'todos'. A palavra 'muitos', nos relatos da instituição de Mateus e de Marcos, era considerada, portanto, um semitismo e tinha que ser traduzida por 'todos'. Isso também se estendeu para a tradução do texto latino, em que pro multis, através dos relatos evangélicos, remetia a Isaías 53 e por isso devia ser traduzido como 'por todos'. Tal consenso exegético se esfacelou, não existe mais. No relato da Última Ceia da tradução unificada alemã, lê-se: 'Este é o meu Sangue, o Sangue da aliança, derramado por muitos'. Isso torna evidente algo muito importante: a tradução de pro multis como 'por todos' não foi uma tradução pura, mas sim uma interpretação, que era, e ainda é, bem motivada, mas é uma explicação e, portanto, algo mais do que uma tradução".
A essa afirmação, alguns objetam que "traduzir", contudo, é sempre "interpretar": "Mesmo onde lexicalmente possível, o cálculo linguístico pode esconder uma profunda traição do sentido" (Francesco Pieri, Per una moltitudine. Sulla traduzione delle parole eucaristiche, Ed. Dehonianna, Bolonha, 2012).
No entanto, especialmente para o texto sagrado e para a língua litúrgica, vale o princípio de que a linguagem a ser usada nas traduções tem e deve manter uma alteridade própria, que, em certa medida, o subtrai dos gostos muitas vezes efêmeros do tempo e das modas: "A sagra Palavra – escreve ainda o papa – deve emergir o máximo possível por si mesma, também com a sua estranheza e com as questões que carrega consigo... A Palavra deve estar presente por si mesma, na sua própria forma, talvez estranha a nós; a interpretação deve ser medida com base na sua fidelidade à Palavra, mas, ao mesmo tempo, deve torná-la acessível a quem a escuta hoje".
Por um lado, portanto, é bom respeitar a "estranheza" do original; por outro, é preciso captar o "copertencimento" a ele do ouvinte atual: "À Igreja é confiada a tarefa da interpretação, para que – nos limites da nossa respectiva compreensão – nos chegue a mensagem que o Senhor nos destinou... Mesmo a tradução mais acurada não pode substituir a interpretação: faz parte da estrutura da Revelação o fato de que a Palavra de Deus seja lida na comunidade interpretante da Igreja, que a fidelidade e a atualização se liguem entre si".
Devemos nos mover, portanto, entre Cila e Caribdis, embora seja evidente que todas as soluções intermediárias, mesmo que apreciáveis, são inevitavelmente compromissórias. Assim é a solução preferida pelos bispos franceses – pour la multitude – ou outra com o artigo indefinido, defendida no citado livro de Pieri: "por uma multidão", assim argumentada: "Multidão se opõe a poucos, mas não se opõe a todos e deixa aberta a interpretação nesse sentido".
O uso do artigo indefinido também remeteria à tradução italiana de Apocalipse 7,9, que se refere aos salvos: "Depois disso eu vi uma grande multidão, que ninguém podia contar: gente de todas as nações, tribos, povos e línguas. Estavam todos de pé diante do trono e diante do Cordeiro. Vestiam vestes brancas e traziam palmas na mão" [segundo a versão brasileira da Edição Pastoral].
À argumentação exegética, deve-se unir a teológica, a meu ver particularmente esclarecedora: refiro-me à distinção comum na tradição teológica entre redemptio objectiva e redemptio subjectiva. Ela é reproposta, por exemplo, por um genial tomista do século passado, o canadense Bernard Lonergan: "É verdade que Cristo é a causa eficiente necessária para que nós realizemos obras salutares (...) mas não é verdade que toda a obra de Cristo por nós se reduza à razão eficiente e exemplar, enquanto a redenção como meio ou, como às vezes se diz, a redenção objetiva signifique mais do que isso" (tradução de De bono et malo. Supplementum). O que quer que seja esse "mais", ele é compreendido a partir da necessidade do livre consentimento da criatura à obra do Redentor: se "a redenção objetiva se refere à obra de Cristo realizada por amor a nós", a redenção subjetiva é o nosso apropriar-se do dom gratuitamente oferecido a nós pelo Salvador mediante a adesão a ele.
Parece-me, então, correto raciocinar assim: com o "por todos", coloca-se bem em destaque a redenção objetiva, a destinação universal do dom da salvação oferecida em Cristo; com o "por muitos", pressupondo obviamente o dado objetivo, destaca-se a dignidade e a necessidade da livre escolha de cada um.
Teologicamente, parece-me, em suma, mais respeitosa à liberdade de cada um a tradução "por muitos", que, além disso, de nenhum modo exclui a oferta da salvação a todos feita por Jesus na Cruz. Por isso, prefiro a tradução "por muitos" e considero que, bem explicada, ela pode ajudar e estimular a muitos.
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As cadeiras vazias da Última Ceia. Artigo de Bruno Forte - Instituto Humanitas Unisinos - IHU