28 Agosto 2012
Todas as reservas do mundo católico são admissíveis na mesa das discussões, mas elas serão aceitas somente com a condição de um reconhecimento público e franco do fato de que a homossexualidade é uma sexualidade assim como as outras, que foge da esfera do juízo moral e penal ou do tratamento psiquiátrico, igualmente legítima e digna de reconhecimento como a heterossexualidade.
A opinião é do advogado francês Jean-Pierre Mignard, professor de direito das mídias do Institut d'Études Politiques de Paris, em artigo publicado no jornal Le Monde, 22-08-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Defender a família e convidar para rezar por ela em um país com uma boa progressão demográfica subentende que ela esteja ameaçada. O casamento de casais gays realmente abalaria a família e o direito das crianças?
A Igreja tem o direito de se intrometer nesse debate legislativo. Trata-se de uma liberdade de expressão indiscutível, que não pode ser considerada de forma alguma um ataque à laicidade. A sua opinião é ainda mais útil porque o matrimônio figura na lista dos seus sacramentos. O cardeal arcebispo [André Vingt-Trois], na qualidade de presidente da Conferência Episcopal, pode fazer com que seja lida uma oração que expressa um mínimo de reserva sobre o casamento gay, mas qual opinião ela reflete, além da opinião da hierarquia?
Segundo uma pesquisa do IFOP, 65% dos franceses seriam favoráveis ao casamento homossexual, e 53% à homoparentalidade. A indicação, na mesma pesquisa, de que 45% dos católicos não se oporiam ao casamento homossexual é ainda mais singular. Por isso, é uma pena que não tenha sido organizada uma discussão entre os católicos, convidados a rezar, certamente, mas não para "discernir" entre si e em voz alta. Mas não é tarde demais.
De fato, convém resolver uma antiga disputa antes de se jogar sobre a questão do casamento. A homossexualidade é ou não uma das declinações naturais da sexualidade? O casamento gay, sobre o qual as divergências são concebíveis, justifica que uma ambiguidade seja removida. A tese oficial designa essa sexualidade com o vocábulo "desordem".
Alinhar os homossexuais, junto com outros, entre os "acidentados da vida" expressa um sentimento de compaixão, mas não os considera como sujeitos de direito. Mais inquietante é que uma instrução de 2005 do Vaticano exclui os homossexuais do ministério ordenado, salvo que tal sexualidade seja "transitória". A Santa Sé mantém uma posição hostil à descriminalização da homossexualidade nos debates das Nações Unidas. Isso a coloca na companhia de alguns dos regimes que continuam infligindo a pena de morte aos homossexuais. Trata-se de uma "verdadeira tragédia para as pessoas envolvidas e uma ofensa à consciência coletiva", segundo as palavras do secretário-geral, Ban Ki-moon. Essa humilhação era realmente necessária?
Como católico e cidadão da República, eu espero que a Igreja francesa se expresse sobre esse ponto específico. Muitos de nós desejam isso, dentro e fora da Igreja. Se ela quer intervir no debate público, e pessoalmente eu considero isso um direito seu, ela deve aceitar o veredito da opinião pública. Além disso, é uma homenagem que lhe é feita, porque se espera da Igreja mensagens em favor da dignidade humana.
Há pouco tempo, o cardeal arcebispo de Lyon, Dom Philippe Barbarin, evocava duas grandes figuras homossexuais e cristãs, Michelangelo e Max Jacob. A esses artistas, ele expressava a gratidão da Igreja, mas dizia principalmente que a sua homossexualidade era um fato, colocando-a assim fora de qualquer juízo de valor. Isso não o levou a se declarar a favor do casamento gay, mas ao menos foi possível lançar as bases para uma discussão livre dos seus medos e dos seus fantasmas.
O ex-cardeal arcebispo de Milão, Carlo Maria Martini, ia além e instava os Estados a ajudar os homossexuais a estabilizar as suas uniões civis. Sobre o assunto e com toda a evidência, há muitas moradas na casa do Pai...
Entende-se muito bem que a Igreja Católica defenda o sacramento do matrimônio e a sua destinação principal. A solução teológica, de fato, não é simples. Mas é preciso implodir os obstáculos. Todas as reservas do mundo católico são admissíveis na mesa das discussões, mas elas serão aceitas somente com a condição de um reconhecimento público e franco do fato de que a homossexualidade é uma sexualidade assim como as outras, que foge da esfera do juízo moral e penal ou do tratamento psiquiátrico, igualmente legítima e digna de reconhecimento como a heterossexualidade.
Ainda não chegou o momento, e é uma pena, de uma pastoral para os homossexuais. Mas chegou o momento de evocar essa questão dentro da Igreja e de se livrar dos seus espantos, que levaram, por exemplo, a separar, no pequeno cemitério de Ebnal (Inglaterra), para as exigências da sua beatificação, em 2010, mas contra a sua vontade testamentária, o corpo do cardeal britânico John Newman (1801-1890) do corpo do seu amigo, o reverendo Ambrose St. John, "que ele amava com um amor tão forte quanto o de um homem por uma mulher". Nada diz que esse grande prelado fosse gay, nada, mas até mesmo essa amizade inquietava.
Os católicos devem poder debater dentro das suas comunidades, das suas assembleias paroquiais, diocesanas, nas suas associações, sempre que possível, sempre que necessário, sem que se deseje. O que temos a temer das palavras, visto que nós reivindicamos a teologia da Palavra? Não estaríamos todos de acordo? Pois então!
É assim que se faz a abertura ao mundo, o que não significa se submeter a ele. A Igreja, exemplar no diálogo inter-religioso, se mostraria incapaz de qualquer diálogo intrarreligioso? Os bispos, que não são déspotas, deveriam ousar esse debate. O historiador Michel de Certeau dizia com um trecho fulgurante que, "no fundo, era do risco que se encontrava o sentido". E se há uma injunção bíblica e evangélica em forma de leitmotiv, ela é: "Não tenham medo".
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''Não tenham medo da homossexualidade'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU