18 Agosto 2012
Nem as Femen nem as Pussy Riot são artistas sofisticadas como as da vanguarda feminista. Parece, porém, que herdaram a lição comunicativa: tornar-se sujeitos também na comunicação do e com o corpo.
A análise é da socióloga italiana Chiara Saraceno, professora de pesquisa do Wissenschaftszentrum für Sozialforschung, de Berlim. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 14-08-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Usar o (próprio) corpo feminino como manifesto político. Subverter a obsessão voyeurista pelo corpo feminino que caminha de mãos dadas com a marginalização das mulheres como cidadãs e como seres pensantes, em benefício não dos seus próprios interesses individuais, mas sim dos objetivos de denúncia política.
É isso que fazem grupos de mulheres feministas, sobretudo do Leste Europeu. Usando as técnicas do flash mob, as Femen ucranianas literalmente usam os seus próprios seios nus para tornar descaradamente visíveis as próprias denúncias contra o governo, contra a transformação do seu país em uma espécie de bordel para consumidores internacionais por ocasião dos jogos europeus de futebol, contra a sharia, até mesmo contra Berlusconi em novembro de 2011.
As jovens mulheres russas da banda punk Pussy Riot, quando irrompem com as suas canções de denúncia em contextos "sagrados ao poder" – o Kremlin, a catedral ortodoxa – se limitam a exibir minissaias. Mas as máscaras que escondem o rosto aludem ironicamente à despersonalização das mulheres por parte de quem as representa, justamente, somente como corpos fungíveis, por serem atraentes para quem os olha e os consome.
A última dessas ações – uma "oração" anti-Putin na Catedral Ortodoxa de Moscou durante uma cerimônia religiosa – custou-lhes muito caro, com uma denúncia do patriarca moscovita e, consequentemente, a prisão. Elas podem ser condenadas a anos de prisão. Infelizmente para elas, elas não poderiam ter sido mais eficazes ao demonstrar o estreito fio que liga na Rússia de hoje o poder político à Igreja Ortodoxa.
O uso do próprio corpo pelas mulheres feministas, como instrumento e ao mesmo tempo como ato comunicativo para fins de revelação e denúncia, não é um fenômeno novo, nem limitado ao Leste Europeu. Mais do que o episódio das estudantes alemãs que rodearam com seios nus o filósofo Adorno durante um episódio de contestação estudantil em 1969, para humilhá-lo aludindo em público às suas nem sempre reprimidas tentações de "passar as mãos", é no setor artístico que se pode encontrar um amplo testemunho disso.
As artistas daquela que foi chamada a vanguarda feminista dos anos 1970, de um modo ou de outro, usaram, todas, fotografia, filme, vídeo e performance para afirmar que "o pessoal é político" e contra "a obrigação do ser bonita". Ao invés de se limitarem a documentar, certamente de forma meritória, o abuso e a instrumentalização do corpo feminino na comunicação pública, ou também a denunciar como desrespeitosa e denigratória esta ou aquela publicidade ou espetáculo, essas artistas viraram a mesa, colocando-se elas mesmas do mesmo lado do sujeito que comunica com o corpo. Encheram com uma intencionalidade ao mesmo tempo crítica e autônoma a encenação do corpo feminino, a partir do seu próprio. Os "corpos planos" e evanescentes de Francesca Woodman, as bonecas de papel no armário dos vestidos de Cindy Sherman, as performances de Valie Export, que, naquelas que hoje chamaríamos de flash mobs, provocava transeuntes e o público mostrando-se de vez em quando como um teatro ambulante do qual surgiam apenas os seios ou o sexo, que convidava ironicamente a tocar – estas e outras ainda eram formas de expressão que recusavam a mera documentação e iam além da denúncia, para abrir a um olhar e a uma comunicação diferentes.
Nem as Femen nem as Pussy Riot são artistas sofisticadas como as da vanguarda feminista. Parece, porém, que herdaram a lição comunicativa: tornar-se sujeitos também na comunicação do e com o corpo. Certamente, não é a única forma, nem necessariamente a mais eficaz para combater o poder (as irmãs norte-americanas, por exemplo, estão colocando em ação outras formas para combater os ditames do Vaticano).
Mas ver mulheres que usam alegremente, embora arriscadamente, o próprio corpo para ridicularizar o poder tem um quê de libertador, especialmente a partir do observatório italiano. Onde parecemos pressionadas entre o dever de tomar posição sobre o direito de ser acompanhante e o conformismo moral e hipócrita que gostaria que as mulheres "de bem" e competentes fossem todas sérias, com golas altas e mangas compridas, possivelmente idosas, e melhor ainda se avós, mas de qualquer modo dessexualizadas.
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O corpo feminino como bandeira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU