04 Agosto 2012
Às vezes o mesmo vale tanto para as docas flutuantes quanto para os navios: a melhor das viagens não impede seu desmantelamento. Com quase 20 metros de extensão e 165 toneladas, essa estrutura cujo desmonte começou na última quarta-feira (1º) em uma praia do Oregon, noroeste dos Estados Unidos, passou por uma incrível aventura. Esse mastodonte de cimento, de metal e de poliestireno realizou em 15 meses a travessia do Oceano Pacífico.
A reportagem é de Catherine Vincent, publicada pelo jornal Le Monde e reproduzida pelo Portal Uol, 04-08-2012.
Arrancada pelo tsunami que atingiu o Japão no dia 11 de março de 2011, ela encalhou no dia 5 de junho de 2012 na Praia de Agate, poucos quilômetros ao norte de Newport. Ela trazia consigo várias dezenas de espécies marinhas exóticas, sendo algumas delas consideradas perigosamente invasivas para o ecossistema local, e por isso as autoridades de Oregon decidiram destruí-la.
Quando no dia 5 de junho elas inspecionaram o impressionante pedaço de concreto, descobriram em um de seus lados uma placa de metal escrita em caracteres japoneses. "Quatro docas flutuantes foram levadas pelo tsunami. Esta aqui é uma delas", logo confirmou o consulado do Japão no Oregon, explicando que ela vinha do porto de Misawa (província de Aomori), situado no norte do país.
"Assim que ela foi descoberta, foi verificado que esse fragmento de píer não era radioativo. Em compensação, estava coberto de algas e organismos marinhos", explicou no dia 7 de junho o departamento de Parques e Recreação de Oregon. Ouriços-do-mar, estrelas-do-mar, anêmonas, caranguejos, larvas, mexilhões, ostras, moluscos, algas, cracas... No total, os especialistas da Oregon State University registraram mais de 90 passageiros clandestinos, sendo grande parte deles específicos das águas do Japão.
E será que estes representariam um perigo para as espécies nativas? "Essa doca é uma ilha que não se parece com nenhum outro escombro oceânico conhecido. No plano biológico, é como se tivessem jogado uma bola de boliche em uma loja de porcelana: alguma coisa vai quebrar. Resta saber se o que será destruído é precioso ou sem valor", comentou John Chapman, especialista em espécies marinhas invasoras e coordenador dessas análises.
Para entender a preocupação dos pesquisadores, é preciso lembrar que os fenômenos de invasão biológica, provocado por espécies vivas exóticas introduzidas - voluntariamente ou não - em um ecossistema, hoje são considerados pela ONU como uma das grandes causas de regressão da biodiversidade. Seu impacto pode ser particularmente destrutivo em espaços fechados, como lagos e ilhas.
Na Reunião (França), as plantas invasivas (cerca de 130 registradas) constituem o principal fator de desaparecimento das espécies nativas, sendo que muitas só existem nessa parte do mundo. Outro exemplo, também na França: introduzida acidentalmente no início do século XX, a ambrósia da América, que provoca fortes rinites alérgicas, está se tornando um verdadeiro problema de saúde pública na região do Ródano-Alpes.
Provavelmente não se deve temer nada do tipo em relação às espécies japonesas que desembarcaram na praia de Newport. Mas, no plano ecológico, duas delas em especial preocupam os cientistas: a alga Undaria pinnatifida, conhecida pelo nome de wakame, cresce em todos os substratos e forma placas largas, tapando o Sol para as outras espécies; e a estrela-do-mar Asterias amurensis, cujo sólido apetite pode devastar as populações das quais ela se alimenta. Ambas figuram na lista das cem espécies invasoras mais nefastas do mundo, estabelecida em 2000 pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) – lista na qual também estão incluídos... o coelho comum e o gato doméstico.
A alga e a estrela-do-mar são resistentes o bastante para terem sobrevivido a quinze meses de travessia, mas será que elas perturbariam mesmo o ecossistema local? Jamais saberemos, provavelmente. O departamento da Pesca e da Vida Selvagem de Oregon não quis se arriscar: nos dias após o encalhe da doca, as autoridades de Newport reuniram um grupo de voluntários para eliminar manualmente a maior parte das algas, dos moluscos e outros organismos agarrados à estrutura.
"Cerca de uma tonelada e meia de material vegetal e animal foi colocada em sacos e transportada bem além da linha de maré alta, onde foi enterrada", explicam. Mas mesmo essa medida foi considerada insuficiente. Como os proprietários do porto de Misawa explicaram que não queriam ter de volta sua doca, foi decidido que o bloco de concreto seria cortado em pedaços, que serão enviados a um centro de trituração e de reciclagem.
O custo da operação para o Estado do Oregon foi de aproximadamente US$ 84 mil (cerca de R$ 170 mil). Mas essa doca é somente a ponta do iceberg. Os cientistas japonesas calculam que entre 5 e 20 milhões de toneladas de escombros foram gerados em março de 2011 pelo terremoto e pelo tsunami que veio em seguida. A maior parte permaneceu em terra firme, e muitos daqueles que foram levados pelas águas afundaram rapidamente. Mas parte desses detritos ainda está flutuando em alguma parte no meio do oceano... com que passageiros?
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Tsunami leva organismos marinhos japoneses para costa americana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU