23 Julho 2012
Benny Lai, 87 anos, jornalista profissional desde 1946, vaticanista desde 1951 com o primeiro crachá da Sala de Imprensa da Santa Sé assinado pelo então sostituto (vice-secretário de Estado), Dom Giovanni Battista Montini, futuro Paulo VI, é um dos mais atentos observadores do mundo vaticano. Grande assinatura do Il Giornale, de Indro Montanelli, amigo de bispos e cardeais, alguns dos quais ascenderam ao Sólio de Pedro, 16 livros, o último dos quais recém-chegou às livrarias pela editora Rubettino, Finanze vaticane. Da Pio XI a Benedetto XVI.
A reportagem é de Orazio La Rocca, publicada no jornal La Repubblica, 17-07-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Como decano dos vaticanistas italianos, está surpreso com o que acontece do outro lado do Tibre? O camareiro papal acusado de ter roubado documentos confidenciais, o IOR na tempestade com a repentina expulsão do presidente; corvos, suspeitas...
Eu estou surpreso, não nego, embora no passado a situação no Vaticano nunca foi sempre tranquila, entre traições, escândalos financeiros, mas também entre confrontos pessoais, rancores e vinganças. O Vaticano, como todas as instituições terrenas, sempre foi habitado por grandes personagens, mas também por figuras discutíveis, para dizer o mínimo.
No papel, homens de Deus, mas que tiveram com o poder, começando pelo dinheiro, uma relação incestuosa, perigosa para a Igreja, uma relação nada evangélica, sem o secular ensino de Cristo para "dar a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus". Desta vez, porém, as tensões realmente explodiram de uma forma muito violenta e imprevisível, por causa de possíveis lutas na Secretaria de Estado e na Cúria, onde não é difícil ver a mão de personagens como o cardeal secretário de Estado, Tarcisio Bertone, e o seu antecessor, Angelo Sodano.
Não sei se Paolo Gabriele, o camareiro papal preso, dará nomes. Por trás dele, no entanto, agiram e talvez ainda agem personagens de peso da Cúria.
O seu livro parece quase profético à luz da tempestade que caiu sobre a Santa Sé e o papa.
Um livro histórico, escrito com base em documentos inéditos também, como foi justamente a negociação que levou à estipulação dos Pactos Lateranenses entre o Vaticano e Benito Mussolini, ou os escândalos de ontem e de hoje que envolveram personagens das altas finanças vaticanas. Mas surpreendentemente atual, porque, a partir de Pio XI, chegam a contar episódios do atual pontificado, passando pelos pontificados de Pio XII, João XXIII, Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI.
Um instant-book motivado pelas polêmicas que explodiram no Vaticano e seus arredores?
Não. Eu comecei a escrever esse livro muito antes das recentes polêmicas. Se, depois, entre os conteúdos do livro, tocam-se nervos expostos por causa de polêmicas sobre o IOR, de roubos de documentos e vazamentos de notícias, é apenas coincidência. Mas uma coincidência que eu ousaria definir como profética.
O seu livro começa com a reconstrução histórica dos acontecimentos que, nos 20 anos fascistas, levaram os Pactos Lateranenses. Há algum aspecto inédito?
É sempre arriscado falar de reconstruções inéditas quando se relatam eventos históricos. Mas tenho certeza de que ninguém até agora deu o justo peso à longa negociação que houve entre o regime fascista e a Santa Sé para chegar à estipulação dos Pactos. Sabe-se que as assinaturas dos Pactos foram seladas por Mussolini e pelo cardeal secretário de Estado, Pietro Gasparri.
Quase ninguém sabe que, na realidade, quem levou adiante as negociações foi Pio XI, que se confrontou diretamente com o Cavaliere para pactuar o acordo. Uma negociação, portanto, realizada exclusivamente sobre questões financeiras, com Mussolini tencionado a reduzir o máximo possível os custos da Conciliação, e com o Papa Ratti decidido a obter uma indenização de dois bilhões de libras a serem transferidas para os cofres vaticanos em algumas parcelas.
E como terminou o longo braço de ferro entre Pio XI e Mussolini?
Pio XI defendia que a soma pedida, com os relativos juros, era a que o Estado italiano havia se comprometido unilateralmente a pagar depois da ocupação de Roma com a Lei das Garantias de 1871. Para testemunhar a atenção de Pio XI pelas questões econômicas existem as anotações do advogado consistorial Francesco Pacelli, irmão mais velho do futuro Pio XII, que registrou tudo nos diários de 1926 a 1929, ano da assinatura que chegou quando as partes concordaram sobre a base de 1,75 bilhão de libras, pagas parte em dinheiro e parte em títulos ao portador. Uma reviravolta para as exíguas finanças vaticanas que, da Brecha da Porta Pia, haviam se endireitado apenas com as ajudas do Óbolo de São Pedro alimentado pelas ofertas dos fiéis.
O que aconteceu com os pontífices sucessivos?
Pio XII, no dia 27 de junho de 1942, fundou o Instituto para as Obras de Religião, o atual banco, absorvendo a velha Administração para as Obras de Religião, erguida por Leão XIII em 1887, o órgão que havia arrecadado o megarressarcimento do Pacto. O Papa Pacelli, além disso, quis dar ao IOR uma configuração internacional, permitindo que o banco se aventurasse em operações financeiras e, ao mesmo tempo, também distribuísse ajudas às populações atingidas pela guerra, incluindo os judeus.
E João Paulo II e Bento XVI?
O Papa Wojtyla teve o mérito de abrir o mundo à Igreja, mas sem se interessar pela gestão do Vaticano e, aparentemente, por problemas financeiros. E, não por acaso, com ele, houve o caso Marcinkus, o bispo presidente do IOR envolvido na quebra do velho Banco Ambrosiano de Roberto Calvi.
Bento XVI, embora com estilo diferente, se comporta da mesma maneira, dedicando-se principalmente à teologia. As finanças são supervisionadas pelo seu secretário de Estado, Bertone, mal visto pela ala diplomática vaticana. Mas – um particular pouco conhecido – Ratzinger não se serve do IOR para arrecadar os direitos autorais dos seus livros – que recolhem cifras enormes –, mas sim da Fundação ad hoc por ele desejada com sede na Alemanha. A escolha singular que talvez nos faz entender muitas coisas, também porque a tão esperada transparência das contas do IOR, solicitada também pelo próprio Ratzinger, ainda esteja muito distante.
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Dos óbolos aos bancos: os segredos financeiros do Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU