16 Julho 2012
Ao opinar com alta frequência no processo de seleção para novas dioceses ou na substituição de bispos veteranos, d. Eugênio Sales fincou seu prestígio no Vaticano e 'mudou a feição da CNBB', escreve J. D. Vital, jornalista, auor de Como se faz um bispo, segundo o alto, o baixo clero (Civilização Brasileira), em artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo, 15-07-2012.
"Padre Manoel Godoy, que trabalhou na CNBB em Brasília, tem a certeza de que ele fez mais de cem bispos", informa o jornalista.
Eis o artigo.
A imagem da pomba branca pousada sobre o caixão roubou a cena. Atraiu câmeras de TV, fotógrafos, editores de jornais. Comoveu os católicos. E, sobretudo, evocou a atuação do cardeal d. Eugenio de Araujo Sales no hermético processo de reposição gerencial daquela que Peter Drücker, pai da moderna gestão empresarial, considerava "a mais antiga e mais bem-sucedida organização do mundo ocidental, a Igreja Católica".
"D. Eugenio foi o maior fazedor de bispos do Brasil, ele mudou a feição da CNBB", afirma o padre Manoel Godoy, diretor do Ista - Instituto Santo Tomás de Aquino, centro de estudos de filosofia e teologia em Belo Horizonte. O cardeal era consultado pelo Vaticano na seleção de candidatos para novas dioceses ou para a substituição dos bispos que se aposentam quando chegam aos 75 anos.
A nomeação dos bispos, embora uma rotina da Cúria Romana - praticamente toda semana é anunciado um - é tarefa creditada ao Espírito Santo, tradicionalmente representado em forma de pomba. Era o que dizia, quando núncio apostólico no Brasil, d. Lorenzo Baldisseri, atual secretário da Congregação para os Bispos em Roma.
Com sede em um edifício tão discreto quanto magnífico, à esquerda da Piazza di San Pietro de quem chega pela Via della Conciliazione, a congregação assessora o papa na seleção dos componentes do colégio episcopal mundial, atualmente com pouco mais de 5 mil bispos. Mesmo sem residir em Roma, d. Eugênio Sales era frequentador dos palácios vaticanos. Padre Manoel Godoy, que trabalhou na CNBB em Brasília, tem a certeza de que ele fez mais de cem bispos.
Sua influência estendia-se do Rio ao Nordeste, onde nasceu em 8 de novembro de 1920, na cidade de Acari (RN). Seu irmão, d. Heitor, que completa 86 anos no dia 29 deste mês, foi bispo em Caicó e arcebispo de Natal. "Ele teve influência enorme na escolha de seus bispos auxiliares. É certo que ninguém chegou à arquidiocese sem a sua aprovação" - confirma padre Marcos Belizário Ferreira, pároco de Santos Anjos no Rio, secretário da regional Leste 1 da CNBB e testemunha da amizade que unia d. Eugênio e d. Helder Câmara. "O cardeal Sales prosseguiu e ampliou a obra de dom Helder no Rio, como o Banco da Providência", acrescenta.
Se devido à discrição - o famoso segredo pontifício - com que a Igreja cerca a nomeação episcopal não é possível contabilizar o número de bispos "emplacados" por d. Eugenio, dados oficiais da Santa Sé comprovam seu desempenho. Ele foi o principal consagrante de 22 bispos. Normalmente, os novos bispos convidam para presidir sua sagração quem consideram seu padrinho junto ao Vaticano. Segundo padre Godoy, o cardeal fez muitas nomeações porque gozava da confiança de Roma. "Ele era conhecido por sua obediência irrestrita ao papa; tinha ojeriza a qualquer tipo de indisciplina", afirma o prior do convento dos dominicanos em Belo Horizonte, frei Oswaldo Rezende.
Frei Oswaldo hoje admira o "caráter e a personalidade" do cardeal carioca. Mas nos anos 1970, ainda jovem e exilado político em Roma, definiu d. Eugenio, em entrevista à imprensa, como "tecnocrata do sagrado".
Do velho "tecnocrata do sagrado", de esplêndida carreira na hierarquia da Igreja - bispo auxiliar de Natal, arcebispo de Salvador e primaz do Brasil, elevado a cardeal por Paulo VI e transferido para o Rio -, diz-se que foi o brasileiro com maior número de cargos no Vaticano: um total de 11.
Com tamanho prestígio na cúpula dirigente da Igreja, íntimo dos papas, o maior fazedor de bispos do Brasil se viu, de repente, sem poder no momento de exercitar a arte de nomear um bispo.
É verdade que o Vaticano concedeu-lhe a honra de somente aceitar seu pedido de renúncia à arquidiocese seis anos após a idade limite de 75 anos de idade. Mas ele não conseguiu fazer o sucessor. D. Eugenio perdeu a queda de braço para o núncio apostólico de então, d. Alfio Rapisarda, que levou o papa João Paulo II a colocar no Palácio São Joaquim o arcebispo de Florianópolis, d. Eusébio Scheid.
Essa teria sido a segunda derrota do brasileiro ao longo de quase 69 anos de padre, 58 anos de bispo e 43 anos de cardeal. A primeira, no entanto, somente o engrandece e lança luz sobre sua extraordinária atividade pastoral. Em 1959 - conta padre José Oscar Beozzo em sua tese de doutorado Padres Conciliares Brasileiros no Vaticano II, apresentada na USP em 2001 - d. Eugênio, jovem administrador da diocese de Natal, convidou um pastor evangélico para uma celebração em comum na Semana da Unidade dos Cristãos. Ele recebeu "imediata reprimenda da nunciatura, que lhe relembrou que continuava em vigor o Canon 1258 do Código do Direito Canônico de 1917, proibindo celebrações em comum, a chamada communicatio in sacris".
No caso do Rio de Janeiro, d. Eugenio pôde reagir. Fontes do clero asseguram que ele denunciou Rapisarda na cúria por comportamento impróprio. O Vaticano deslocou seu representante diplomático para a nunciatura em Portugal e não lhe deu o barrete cardinalício, como é a tradição para os ex-núncios no Brasil.
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O fazedor de bispos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU