Por: Jonas | 13 Julho 2012
Para Juan Díaz Bordenave, um dos mais prestigiosos intelectuais do Paraguai, amplamente reconhecido na América Latina, e que foi um dos principais assessores do derrocado presidente Lugo, “o golpe parlamentar” é “mercenário e farisaico”, e “na minha percepção, tratou-se de uma manifestação natural da confrontação continental e mundial de dois conceitos antagônicos de democracia: aquele em que ela é vista como governo do povo, pelo povo e para o povo, e aquele em que ela é vista como o governo das classes dominantes, pelas classes dominantes e para as classes dominantes”.
A reportagem é de Washington Uranga, publicada no jornal Página/12, 10-07-2012. A tradução é do Cepat.
As afirmações do intelectual fazem parte de um documento distribuído, por ele mesmo via correio eletrônico, na qual apresenta sua posição frente aos fatos que culminaram na destituição de Lugo, explicando que “a queda do presidente do Paraguai foi planejada em seus menores detalhes, e nem sequer para nós, que a vivemos de perto, é fácil entender a sua gênese e processo”.
A denúncia de Díaz Bodernave tornou-se conhecida ao mesmo momento em que, da Frente pela Defesa da Democracia (FDD), se denuncia a censura informativa e os bloqueios de correio eletrônico de achegadas a Lugo. Soube-se, também, que o governo de Federico Franco começou uma “limpeza” do sistema de comunicação pública. As novas autoridades retiraram, sem um motivo fundamentado, jornalistas e comunicadores que consideram ter afinidades com Lugo e que até o momento trabalhavam na Sicom (Secretaria de Informação e Comunicação para o Desenvolvimento), Rádio Nacional, Televisão Pública e agência oficial de notícias IP Paraguai. Enquanto isso, em Assunção, aguarda-se uma decisão sobre o pedido de inconstitucionalidade, apresentada pelos advogados de Lugo, contra a determinação tomada pelo Congresso. Caso não seja concedido o pedido do ex-presidente, adianta-se que será feito uma apelação aos organismos internacionais.
Em sua análise sobre o “golpe parlamentar”, Díaz Bordenave sustenta que “os principais autores do golpe não trabalharam por ideais, mas por interesses” e afirma que entre os golpistas “estavam latifundiários, empresários do agronegócio sojeiro e proprietários de indústrias”. E acrescenta que junto a esses se agruparam “membros da alta burguesia, políticos de partidos tradicionais, religiosos conservadores, chefes militares, membros da classe média alta, representantes paraguaios de multinacionais”, pois todos eles estavam “preocupados com a ameaça que, em seu entender, Lugo representava para suas propriedades, interesses e privilégios”.
Ao enumerar as causas que provocaram o golpe parlamentar, Díaz Bordenave destaca “a intensificação da luta dos camponeses para ter acesso à terra; o aumento da proibição de sementes transgênicas, que pode atingir aos enormes lucros da multinacional norte-americana Monsanto; a proposta de aplicação de impostos à exportação de commodities; a fiscalização de pulverizações aéreas tóxicas pelo Senave (Serviço Nacional de Qualidade Animal e Vegetal); a decisão de realizar uma reforma agrária que leve em consideração que 82% da terra está nas mãos de 2% dos proprietários; a crescente organização dos camponeses; (...) o acesso do povo aos novos meios públicos de comunicação” e “a crescente compreensão popular de que a democracia representativa deveria se ampliar para a democracia participativa”.
Na raiz das afirmações de Díaz estão as pressões exercidas pelo grupo Monsanto, utilizando a União de Grêmios de Produção (UGP) para legalizar o uso da semente de algodão transgênico Bollgard BT, para sua semeadura no Paraguai. Em outubro do ano anterior, o Ministério de Agricultura e da Pecuária, então sob a responsabilidade do liberal Enzo Cardozo, licenciou o uso da semente, mas o Senave não validou essa decisão devido à inexistência de controles técnicos e sanitários. Foi aí, então, que o grupo Zuccolillo, aliado a Monsanto e que controla o jornal ABC Color (o de maior circulação no Paraguai), denunciou por corrupção o Senave e seu diretor, Miguel Lovera, nomeado por Lugo.
No último dia 8 de junho, o ABC Color publicou uma nota intitulada “As 12 razões para destituir Lovera”. Em seguida, enquanto do jornal ABC Color se denunciava por suposta corrupção a Ministra da Saúde, Esperanza Martínez, e o Ministro do Meio Ambiente, Oscar Rivas, que negaram o aval técnico ao uso das sementes transgênicas de algodão, a Monsanto, em cumplicidade com o ministro Cardozo (do mesmo partido do atual presidente Federico Franco), insistiu em buscar a legalização de outra variedade de algodão: BT e RR (resistente ao Roundup). O grupo Zuccolillo é um dos principais sócios paraguaios da transnacional Cargill.
Díaz Bodernave também confirma as denúncias no sentido de que “o incidente de Curuguaty – que serviu de pretexto para o julgamento político – (...) demonstra que o assassinato de policiais foi realizado com armas de alto poder, usadas por franco-atiradores profissionais de alta pontaria”. Nesse incidente, morreram onze camponeses e sete policiais e segundo as fontes próximas a Lugo, entre os camponeses ocupantes, haviam “infiltrados” que atacaram e mataram aos policiais.
Da Frente pela Defesa da Democracia (FDD) se assegura que Federico Franco, que tem como um dos principais colaboradores o equatoriano Jaime Duran Barba – o mesmo que cuida da imagem de Mauricio Macri -, tem contado com o respaldo de grupos religiosos conservadores e de ultradireita. Aí estão incluídos personagens da Seita Moon, dos setores mais conservadores da Igreja Católica e grupos evangélicos fundamentalistas. Vale lembrar que o Vaticano, por meio do núncio no Paraguai, Eliseo Antonio Ariotti, foi o primeiro a reconhecer ao governo golpista de Franco, e que a Conferência dos Bispos Católicos havia “recomendado” para Lugo, um dia antes de sua destituição, a renúncia para “evitar mais derramamento de sangue”.
Da FDD se insiste na ativa participação que os grupos midiáticos tiveram no golpe. De fato, os dois jornais mais importantes do país, o ABC Color e o Ultima Hora, vinham alentando há muito tempo a ideia de julgamento político. O ABC Color pertence ao grupo Zuccolillo e o Ultima Hora ao grupo Vierce, dono também da Telefuturo, La Tele e de dez rádios espalhados por todo o país.
De sua parte, a Associação de ONGs do Paraguai (Pojoaju) alertou sobre a possível violação dos direitos humanos, pelas novas autoridades, denunciando a “instalação da desinformação e o medo”, e a “interrupção de programas e projetos sociais”.
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Fatos e personagens da queda de Lugo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU