04 Julho 2012
Fernando Lugo foi a vítima mais recente da "guerra da soja" do Paraguai. Eleito presidente em 2008 como um "defensor dos pobres", Lugo sofreu impeachment no mês passado, e o país mais pobre da América do Sul mergulhou na incerteza.
O artigo é de Jeremy Hobbs, iretor-executivo da Oxfam International, e publicado pelo jornal International Herald Tribune e reproduzido pelo Portal Uol, 04-07-2012.
A promessa que elegeu Lugo, de redistribuir a terra e fazer a reforma agrária, era popular, mas por fim inatingível por causa dos interesses alinhados contra ele. No início de junho, 11 agricultores e seis policiais foram mortos durante uma operação para expulsar posseiros de uma enorme fazenda usada por um grande proprietário de terras e oponente de Lugo. Usando isso como desculpa, o Senado efetuou o impeachment de Lugo uma semana depois.
Mas é a ascensão da humilde soja – e os oceanos de terra sobre os quais ela cresce no Paraguai – que ligam a saída de Lugo a uma luta histórica entre a poderosa elite fundiária do país e os agricultores pobres, de um lado, e um mundo que aparentemente não tem limite para seu apetite por carne de animais alimentados pela soja e biocombustíveis, do outro.
O Paraguai não é o primeiro país a perder um governo por causa de disputas de terra. E não será o último. Depois de décadas de nepotismo e corrupção, 77% das terras aráveis do Paraguai pertencem a apenas 2% da população. Globalmente, nos últimos dez anos, foram feitos acordos por 203 milhões de hectares de terras – quase seis vezes o tamanho da Alemanha – num ritmo e numa escala que está superando a capacidade de resposta das estruturas governamentais. As falhas, como no Paraguai, nunca estão longe da superfície.
O Paraguai é agora o quarto maior exportador de soja do mundo e a demanda está crescendo, incentivada principalmente pela China e pela Europa para produção de ração para gado e biocombustível.
A paisagem agrícola do Paraguai se alterou dramaticamente por causa dessa expansão. Desde 1996, mais de 1,2 milhões de hectares de floresta foram cortados para plantar soja em vez de alimentos e outras culturas. Assentados brasileiros – os brasiguaios – estabeleceram grandes fazendas de soja, provocando um conflito prolongado por causa do que os moradores locais chamam de "roubo de terras". Ao longo dos últimos 20 anos, 100 mil pequenos agricultores locais migraram para favelas nas cidades ou para outros países, ou se tornaram sem-terra. A cada ano no Paraguai, 9 mil famílias rurais são expulsas de suas propriedades pela produção de soja e quase meio milhão de hectares de terras são transformados em plantações de soja.
Ironicamente, num país onde 40% da população ainda vive na pobreza e 11% são subnutridos, a macroeconomia paraguaia está em franca expansão. Seu PIB cresceu 15% em 2010 – a segunda economia que cresce mais rápido no mundo – por cauda das exportações de soja no valor de US$ 1,6 bilhão.
A expansão da soja no Paraguai – incentivada pela demanda da China e da Europa, e cultivada nas terras da elite política – é controlada pelas diretorias das Grandes Empresas. Até 70% da soja paraguaia é exportada por ano e a soja de companhias gigantes de grãos como a Cargill, ADM e Bunge responde por cerca de 70% disso.
Em 2004, a companhia de agronegócio Syngenta causou indignação ao publicar uma propaganda de um mapa que destacava uma grande área da Argentina, Brasil, Bolívia, Paraguai e Uruguai e a chamava de "República Unida da Soja".
Mas o Paraguai não tem conseguido agregar um valor significativo às suas exportações de soja: em 2010, 5,7 milhões de toneladas de sua colheita total foram exportadas em forma de grãos, enquanto apenas 1,5 milhão de toneladas foram processadas. Outros atores parecem estar ganhando mais por essa parte da República Unida da Soja do que os paraguaios.
Há motivos para preocupação quanto à lei e ao processo democrático no Paraguai. Na eventualidade de qualquer conflito, são sempre os pobres que mais sofrem. A comunidade internacional precisa dar mais apoio ao povo do Paraguai para construir um país mais justo e inclusivo. Ela precisa dar um foco maior ao desenvolvimento rural e à produção sustentável de alimentos, e direitos mais igualitários à terra, para que os agricultores mais pobres estejam mais protegidos da demanda global por terra.
O Fundo Monetário Internacional acredita que a economia do Paraguai crescerá no ano que vem cerca de 8,5% - uma perspectiva fantástica, mas apenas se os benefícios disso puderem ser divididos com justiça. Mais amplamente que isso, os líderes corporativos e políticos que ajudaram a incitar a expansão da soja no Paraguai precisam buscar com mais empenho a sua sustentabilidade e uma maneira de devolver os benefícios de forma mais justa para os paraguaios comuns.
Mais da metade da soja plantada no Paraguai é exportada para a Argentina, e a maior parte disso é transformada em diesel na Argentina ou na Europa para alimentar os carros europeus. Num mundo em que um bilhão de pessoas vai dormir com fome todas as noites, as políticas que usam terras aráveis onde se poderia cultivar alimentos para produzir combustível com certeza estão na direção errada, e provavelmente só vão aumentar a competição e o conflito por um recurso natural escasso.
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Expansão da soja é destrutiva no Paraguai - Instituto Humanitas Unisinos - IHU