28 Junho 2012
Nem o banco central dos bancos centrais sabe mais dizer quando a crise mundial vai terminar. Para o diretor-gerente do Banco de Compensações Internacionais (BIS), Jaime Caruana, tudo indica que a crise será "longa" e exigirá a tomada de decisões políticas difíceis. "Não há saída rápida", disse, em um discurso radicalmente diferente do feito pelos líderes mundiais, que tentaram por meses convencer o mundo de que haviam derrotado a crise.
A reportagem é de Jamil Chade e publicada no jornal O Estado de S.Paulo, 26-06-2012.
Em sua sala envidraçada no alto de um edifício na Basileia, na Suíça, com uma vista privilegiada tanto da França quanto da Alemanha, Caruana concedeu entrevista ontem sobre a economia mundial, ironicamente no momento que seu país de origem - a Espanha - pede oficialmente um resgate para a União Europeia. Entre 2000 e 2006, anos da euforia espanhola, ele era o presidente do BC espanhol.
Caruana preferiu não falar especificamente sobre o Brasil. Mas afirmou que os mercados emergentes precisam tomar medidas para abandonar um modelo de crescimento que não é sustentável, baseado no crédito, e se preparar para eventuais novos "tsunamis financeiros", a injeção de bilhões de euros por europeus e americanos para resgatar suas economias. Sugere principalmente para os emergentes a aceleração da recapitalização de seus bancos, fortalecimento do sistema financeiro para se preparar para momentos difíceis.
Incapacidade de solucionar a crise
Um dos problemas é que no começo da crise o capital que o sistema financeiro tinha era muito reduzido e de qualidade muito ruim. As economias estavam alavancadas. É uma crise de balanços. Balanços das famílias, empresas, instituições financeiras e, em alguns casos, dos governos.
Tempo para superar a crise
Não há saída rápida, porque o que se requer é reparar, e fazer reformas. Só quando se reparam os balanços e corrigem as ineficiências da economia é que se sai dessas crises. Tem havido bastante progresso. Temos riscos e vulnerabilidades, mas há progressos. O que ocorre é que os progressos são lentos. Os BCs podem ajudar a suavizar os ajustes. Mas isso é um problema porque suavizar os ajustes facilita que se atrase o ajuste.
As lições da crise
A crise tem raízes de caráter macroeconômico, que é a influência dos juros baixos. Houve a questão da falta de espaço fiscal para atuar. E quando se necessitou, esse espaço fiscal se transformou no problema seguinte. Os bancos se endividaram excessivamente e além do que seus sistemas de riscos permitiam controlar. Ou seja, foram excessivamente otimistas. Padrões de crescimento aceitos estavam baseados no excessivo crescimento de crédito. São muitas lições. Elas incluem uma reforma financeira, que ataca muitos desses problemas, desde maiores colchões de liquidez e capital, até mecanismos de evitar contágio. O mecanismo de interação entre a economia e o setor financeiro estava subestimado. Não se soube valorizar a magnitude do que se estava acumulando.
Demora na solução
Gostaria de saber quando vamos superar as atuais dificuldades. Não é algo que não dependa de políticas. Enquanto estivermos tentando ganhar tempo e não estivermos resolvendo os problemas de fundo, a duração será mais longa. À medida que se ataque problemas de fundo, é possível que no curto prazo as soluções sejam mais duras e difíceis, mas se sairá antes da crise e o custo total será menor. É a grande dúvida para aqueles que têm de tomar decisões públicas.
O futuro da Europa
Essa é a grande responsabilidade dos líderes europeus neste momento. Um dos problemas, além do endividamento, dos sistemas financeiros frágeis, é a fragilidade institucional que ficou demonstrada. A responsabilidade de líderes políticos é marcar a direção, com medidas concretas e compromissos. Essa é provavelmente uma das grandes prioridades nos próximos meses. Não quer dizer que há uma solução apenas europeia. Há também soluções nacionais. Os países precisam cumprir compromissos para estar dentro da união monetária, fazer suas reformas.
O papel do Brics
Sem o apoio da comunidade internacional é muito mais difícil. Incluo nisso o FMI e o Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Afortunadamente para os países avançados, muitos dos emergentes continuaram com um grau de crescimento mais elevado. Não quer dizer que não tenham desafios. Mas há que reconhecer que eles estavam mais bem preparados.
Exportações dos emergentes
O fato de neste momento o crescimento nos países avançados estar abaixo das expectativas nos leva a reflexões de que os modelos de crescimento baseado de maneira excessiva nas exportações pode ser reconduzido a um maior equilíbrio entre exportação e demanda interna.
Riscos do excesso de crédito
O crescimento rápido do crédito tem de ser vigiado com cuidado, para não acumular riscos excessivos que acabam sendo pagos mais adiante. As lições aprendidas em crises anteriores são de que é conveniente fazer duas coisas: moderar o crescimento do crédito e fazer os sistemas financeiros mais fortes. Convém acelerar a recapitalização dos bancos, na medida em que o crescimento do crédito seja elevado.
Tsunami financeiro
É preciso que haja maior coordenação, o que implica que cada um dos países entenda bem o que está acontecendo nos demais. As condições financeiras nos países avançados influenciam nas condições financeiras no resto do mundo. Em algumas ocasiões se transmitem, por exemplo, nos emergentes nas taxas de câmbio. Quando os países avançados têm baixa taxa de juro e existe política de não permitir a valorização da moeda, isso leva a que as políticas monetárias de emergentes também sigam uma política relativamente relaxada. O exemplo do caso do BCE, de aplicar operações de liquidez por três anos, permitiu relaxar as condições financeiras e deu à Europa condições mais apropriadas. Se não fosse isso, provavelmente haveria impacto também nos emergentes. Nos casos dos emergentes, as medidas que podem ser aplicadas são macroprudenciais, que fortalecem o sistema financeiro.
América Latina
De maneira geral, os sistemas financeiros de emergentes, América Latina e outras regiões, demonstraram que estavam bem mais preparados do que os dos países avançados. Também as finanças públicas estavam melhores. Nos emergentes, havia colchão nos sistemas financeiros e margem nas finanças públicas. Os emergentes tiveram períodos de turbulências, aprenderam lições e fizeram reformas importantes. No caso dos países avançados, houve excesso de complacência em pensar que a crise é algo alheio aos países industrializados.
Remuneração de banqueiros
Precisa estar orientada para retornos de longo prazo, e não podem incentivar a tomada de risco no curto prazo. Isso é chave para os sistemas financeiros. Parte do que ocorreu eram incentivos equivocados.
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'Crise será longa e exigirá decisões políticas difíceis' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU