Por: Cesar Sanson | 18 Junho 2012
A morte de 18 pessoas, entre elas 11 camponeses, ocorrida na semana passada quando a polícia desocupou uma fazenda ocupada por camponeses sem terra no noroeste do Paraguai, em uma zona próxima à fronteira com o Brasil, foi uma “matança” e há informações sobre mais camponeses mortos na área, denunciou à Carta Maior o representante de uma organização campesina, enquanto a porta-voz de outra organização alertou para um plano desestabilizador contra o presidente Fernando Lugo.
A reportagem é de Dario Pignotti e publicado pelo sítio Carta Maior, 17-06-2012.
A morte de 18 pessoas, entre elas 11 camponeses, ocorrida na semana passada quando a polícia desalojou sem diálogo prévio uma fazenda ocupada por camponeses sem terra no noroeste do Paraguai, em uma zona próxima à fronteira com o Brasil, foi uma “matança” e há informações sobre “mais companheiros mortos no monte”, denunciou o representante de uma organização campesina, enquanto a porta-voz de outra organização alertou para um plano desestabilizador contra o presidente Fernando Lugo.
“Isso que aconteceu foi uma matança contra nossos companheiros, muitas mentiras estão sendo ditas para prejudicar o que a gente disse dos camponeses que estão lutando por terra para trabalhar, que estão lutando pelo direito à reforma agrária. Confirmo que, até esse momento, são 12 os companheiros que foram assassinados”, declarou Damasio Quiroga, secretário geral do Movimento Campesino Paraguaio, em conversa telefônica com a Carta Maior.
“Agora estou falando desde o local onde ocorreu a matança. Estamos chegando agora com companheiros de várias organizações no departamento de Camendiyú. Está chovendo muito, estamos com outros 300 companheiros porque temos informações de que há mais companheiros mortos e feridos. Também ficamos sabendo que alguns foram executados depois de terem sido presos”, relata Quiroga.
A versão midiática-policial do ocorrido é que um grupo de agentes foi atacado quando ingressava na fazenda de um milionário, Blas Riquelme, que enriqueceu à sombra do ditador Alfredo Stroessner (que recebeu asilo político de José Sarney em 1989), ocupada por membros do Movimento Campesino dos Carperos.
A Associação Rural do Paraguai agregou a esse relato o “seguro” vínculo entre os camponeses e os guerrilheiros do Exército Popular do Paraguai. “Este fato, mais o emprego de armas automáticas e de dispositivos explosivos fala de algo mais que um simples grupo de “sem terras”, mas sim de um grupo fortemente armado e organizado, capaz de desferir um golpe mortal a forças policiais regulares”, disse a entidade.
Trata-se de uma versão dos fatos pouco verossímil pois o saldo de vítimas indica, até o momento, que há mais camponeses mortos (11) que policiais (7), entre eles dois elementos do Grupo de Operações Especiais. O relato do camponês Quiroga difere do divulgado pela maioria dos meios de comunicação, a polícia e a associação de fazendeiros.
“Não há nada de verdade em dizer que havia armas automáticas no acampamento de nossos companheiros. Eu posso dizer a você companheiro que não temos nenhuma relação com uma guerrilha que se chama EPP, para nós o EPP não existe, eles estão inventando isso para prejudicar o campesinato que se organiza melhor, porque nós agora não queremos seguir esperando que nos deem terras ruins. Estamos lutando por nossos direitos, estamos lutando pela reforma agrária que nunca chega na prática porque há gente muito rica contra a reforma agrária”, denunciou o dirigente.
- Você disse que “eles inventaram essa história”. A quem se refere?
Os fazendeiros e a polícia que estão juntos em tudo isso, este novo chefe de polícia nomeado por Lugo é uma pessoa muito perigosa, com denúncias de envolvimento com corrupção contra ele, alega Quiroga.
“O atropelo com violência é um mecanismo que sempre foi utilizado pelas instituições estatais como polícia, militares e promotoria para proteger empresários nacionais, transnacionais, latifundiários, sempre a favor do setor privado”, assinalou em um comunicado a Organização Nacional de Indígenas Independentes.
A tensão entre camponeses e latifundiários, setor onde predominam os produtores de soja brasileiros, cresceu desde a chegada de Fernando Lugo ao governo em 2008, quando este prometeu levar adiante a Reforma Agrária e resolver o problema de “terras irregulares”, grandes superfícies de terrenos fiscais que o ditador Stroessner distribuiu entre militares e seguidores, como o milionário Blas Riquelme, o “Carlos Slim paraguaio”, segundo a definição de Martín Almada, o principal ativista de direitos humanos do país.
O ex-bispo Lugo teve como principal apoio social e eleitoral o campesinato que já não o apoia da mesma forma que anos atrás. “Deixamos de acreditar no presidente, pois ele não está cumprindo as promessas. Depois desse massacre nomeou personagens corruptos e de péssimos antecedentes. O governo que havia prometido fazer a reforma agrária está esquecendo seu compromisso e está nomeando colorados corruptos”, disse Quiroga a Carta Maior.
Ele se referia à indicação, como ministro do Interior, de Rubén Candia Amarilla, membro do Partido Colorado (de Stroessner), que ao assumir prometeu mão dura contra os camponeses e anunciou que, de agora em diante, as desocupações das fazendas ocupadas serão realizadas sem estabelecer diálogo com os “carperos”.
“Lugo teve que dar um passo atrás e aceitar a gente do Partido Colorado, foi uma imposição dos setores mais reacionários, o que deixou um setor dos camponeses descontentes com o Presidente. Ao mesmo tempo, há outros setores campesinos que ainda depositam confiança em Lugo e o respaldam criticamente como um mal menor, porque se ele cair agora sem concluir seu mandato que termina em 2013, será uma vitória das forças conservadoras”, sustenta Martin Almada, que acredita que está em curso um plano para desestabilizar Lugo.
O enfrentamento entre camponeses e policiais causou um tsunami político no Paraguai com repercussões ainda imprevisíveis sobre o destino do primeiro governo sem vínculos com o ex-ditador Stroessner, desde o fim da ditadura. “A situação está muito quente, a direita está muito envolvida em tudo isso”, disse à Carta Maior Magui Balbuena, da Coordenação Nacional pela Recuperação das Terras Irregulares.
“O massacre do departamento de Canindeyú foi consequência de um conflito de classes histórico na sociedade paraguaia, produto da sustentação por parte dos três poderes do Estado de um sistema de acumulação e concentração das terras em mãos de uns poucos. A violência prosseguirá se não se iniciar de uma vez por todas a devolução das terras que pertencem ao povo paraguaio e que hoje estão nas mãos de algumas pessoas e não sujeitas à Reforma Agrária”, assinala um comunicado da Coordenação.
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Paraguai: fazendeiros estariam por trás da morte de camponeses - Instituto Humanitas Unisinos - IHU