04 Junho 2012
Alfredo Sirkis, deputado federal - PV-RJ, vê riscos de retrocesso da agenda ambiental do País e propõe que Rio+20 aprove 'New Deal verde'.
A entrevista é de Lourival Sant'Anna e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 03-06-2012.
Eis a entrevista.
Já existe a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que tem uma rotina de reuniões anuais. Por que vocês consideram importante trazer a discussão da mudança climática para a Rio+20?
Eu acho que seria grave se, durante a Rio+20, não se tocasse na questão do clima. Os dois temas oficiais da reunião da ONU são economia verde e governança. Os dois têm interfaces importantes com o clima. A economia verde não pode ser discutida fora do contexto do que seria uma economia de baixo carbono. No tema da governança internacional, que eu temo que não vá avançar praticamente nada, a principal estrutura que existe é a das Nações Unidas vinculada à Convenção do Clima, que foi aprovada inicialmente na Rio-92. Pretendemos fazer recomendações, pelo menos no tocante à economia verde, para a reunião de chefes de Estado.
Que tipo de recomendações?
Em relação à Rio+20, estamos discutindo quatro pontos. Um é a necessidade de se mudar o PIB como grande referencial de desenvolvimento, incorporando a ele variáveis ambientais e sociais e corrigindo certas deformações. Contribuem para elevar o PIB acidentes de trânsito, desmatamento, destruições ambientais, derramamento de petróleo. Um segundo ponto é a necessidade de um "New Deal" verde planetário, ou seja, um grande investimento público, dos governos e dos organismos multilaterais, na pesquisa de inovação tecnológica em energias limpas - algo da magnitude da corrida espacial dos anos 60 ou mesmo de uma corrida armamentista. Por outro lado, a atividade de recomposição do meio ambiente destruído - reflorestamento e grandes projetos desse tipo, que ao mesmo tempo geram emprego e contribuem para a absorção do carbono. E investimento em saneamento, habitação, etc. O terceiro ponto seria substituir os tributos ambientalmente regressivos por uma forma de tributação que leve em conta a intensidade de (emissão de) carbono. O último é a atribuição de valor econômico a serviços prestados por ecossistemas. Fora isso, você tem toda a agenda especificamente ligada ao clima.
Como é essa agenda?
Haverá quatro grupos de estudo: mitigação (redução de emissão), financiamento da economia de baixo carbono, adaptação e uma métrica unificada para metas nacionais de redução de (emissão de) carbono. Esses grupos vão trabalhar em cima de técnicas de construção de cenários. No caso da mitigação, o objetivo é manter a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera abaixo de 450 ppm (partes por milhão) e a temperatura média do planeta abaixo de um aumento de 2°C neste século. O grupo de financiamento discutirá uma forma de financiar a adaptação, de compartilhar dessa despesa. Outro aspecto desse grupo de financiamento é a discussão de uma espécie de Bretton Woods do baixo carbono: como formatar as suas instituições e produtos financeiros para poder lastrear uma economia de baixo carbono, para atrair esses trilhões que estão em capital especulativo pelo mundo afora.
E o grupo de adaptação?
Como é um tema vasto e diversificado, pensamos em focar em dois aspectos primordiais: a segurança alimentar e as águas. Nos cenários que estão sendo cogitados, se não houver mudanças importantes, a temperatura média subirá de 4,5°C a 5°C até o fim do século. Isso tem uma implicação dramática para a produção de alimentos em uma série de regiões do mundo. A desertificação e a escassez de água hoje já são um problema. Com o aumento da temperatura, vai ser um problema dez vezes maior. Há a elevação dos níveis dos oceanos, as enchentes.
Por que o sr. está pessimista em relação à governança?
Sou favorável a uma Organização Mundial da Sustentabilidade e do Meio Ambiente, com poderes análogos aos da Organização Mundial do Comércio, que são de poderes de fato de governança supranacional. Mas vejo o momento muito desfavorável a esse tipo de avanço. O que se começou a discutir, mas também não avançou, é o Pnuma (programa da ONU para meio ambiente) ser transformado em agência.
O Brasil não é favorável a isso, não é?
O Brasil está jogando na retranca. O momento não é favorável por causa da zona do euro, que é exemplo de governança supranacional avançada e que nesse momento está em crise. Por outro lado, na campanha eleitoral americana, o Partido Republicano alimenta a paranoia de que as Nações Unidas querem dominar os Estados Unidos. Então, qualquer aceitação por parte dos EUA de governança supranacional tem implicações eleitorais.
E o Brasil tem receio de uma regulação que alie a questão ambiental com a comercial e o protecionismo?
Sim, o Itamaraty há muito tempo vocaliza preocupações de que determinado arcabouço de governança supranacional e metas obrigatórias e critérios impostos possam ser usados por países do Norte numa disputa comercial. Não excluo que isso possa acontecer topicamente numa outra situação. Mas transformar isso no eixo da discussão é focar na árvore e esquecer a floresta.
O Brasil procura se projetar com suas credenciais ambientais. Há o uso de fontes renováveis de energia, de um lado, e o investimento no pré-sal, de outro. Qual o balanço entre essas duas dinâmicas?
Em terra de cego, quem tem um olho é rei. O Brasil está bem na fita, por força de sua matriz energética limpa; de uma conquista importante, que foi a redução do desmatamento na Amazônia na última década; e de ter assumido em Copenhague (em 2009) metas de redução (de emissão de gases). Agora, no horizonte do Brasil perfilam-se riscos de retrocesso. Eu fico muito preocupado com térmicas a carvão que estão sendo construídas apenas para rentabilizar negócios de exportação de minérios. Para os navios não voltarem vazios, voltam com carvão a baixíssimo custo, usado nas térmicas. A simples operação do pré-sal já implica significativo aumento de emissões. É fundamental que uma parte do produto do pré-sal vá para investimento em energias limpas: eólica, solar e geotérmica. O pré-sal tem de ser visto como uma transição. O governo parece ver o pré-sal como uma bênção. Mas ele é ao mesmo tempo uma maldição.
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'Pré-sal pode ser bênção, mas também é maldição' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU