04 Junho 2012
A irmã franciscana Pat Farrell (foto), presidente da Leadership Conference of Women Religious (LCWR), disse ao NCR nessa sexta-feira, 1º, que o grupo ainda está discernindo se pode cumprir "com integridade" uma revisão ordenada pelo Vaticano sobre os estatutos da organização, e planeja levantar sérias questões junto às autoridades da Igreja durante as reuniões planejadas para o fim deste mês em Roma.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada no sítio do jornal National Catholic Reporter, 01-06-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em entrevista exclusiva de 15 minutos, Farrell disse que um encontro especial do conselho nacional de diretoras do grupo na última semana constatou que as religiosas estão enfrentando "uma gama de emoções para cima e para baixo", enquanto tentavam decidir em oração o rumo futuro da organização.
Os comentários de Farrell surgem poucas horas depois que a LCWR, que representa cerca de 80% das religiosas dos EUA, publicou a sua primeira declaração oficial em resposta a uma avaliação doutrinal altamente crítica do grupo, emitida no dia 18 de abril pela Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano.
A resposta da LCWR dizia que a avaliação do Vaticano seguiu um processo falho e acusava que isso havia causado "escândalo e dor por toda a Igreja".
A avaliação do Vaticano ordena que o grupo das irmãs reveja os seus programas, suas afiliações e seus estatutos, e os coloque sob a autoridade direta do arcebispo de Seattle, Dom Peter Sartain, que atuará oficialmente como o "arcebispo delegado", dando-lhe ampla autoridade sobre o grupo.
Nesta entrevista, Farrell, membro das Irmãs de São Francisco, com sede em Dubuque, Iowa, abordou o resultado da reunião do conselho da LCWR desta semana, explicando o que ela planeja dizer às autoridades vaticanas durante as conversas em Roma, e se o grupo das irmãs está pensando em deixar a estrutura canônica oficial da Igreja para se reformar como uma organização sem fins lucrativos.
Eis a entrevista.
Qual era o clima na reunião do conselho desta semana? Como as coisas mudaram ao longo dos três dias?
Houve um clima geral de reflexão realmente séria e orante, eu diria – uma gama de emoções para cima e para baixo. Mas eu diria que a coisa mais importante é que foi um consolo real para todas nós estarmos finalmente juntas em um lugar e sermos capazes de processar alguns dos sentimentos em torno disso, e compartilhar alguns dos sentimentos e das reações que recebemos das religiosas nas nossas regiões da LCWR e, finalmente, sermos capazes de falar sobre isso face a face. Estamos todas conscientes da importância e da seriedade disso.
Havia algum senso de direção que possa ter mudado em algum ponto durante a reunião?
Há uma série de questões sobre as quais conversamos. E o tom mudou em diversas conversas, mas algumas das coisas gerais que discutimos é que queremos falar a verdade. Queremos responder com integridade. Queremos abordar o que realmente nos pareceram ser más interpretações da LCWR e da nossa vida no documento que veio da Congregação para a Doutrina da Fé.
E queremos nos certificar de que, à medida que seguimos em frente, não comprometemos a incrível solidariedade que temos entre nós mesmas e que nos movemos de acordo com os nossos procedimentos de coleta das impressões e da contribuição dos nossos membros, de modo que sempre falemos a uma só voz. Gostaríamos, também, penso eu, de abordar questões que nos parecem ser uma espécie de representação injusta de nós e das nossas vidas, e queremos fazer isso de uma forma que, no fim, contribua para o bem da vida religiosa para nós mesmas e em todo o mundo, e para o bem da Igreja.
O comunicado divulgado pela LCWR, embora comedido, também usa uma linguagem mais forte – usando frases como "processo falho" que resultou na ordem do Vaticano. Que sentimento se encontrava entre o grupo da LCWR para que se respondesse firmemente à ordem?
Eu acho que, acima de tudo, queremos esclarecer as coisas e ter uma oportunidade para que a nossa compreensão de nós mesmas e das nossas questões sejam representadas de forma verídica. E até agora a única declaração que havia sido publicada era a do Vaticano. O discurso anterior que mantivemos em toda essa avaliação doutrinal sempre foi realizada em confiança. Nós realmente tivemos algumas trocas de comunicação escrita.
E a comunicação verbal foi mais com Dom Blaire, que estava supervisando o processo em nome da Congregação para a Doutrina da Fé nos Estados Unidos. Então, essa foi realmente a primeira declaração pública que foi feita sobre isso. E isso representa claramente o ponto de vista do Vaticano. E antes de dizermos qualquer coisa a mais sobre a nossa própria versão das coisas, queremos ter essa conversa primeiramente com a Congregação para a Doutrina da Fé.
Na declaração, vocês também dizem que a ordem do Vaticano causou "escândalo". Qual é a natureza do escândalo, da forma como vocês o veem? Como vocês o estão definindo?
Eu acho que a inferência que muitas pessoas podem tirar a partir da publicação do documento do Vaticano é que somos infiéis, que não estamos em comunhão com a Igreja. Nós realmente não nos vemos dessa forma. No entanto, existem questões genuínas que trazemos à tona – as conversas que precisam acontecer. E eu acho que a efusão de apoio que tem se manifestado em todo o país é uma manifestação disso. Há conversas e questões que precisam acontecer e que também são compartilhadas por um grande número de leigos e leigas na Igreja.
Eu acho que a insinuação que muitas pessoas podem tirar da leitura do documento do Vaticano é de que, se levantarmos essas questões, somos infiéis com relação à Igreja. Isso não é verdade. E eu não acho que isso seja realmente justo. Eu acho que, de fato, isso é um sinal da nossa mais profunda fidelidade à Igreja – questões que o povo de Deus precisa levantar, que precisamos falar a respeito juntos, em um clima de diálogo genuíno. Esse clima nem sempre existe. E nós estamos em uma posição um pouco delicada nisso, porque, de fato, nós queremos fielmente levantar questões preocupantes, mas não queremos fazer isso de uma forma que polarize ainda mais. E esse é um caminho delicado para se caminhar.
Você mencionou que vocês estão planejando ir a Roma para se encontrar com o arcebispo Sartaine o cardeal Levada. Quais vocês esperam que sejam os focos dessas conversas?
Do nosso lado da conversa, queremos esclarecer aquelas que achamos que são más interpretações da LCWR e das religiosas nos EUA. E, a partir daí, não sabemos como essa conversa irá se desdobrar. Essa é realmente uma continuação da conversa inicial que tivemos quando ocorreu o nosso encontro no dia 18 de abril com a Congregação para a Doutrina da Fé. E nós deliberadamente demos muito poucas respostas então, porque nós não queríamos fazer nada sem pensar, sem consultar em primeiro lugar uma parte mais ampla dos nossos membros e sem nenhuma consideração reflexiva e orante. Essa é uma continuação daquela conversa, em que nós estamos prontas para falar mais da nossa resposta genuína. E nós achamos que isso precisa acontecer primeiro com a Congregação para a Doutrina da Fé.
Você quer dizer que vocês querem trazê-los para a conversa e não apenas falar com o arcebispo Sartain?
Bem, o documento veio da Congregação para a Doutrina da Fé. E as declarações sobre nós vieram da Congregação para a Doutrina da Fé. Então, achamos que esse o ponto de partida. E o arcebispo Sartain estará presente.
Saindo da reunião do conselho, que sentimento existe entre as irmãs? Vocês estão confortáveis ao submeter seus programas à revisão de três bispos?
Claramente, esse é um controle externo. Gostaríamos de não tê-lo. Mais uma vez, a forma como tudo isso irá se desenrolar é algo que nós faremos em conjunto com os nossos membros. E vamos dar um passo por vez e ver em diálogo até que ponto podemos entrar nesse processo com integridade. Essa é uma questão que nenhuma de nós irá determinar sozinha. Esse será um processo em desdobramento com os 1.500 membros da LCWR.
Neste ponto, que tipo de apoio ganhou a ideia de a LCWR se tornar não canônica? Como estão as conversas sobre isso?
Novamente, isso é algo que não podemos responder sem consultas posteriores com os nossos membros. Mas a opção sempre existe. Mas também é muito importante para nós estarmos à mesa das conversas dentro da Igreja que achamos que precisam ocorrer. Mas, penso eu, nós também estamos interessadas em ver se é possível criar o clima de diálogo que permitirá que isso realmente aconteça.
Nesse clima de diálogo, como tem sido a conversa com o arcebispo Sartain até agora?
Bem você sabe, nós tivemos muito, muito pouco contato. Nós nos encontramos com ele oficialmente quando estávamos em Roma. Por coincidência, ele também estava lá para a sua visita ad limina. E nós tivemos uma conversa muito bonita para "nos conhecermos", e foi bem isso.
Se você tivesse o Papa Bento XVI na sua frente e pudesse dizer ou perguntar qualquer coisa a esse respeito, o que você falaria?
"Gostaríamos muito de sentar com você pessoalmente e falar sobre isso".
O que você diz para as irmãs que se aproximam da LCWR e dizem que não entendem ou que estão realmente magoadas com isso? Como você está respondendo aos sentimentos das pessoas?
Isso é fácil. Estamos todas feridas com isso. Eu não tenho certeza de que qualquer uma de nós compreenda. É uma conversa muito importante a se ter umas com as outras, para que possamos superar os fortes sentimentos sobre isso e ver qual é o tipo de resposta mais útil que podemos dar. Mas não são apenas as irmãs lá fora. É o conselho nacional, somos todas nós. Isso entristeceu profundamente as religiosas em todos os EUA.
Você mencionou há pouco a manifestação de apoio por pessoas que se reúnem em vigílias e em ocasiões semelhantes. O que você diria às pessoas que querem mostrar apoio às irmãs neste momento?
Eu acho que o que elas podem fazer e o que é mais eficaz é, de sua parte, de onde quer que elas estejam, entrar também no diálogo mais aberto e honesto possível que possam ter em sua Igreja local, com seus bispos locais e outras pessoas. O documento realmente pede uma renovação da LCWR, mas a nossa esperança é de que, para além disso e do diálogo amplo com os bispos e com leigos e leigas, possa vir alguma renovação para a Igreja dos EUA. E isso seria algo que nós todos temos que ajudar a criar juntos. Nós também queremos apenas expressar a nossa profunda gratidão às pessoas de todo o país e de todo o mundo que têm demonstrado esse apoio imensurável à LCWR.
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Escândalo e dor: a investigação das religiosas nos EUA. Entrevista com Pat Farrell - Instituto Humanitas Unisinos - IHU