Por: André | 29 Mai 2012
O estudo da organização dos direitos humanos, com sede em Londres, abarca desde as rebeliões de austeridade árabes do ano passado – e que continuam – até as manifestações contra os programas de austeridade na Europa.
A reportagem é de Marcelo Justo e está publicada no jornal argentino Página/12, 24-05-2012. A tradução é do Cepat.
Em meio à crise econômica e política no mundo árabe e da União Europeia, o relatório anual da Anistia Internacional criticou duramente os governos por sua falta de resposta às demandas sociais. “De Nova York e Moscou a Londres e Atenas, de Dacar e Kampala a La Paz e Cuernavaca, de Phnom Penh a Tóquio, a população tomou as ruas. Foi claro o contraste entre a coragem dos que exigem direitos e a incapacidade dos líderes para responder com medidas concretas”, assinalou o secretário-geral da Anistia Internacional Salil Shetty.
O relatório global 2012 da organização de direitos humanos com sede em Londres abarca desde as rebeliões que sacudiram o mundo árabe, a partir da imolação de um vendedor ambulante tunisiano no começo do ano passado, até as manifestações contra os programas de austeridade que sacodem o mundo desenvolvido. “A crise econômica colocou de manifesto uma ruptura do pacto social entre o governo e os cidadãos. No melhor dos casos, os governos se mostraram indiferentes. Muitas vezes, só se preocuparam em proteger os poderosos”, destacou Shetty.
No mundo árabe, esse pacto social era uma quimera que só começou a se colocar com o começo da rebelião. “A resposta dos governos à Primavera Árabe foi brutal e o Ocidente se preocupou mais em manter o status quo do que em promover a democracia, tudo agravado por uma retórica crescentemente xenófoba da União Europeia diante do considerável número de refugiados que começou a chegar do norte da África. Hoje, a Primavera Árabe está se convertendo em muitos aspectos num inverno”, assinalou ao Página/12 Javier Zuñiga, assessor do secretário-geral da Anistia Internacional.
O Egito é um caso paradigmático. Publicado no mesmo dia das eleições presidenciais nesse país, o relatório assinala que os ideais revolucionários estão em perigo. O Conselho Supremo das Forças Armadas, que assumiu o poder após a queda de Hosni Mubarack com a promessa de dirigir a transição, processou ou levou aos tribunais militares mais de 12.000 civis, muito mais do que nos 30 anos de governo de Mubarak. As mulheres, especialmente, foram muito maltratadas. Em março de 2011, as forças de segurança obrigaram um grupo de presas numa manifestação a se submeter a provas de virgindade. A Anistia Internacional destaca que um tribunal administrativo egípcio determinou que tais provas não tinham valor legal, mas quando a organização solicitou aos partidos políticos que se comprometessem a respeitar princípios básicos de direitos humanos, os dois partidos que obtiveram maioria dos votos nas eleições parlamentares se negaram a fazê-lo. O Partido da Liberdade e da Justiça, da Fraternidade Muçulmana, que obteve 235 cadeiras (47%), não respondeu ao pedido, e o partido salafista Al Nur, que ficou em segundo lugar com 121 cadeiras (24%), negou-se a promover os direitos das mulheres ou a abolição da pena de morte.
A Anistia Internacional é igualmente dura com os países desenvolvidos e sua resposta à crise econômica. Coerente com a extensão que fez do conceito de direitos humanos ao campo econômico e social em seu relatório de 2009, a Anistia critica “as políticas internas que levaram à persistente crise econômica e a uma grande tolerância com a desigualdade”. Os protestos na Europa e na América do Norte mostraram que “as pessoas perderam a fé nos governos que desdenham uma e outra vez da prestação de contas, da justiça e da promoção da igualdade”. Esta crescente deslegitimação teve um claro impacto político: desde o estouro da dívida soberana, 16 dos 27 países da União Europeia mudaram de governo.
Dada a profundidade da crise, a legitimidade dos novos governos não dura muito e costuma encurtar-se ainda mais com a repressão policial dos protestos. “Na Grécia, a polícia utilizou reiteradamente força excessiva e fez amplo uso de produtos químicos contra pessoas que protestavam pacificamente. Na Espanha, houve um uso excessivo da força para acabar com as manifestações por mudanças políticas, econômicas e de política social”, pontualiza o secretário-geral da Anistia Internacional.
Este “singular fracasso da liderança nacional e internacional” é também evidente, segundo o relatório, no crescente poder das multinacionais para driblar as regulações e obter benefícios às custas das comunidades locais. “Desde a Shell, no delta do Rio Níger, na Nigéria, até Vedenta Resources, em Orissa, na Índia, os governos não garantem que, no mínimo, os agentes empresariais respeitem os direitos humanos. Em muitos países, centenas de milhares de pessoais são desalojadas à força com a chegada das empresas de mineração e que querem as terras ricas em recursos naturais”, assinala o secretário-geral Salil Shetty. A Anistia saúda o papel das novas tecnologias na democratização, mas critica muitas de suas empresas. “Ficou demonstrado que empresas que aparentemente se dedicam à expressão e ao intercâmbio de opiniões (e se beneficiam disso), como o Facebook, Google, Microsoft, Twitter, Vodafone e Yahoo, estão colaborando com a comissão de violações dos direitos humanos”, assinala o secretário-geral.
Em nível regional, a Anistia Internacional destaca que a demanda por direitos humanos se fez ouvir em toda a região, em 2011: nos tribunais nacionais, no sistema interamericano e nas ruas. “Os pedidos de justiça realizados por cidadãos individuais, defensores e defensoras dos direitos humanos, organizações da sociedade civil e povos indígenas, continuaram ganhando força e muitas vezes levaram aqueles que as realizavam ao enfrentamento direto com poderosos interesses econômicos e políticos”, assinala Salil Shetty. Esta mobilização se dá em contextos políticos dramáticos como com as chacinas do narcotráfico no México (mais de 12.000 mortes no ano passado) ou o conflito na Colômbia. No caso do Brasil, o elevado índice de delinquência violenta e as práticas dos órgãos de segurança foram os pontos mais ressaltados pela Anistia, que assinalou que o atentado contra a juíza Patrícia Acioli mostra o alcance e a confiança com que as milícias operam. “A isto se soma a expulsão, muitas vezes violenta, de grupos indígenas de suas terras, tanto no Brasil como na Colômbia, Guatemala ou México. Um crescente problema na América Latina é que multinacionais ou grupos nacionais iniciam a exploração de petróleo, de minerais ou de florestas sem respeitar os direitos dos indígenas ou das comunidades que vivem no local”, assinalou Zuñiga a este jornal.
Segundo a Anistia, os governos têm uma oportunidade, em julho de 2012, para reverter esta situação e mostrar uma nova liderança quando se reúnem para fechar o texto definitivo do tratado para o comércio de armas. “Um tratado sólido impediria a transferência internacional de qualquer tipo de armas convencionais, inclusive as armas pequenas, as armas ligeiras, a munição e os componentes chaves, para países onde exista um risco provável de que sejam utilizadas para cometer violações graves do direito internacional humanitário e dos direitos humanos. Para conseguir isso, o tratado deverá exigir dos governos que realizem uma rigorosa avaliação dos riscos para os direitos humanos antes de conceder uma licença de exploração de armas”, assinalou Shetty. No relatório, a Anistia é cética. Em 2010, ao menos 70% do total de exportações de armas corresponderam a estes países: Estados Unidos (30%), Rússia (23%), França (8%), Reino Unido (4%) e China (3%).
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Anistia Internacional. Faltou dar respostas às demandas sociais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU