Por: Cesar Sanson | 29 Mai 2012
Em entrevista ao portal do MST, 28-05-2012, Marcelo Durão, representante da Via Campesina Brasil na Cúpula dos Povos, faz um panorama do que está em jogo na Rio+20 e destaca o papel da agricultura familiar como a solução para "esfriar o planeta". Para Marcelo Durão, não há grandes esperanças de que a Rio+20 consiga propor soluções reais para a crise ambiental que presenciamos hoje. Cético em relação a Conferência oficial, Durão afirma que o agronegócio sairá fortalecido da Rio+20, já que a cúpula propõe as chamadas “falsas soluções”, que vão apenas “dar uma roupagem verde ao capitalismo”.
Eis a entrevista.
O que a Via campesina espera da Rio+20?
Estamos com uma descrença na Conferência, pois os acordos que podem sair de lá vão ter um caráter bilateral entre os chefes de estados e as grandes corporações. Por mais que se esteja construindo um evento com uma cara ambiental, as questões principais que serão debatidas também passam pela esfera social, política e econômica, e essas esferas tem suas linhas políticas dadas em outros espaços de decisão, como o G20, Davos e as reuniões da OMC (Organização Mundial do Comércio), que de certa forma direcionam os acordos da Rio+20.
Outra leitura que fazemos é que os acordos da Conferência vão ter um caráter de liberalização dos acordos coletivos feitos na ECO-92, que faziam uma cobrança coletiva da preservação ambiental em relação aos chefes de estado do mundo. A ideia é que se flexibilize estes acordos para que cada país cuide agora do seu meio ambiente como lhe couber, construindo sua relação de preservação, de limites de desenvolvimento.
Ou seja, os acordos vêm no sentido de dar aos países essa liberdade para fazer esse controle político, ambiental e até mesmo econômico sobre a questão da natureza e do meio ambiente. Esses tratados e acordos coletivos que temos a nível global podem ser quebrados na Rio+20. Até porque em 20 anos, nunca se conseguiu que esses acordos fossem efetivamente cumpridos por todos os países.
Uma das críticas a Rio+20 é que ela está voltada para os interesses das corporações. Por que na construção dessa conferência se adotou este caráter?
A gente acredita que o que forçou isso foi a crise econômica de 2008. Órgãos internacionais, como a OMC, a FAO e o Banco Mundial lançaram estudos apontando a mudança do clima, e que deveríamos repensar nosso modo de viver. Só que ao invés de pensar essas questões concretas sob uma nova forma de desenvolvimento, repensando o modelo econômico e a velocidade de desenvolvimento, apresentou-se alternativas nas quais as corporações são a solução.
A nível global existe uma diferença entre o dinheiro real e o fictício, então há uma tentativa de aumentar os ganhos dessas grandes empresas, e o viés ambiental se torna uma fonte de renda, por meio de falsas soluções para o meio ambiente, como a Redução por Emissão de Desmatamento (RED), além de alternativas que só aumentam o acúmulo de capital e concentração da riqueza por parte dessas corporações. É pelo fato dessas organizações internacionais colocarem como solução da crise ambiental a saída pelo mercado que a sociedade civil está de fora da Rio+20.
A discussão sobre a preservação do meio ambiente ganhou mais força com a divulgação de estudos que apontaram o aquecimento global. Quais as propostas da Via Campesina para enfrentar o aquecimento global?
A Via Campesina vem dizendo a muito tempo: o que esfria o clima é a agricultura familiar. A relação que a agricultura familiar tem com a natureza, aliada à implantação do modelo de agroecologia e da Reforma Agrária são questões, não só no Brasil mas também fora dele, muito difíceis de serem aceitas pelos governos, por baterem de frente com a lógica e o modelo econômico hegemônico.
Mas essa pauta traz condições ambientais mais significativas no sentido da proteção ambiental, de outra relação com a natureza que não seja apenas mercadológica, além da diminuição da poluição, do desmatamento e o fim do uso de agrotóxicos. Nós acreditamos que a agricultura camponesa esfria o planeta, então deve se potencializar este modelo para sair da crise ambiental.
A Via Campesina denuncia que empresas transnacionais e o capital financeiro tem hegemonia sobre a agricultura. O que os movimentos sociais fazem para enfrentar isto?
O modelo econômico em que vivemos fortalece muito os grupos financeiros e as transnacionais. A produção agrícola é transformada em commoditie, e ela é trabalhada por dentro do sistema financeiro. O enfrentamento que estamos fazendo é contra esse modelo, então temos que pautar a luta contra o agronegócio, contra os agrotóxicos, construir e difundir a agroecologia como alternativa e mostrar, por meio de ações diretas para a sociedade, que esse modelo polui, degrada, afeta comunidades.
O Presidente da Bolívia, Evo Morales, declarou que “todos os países do mundo devem nacionalizar os seus recursos naturais”, pois o controle dos povos sobre a natureza é fundamental para erradicar a pobreza. O que os Estados precisam fazer para retomar o poder sobre seus recursos naturais?
O que a gente percebe é que a relação dos grupos financeiros com as transnacionais afeta a soberania dos povos e dos países na questão do território. Cada vez mais essas corporações têm força para fazer com que a soberania das nações, dos povos e dos estados sejam fragilizadas.
No Rio, por exemplo, o governo do estado está desapropriando a pequena agricultura na região norte do estado e está entregando a terra na mão da OGX, do Eike Batista. Esse poder é tanto que o estado age a serviço dessas grandes corporações. Há uma necessidade dos estados e de nós como movimento pressionar para que essa soberania se fortaleça.
Haverá alguma discussão sobre as sementes terminator (que não se reproduzem) na Rio+20? Qual a posição da Via Campesina em relação ao tema?
A proposta da Via é que se mantenha o embargo, porque o embargo foi importante no mundo inteiro para que essa tecnologia não progrida. Esse debate está rondando de novo, com alguns atores brasileiros se movimentando para acabar com o embargo. A Via se posiciona novamente para que se mantenha o embargo em relação às terminator e às sementes transgênicas. Não sei se esse tema aparecerá concretamente na Rio+20, mas existe essa movimentação do agronegócio.
A Via Campesina denuncia o avanço predatório do agronegócio, com seu pacote tecnológico de sementes e agrotóxicos. Essa questão será debatida na Rio+20?
O modelo do agronegócio vai sair fortalecido na Rio+20. Os debates da conferência têm a intenção de fortalecer este modelo econômico para o campo. Todas essas articulações, como mecanismos de desenvolvimento limpos e a questão da economia verde serão fortalecidas na Rio+20, o que vai afetar a soberania dos povos e das nações, pois se almeja apenas uma manutenção do capitalismo, e não questionar seu funcionamento.
As políticas que vão ser debatidas para o campo na Rio+20 fortalecem o agronegócio e enfraquecem os posicionamentos dos povos tradicionais. A disputa principal que vai se dar é pelo controle dos territórios, entendendo “território” como tudo: terra, água, minérios, florestas, o povo, a capacidade de produzir alimentos.
A Rio+20 espera criar um novo paradigma de desenvolvimento, por meio da “economia verde”. Como a Via Campesina vê esse conceito?
Na verdade, não existe um novo modelo: é o mau e velho capitalismo, travestido de verde. Para nós, a economia verde é uma falácia, porque não existe para nós capitalismo verde. O que se apresenta são falsas soluções de mercado para a crise ambiental, e essas falsas soluções vão potencializar os lucros das grandes corporações, empresas e bancos. O que a Via debate é que essa história de economia verde nunca existiu, e ela vem com essa roupagem para ser melhor aceita na sociedade, mas é o mesmo sistema, agora se reconfigurando e indo para cima da sociedade e dos povos tradicionais. Esses mecanismos que estão sendo construídos servem apenas para aumentar a acumulação de capital.
Qual a proposta de desenvolvimento da Via Campesina?
Nossa proposta é ter a presença massiva dos povos nas decisões econômicas e na própria construção da economia, o que é muito difícil no período atual. Há também a necessidade de ter outros parâmetros além do PIB (Produto Interno Bruto), que é puramente econômico, para pautar o crescimento das sociedades. Enquanto estivermos pautados apenas no ganho de dinheiro como forma de desenvolvimento social, a gente está com uma proposta ruim.
Não é possível avaliar o desenvolvimento de uma comunidade sem levar em conta habitação, Reforma Agrária, produção de alimentos saudáveis, escolaridade, saúde, saneamento, mas hoje isso tudo não é levado em conta. Avaliar uma sociedade pelo PIB é impreciso, pois muitos podem ganhar pouco e poucos podem ganhar muito, e na média, que é o PIB, se mascara a realidade social. Então devemos pensar nos modelos de desenvolvimento que temos e pautar o desenvolvimento principalmente pelas condições sociais.
Por que se criou a Cúpula dos Povos?
A cúpula dos povos surgiu quando organizações da sociedade civil, como ONGs e movimentos sociais, perceberam a dificuldade de ter um debate na Rio+20 que abordasse um viés mais social para as crises que vivemos hoje. É importante que esses grupos tenham voz e sejam capazes de dar visibilidade às alternativas concretas que os povos vem fazendo em contrapartida ao que acontece com o processo oficial da Rio+20, dos acordos que destroem soberania e das soluções falsas. A Cúpula surge para mostrar ao mundo que existem soluções alternativas, que vem dos povos, para as crises que encontramos hoje, debatendo um desenvolvimento igualitário.
Quais os resultados que a Via Campesina espera da Cúpula?
Para nós, o principal resultado da Cúpula é que consigamos nos fortalecer nela. A Cúpula não inicia os debates e nem termina eles; o principal é que os movimentos se fortalecem e se unifiquem para lutar contra a nova ofensiva do capitalismo.
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“O modelo do agronegócio vai sair fortalecido na Rio+20”, afirma representante da Via Campesina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU