15 Mai 2012
"O Código Florestal agora aprovado pela Câmara dos Deputados, do qual resultará a previsível degradação ambiental em larga escala e a óbvia superação da tutela ambiental pela prevalência inconstitucional dos princípios da livre-iniciativa, dando prioridade ao chamado agronegócio. Todo o processo legislativo foi permeado pelo enfrentamento desses interesses, não necessariamente antagônicos, e prevaleceram tristemente os interesses econômicos", assevera Márcio Fernando Elias Rosa, Procurador-Geral de Justiça de São Paulo, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 15-05-2012.
Segundo ele, "ao contrário da tão almejada segurança jurídica, o projeto final aprovado põe em risco a sociedade brasileira, que tem garantido constitucionalmente o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. O texto aprovado passa ao largo do equilíbrio constitucionalmente exigido e, como consequência, da sua implantação só decorrerá degradação ambiental ainda mais expressiva".
Para o Procurador-Geral de Justiça, "o veto parcial dos pontos modificados pela Câmara não trará de volta esse equilíbrio. Trará é mais insegurança jurídica. Para a correção absoluta do intento predatório será necessário o veto total e que a nova discussão tenha início a partir da perspectiva de que meio ambiente e exploração agrícola não são antagônicos, mas interdependentes".
Eis o artigo.
Decorre da Constituição de 1988 a certeza de que a ordem econômica é fundada, de um lado, na livre-iniciativa - típica do modelo capitalista de produção -, mas, de outro, em princípios e valores claramente socializadores, como a valorização do trabalho humano, a função social da propriedade, a redução das desigualdades regionais e sociais, a busca do pleno emprego e a defesa do meio ambiente, tudo para assegurar a todos existência digna. É o que decorre claro do artigo 170 da Constituição republicana de 1988.
Em meio a isso se debate o Código Florestal agora aprovado pela Câmara dos Deputados, do qual resultará a previsível degradação ambiental em larga escala e a óbvia superação da tutela ambiental pela prevalência inconstitucional dos princípios da livre-iniciativa, dando prioridade ao chamado agronegócio. Todo o processo legislativo foi permeado pelo enfrentamento desses interesses, não necessariamente antagônicos, e prevaleceram tristemente os interesses econômicos.
Sob o argumento da necessidade de ampliação da fronteira agrícola e de obtenção de segurança jurídica, dizem ser primordial a alteração da atual legislação ambiental, com vista à flexibilização e à imposição de retrocessos e anistias. A ciência, tentando ser ouvida e lutando para contribuir na discussão, apontou as perdas, os retrocessos e as consequências danosas das propostas: a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e a Academia Brasileira de Ciências se manifestaram, em diversas ocasiões, no sentido de que as alterações aprovadas se deram sem nenhum fundamento científico e atentam contra a qualidade ambiental, sendo prejudiciais a todos os brasileiros. Nessa linha, também se tem posicionado o Ministério Público.
O Brasil assistiu, em 25 de abril, à comemoração da bancada ruralista, em todos os meios de comunicação, pois as alterações aprovadas mais convergem para o econômico do que para o social. Desde o início do processo legislativo, ainda no Senado, denuncia-se o retrocesso ambiental causado pelas alterações pretendidas, dentre elas:
1) dispensa de reserva legal para os imóveis de até quatro módulos fiscais;
2) sobreposição das áreas de preservação permanente com as áreas de reserva legal;
3) diminuição das áreas de preservação permanente em decorrência da mudança de conceitos importantes e já consolidados (como, por exemplo, a medição das faixas marginais de cursos d'água a partir da calha regular, e não do nível mais alto, impondo prejuízos imensuráveis às várzeas; diminuição ou quase extinção nos topos de morros, montanhas e serras; proteção das nascentes apenas perenes; redução das áreas de proteção permanente dos reservatórios artificiais; o tratamento excludente de apicuns e salgados em benefício da carcinicultura);
4) e anistia aos desmatamentos e às ilegais intervenções ocorridas até 22 de julho de 2008 - apenas para citar alguns pontos. O projeto aprovado pela Câmara conseguiu ir além: removeu a proteção das áreas de preservação permanente de veredas; desfigurou a proteção das áreas urbanas, já tão fragilizadas; flexibilizou, ainda mais, a reparação das áreas de preservação permanente. E retrocedeu em pontos tidos como importantes, como o Cadastro Rural.
Tudo isso quando o contexto mundial é de recrudescimento contra o desmatamento, com foco nas mudanças climáticas; quando a terceira edição do Panorama da Biodiversidade Global (GBO-3), produzido pela Convenção sobre Diversidade Biológica, confirma que o mundo não atingiu a meta que se propôs de alcançar uma redução significativa da taxa de perda da biodiversidade; quando a ONU calcula que a perda anual de florestas custa entre US$ 2 trilhões e US$ 5 trilhões, número muito maior que os prejuízos causados pela recente crise econômica mundial. E quando estamos às vésperas da Rio+20 e deveríamos estimular a preservação, não o retrocesso ambiental.
Ao contrário da tão almejada segurança jurídica, o projeto final aprovado põe em risco a sociedade brasileira, que tem garantido constitucionalmente o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. O texto aprovado passa ao largo do equilíbrio constitucionalmente exigido e, como consequência, da sua implantação só decorrerá degradação ambiental ainda mais expressiva.
veto parcial dos pontos modificados pela Câmara não trará de volta esse equilíbrio. Trará é mais insegurança jurídica. Para a correção absoluta do intento predatório será necessário o veto total e que a nova discussão tenha início a partir da perspectiva de que meio ambiente e exploração agrícola não são antagônicos, mas interdependentes.
O texto aprovado afronta o sistema constitucional ao contrariar diretamente o disposto no artigo 225 e seguintes, da Constituição. O Estado brasileiro não assegurará o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado se ausente o real intento de preservá-lo e defendê-lo. A proposta, ao contrário, estabelece instrumentos de perpetuação de danos e degradação, apresentando-se claramente inconstitucional.
O meio ambiente ecologicamente equilibrado deve ser a base da agricultura sustentável e de toda atividade produtiva. Qualquer alteração que se pretenda fazer deve ter como foco a sociedade como um todo, e não setores específicos dela. Nenhuma se sobrepõe aos direitos fundamentais. Até porque, como se sabe, a tutela ambiental tem natureza de direito fundamental e constitui o epicentro do direito à vida. A Constituição democrática pressupõe que o Poder Executivo promova o controle preventivo de constitucionalidade dos projetos de lei, vetando-os. Não se trata de ação política, mas de exigência jurídica para a preservação do próprio sistema constitucional. A degradação não será apenas ambiental, será também jurídica se o veto deixar de ser promovido.
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Veto à degradação ambiental - Instituto Humanitas Unisinos - IHU