Por: Cesar Sanson | 15 Mai 2012
Segundo as pesquisas cerca de 60% dos eleitores alemães se mostram satisfeitos com a liderança “austera” de Angela Merkel na Europa. Ela é apontada como a política mais popular da Alemanha nos últimos tempos. Entretanto, no domingo passado seu partido, a União Democrata Cristã, amargou mais uma pesada derrota em eleição regional no estado de Schlewig-Holstein. Neste domingo, nova derrota em Nordrhein-Westfalen, o mais populoso e urbanizado da Alemanha. Enquanto isso, a Der Spiegel destaca na manchete: "Por que a Grécia deve abandonar o euro".
O comentário é de Flávio Aguiar em artigo publicado por Carta Maior, 14-05-2012.
Eis o artigo.
Que me desculpem os puristas, mas a expressão popular do título descreve melhor a situação do que o castiço “há algo...”. Porque tem algo muito errado por aqui. Algo fora do lugar. Algo que não está batendo.
Vejam só: segundo as pesquisas (e até agora não há motivos para desconfiar delas), uma grande maioria (60% pelo menos) dos eleitores alemães se mostram satisfeitos com a liderança “austera” de Angela Merkel na Europa. Ela é apontada como a política mais popular da Alemanha nos últimos tempos.
Entretanto, no domingo passado seu partido, a União Democrata Cristã amargou mais uma pesada derrota em eleição regional, a segunda em uma semana. No dia 6, enquanto François Hollande era eleito na França e a eleição grega desenhava o impasse no país e de novo na zona do euro, o partido de Merkel perdeu o estado de Schlewig-Holstein, o situado mais ao norte, na fronteira com a Dinamarca. Este é um estado predominantemente rural, e há muito tempo era governado pela CDU de Merkel.
Agora, no dia 13, foi a vez do diametralmente oposto Nordrhein-Westfalen, o mais populoso e urbanizado da Alemanha. São 18 milhões de habitantes. É uma região tradicionalmente industrializada, sede-matriz das indústrias Krupp. Ela abriga a 4ª. maior conurbação da Europa, a do chamado “Ruhrgebiet”, depois das de Londres, Paris e Moscou. Com mais de sete milhões de habitantes, ela abriga cidades como Bochum, Duisburg, Mülheim, Dortmund, Hagen, Essen, entre outras. É a única grande conurbação européia que não tem uma capital como centro. Aliás, não tem centro, propriamente. Fazem parte do estado cidades como Düsseldorf e Wuppertal (terra natal de Engels). Foi uma das únicas regiões onde, durante anos, os trabalhadores enfrentaram, armados, os Freikorps, berço das organizações nazistas SA e SS, e até o exército alemão.
Pois agora aparece no noticiário: essa região está em processo de grave desindustrialização, com desemprego em alta. Faltam investimentos públicos em várias áreas, inclusive na área cultural, considerada estratégica: Bochum, recentemente, foi uma das capitais culturais da Europa. Claro que isso se refletiu na votação de domingo. A CDU afundou, com 26,3% dos votos, seu pior resultado desde 1949. O SPD, com 39,1% e o Partido Verde, com 11,3%, devem formar o novo governo. Pergunta-se: onde está o “milagre alemão”? No estado, aparece apenas, parece, a face feia desse “milagre”, distribuído no país de maneira dramaticamente desigual.
Mas há mais: o FDP, partido do liberalismo econômico, que parecia condenado a desaparecer nas próprias cinzas, renasce delas: obteve inesperados 8,6% dos votos, aparentemente, segundo vários comentaristas, subtraídos em boa parte da própria aliada CDU. O que está havendo? Ainda não se sabe, esta é a verdade.
Do outro lado do espectro ideológico, também há mudanças importantes. A Linke, também pela segunda vez, foi expelida de um parlamento por não atingir a cláusula de barreira. Ficou com apenas 2,5% dos votos (a cláusula exige 5%). Em compensação, pela quarta vez o surpreendente Partido Pirata conseguiu eleger parlamentares para uma câmara onde tinha zero: ficou com 7,8% dos votos e 20 cadeiras. Aparentemente (de novo essa palavra é necessária) os piratas, que já roubaram votos dos verdes, estão agora roubando votos da Linke.
O que isso significa? Ninguém sabe ainda. Porque, na verdade, ninguém sabe o que fazer com os piratas. Às vezes nem eles mesmos. Há algumas semanas um dos candidatos a líder do PP deu uma declaração escapachante: disse que o crescimento rápido do seu partido só tinha paralelo no do Partido Nazista nas décadas de 20 e 30. O Partido quase explodiu, e o candidato a líder teve de recolher as velas e ir remar em outra maresia.
Por seu turno, diante de movimentos grevistas dos metalúrgicos (IG Metall), que exigem 6,5% de reajuste salarial contra 3% , subdividos em 14 meses, que os patrões oferecem, pela primeira vez o Ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, admitiu publicamente que talvez se deva rever a política de congelamento salarial (na prática) que foi um dos pilares desse propalado “milagre alemão”. O índice reivindicado pelos metalúrgicos equivaleria a aumento real de 3% nos atuais salários, diante de uma inflação avaliada entre 2 e 2,7%, por diferentes fontes. Schäuble reconheceu que um reajuste de salários poderia incentivar o consumo (que reportagem do Financial Times chamou de “anêmico”) no país, favorecendo uma recuperação econômica da Europa como um todo.
É com essa Alemanha algo confusa e de números e cifras discrepantes, mas solidamente ancorada no seu sistema bancário e financeiro, a tal ponto que não se sabe quem é dono de quem, que Angela Merkel vai se reunir com François Hollande na 4ª. Feira, depois da posse deste, no Champs Elysées, na 3ª.
Hollande vem duplamente embalado: pela vitória do dia 6 e por pesquisas que dão 46% dos votos para a esquerda (Socialistas e a Frente de Esquerda que apoiou Mélénchon).
Merkel não vai embalada, mas embrulhada por essa sala da de números colidentes.
Enquanto isso, a partir de Atenas e do impasse político grego, a zona do Euro entra de novo em frenesi. A manchete da revista Der Spiegel dessa semana diz: “Akropolis, adieu! Warum Griechenland jetzt den Euro verlassen muss” (Por que a Grécia agora deve abandonar o euro)”.
Sinal dos tempos. E da confusão.
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