14 Mai 2012
O cientista político e historiador Luiz Felipe de Alencastro faz uma análise da vitória de François Hollande, eleito presidente da França em 6/5, e comenta suas implicações futuras, como as eleições legislativas, em junho, as demandas do eleitorado ultranacionalista e a condução da relação franco-alemã no âmbito europeu.
O artigo foi publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, 14-05-2012.
Eis o artigo.
A eleição de François Hollande abre novas perspectivas políticas na França, pode aplacar a crise na zona do euro e, quiçá, oferece nova dimensão à social-democracia europeia. Para tanto, Hollande terá que vencer vários desafios.
O primeiro concerne as eleições de 10 e 17/6, para a Assembleia Nacional. Se os socialistas perdem, o programa governamental do novo presidente emperra, os juros dos títulos da dívida pública francesa disparam e a União Europeia (UE) se enterra mais ainda. Boa parte da calma com que a eleição de Hollande foi acolhida na Europa explica-se por um motivo bastante simples: a parada política ainda não está decidida na França.
Como é sabido, o sistema multipartidário francês tem duas particularidades. A primeira é o semipresidencialismo. O presidente eleito pelo sufrágio universal é o chefe de Estado. Quem forma e dirige o governo é o primeiro-ministro, representante da maioria parlamentar.
Se há oposição entre a maioria presidencial e a parlamentar - no jargão político francês, "coabitação" -, o governo do país fica mais complicado. Daí a importância do equacionamento da segunda particularidade francesa, as legislativas em dois turnos.
No primeiro turno é eleito o candidato com a maioria absoluta dos votos válidos do distrito eleitoral. Se isso não ocorrer, realiza-se o segundo turno, no qual pode haver três ou quatro concorrentes a uma cadeira. Aí muda o jogo e os partidos fazem acordos de desistência para vencer os adversários do outro quadrante ideológico.
Considere-se o acordo entre o Partido Socialista e o Partido Verde, já registrado em papel firmado. Se, em determinado distrito, um socialista estiver mais bem posicionado para derrotar a direita no segundo turno, o eventual ecologista retira sua candidatura e apoia o socialista. Num distrito favorável ao verde, será a vez de o socialista retirar a candidatura.
FRENTE NACIONAL
A direita segue a mesma lógica, com os gaullistas da União por um Movimento Popular (UMP) aliando-se geralmente aos centristas e aos democratas-cristãos. Porém, o crescimento eleitoral da extrema direita, da Frente Nacional (FN), embaralhou ainda mais as cartas no campo conservador.
Nicolas Sarkozy ganhou no segundo turno em 2007 atraindo, sem aliança partidária, eleitores que no primeiro turno votaram no candidato da FN, Jean-Marie Le Pen. Na campanha recente, a tática não deu certo.
De saída, Sarkozy, bem como outros governantes europeus derrotados nos últimos anos, sofreu um intenso desgaste com o acirramento da crise econômica. Contudo, seu fracasso decorre também de outro motivo: a nova estratégia da Frente Nacional.
Ao contrário de seu pai, Jean-Marie Le Pen, um ideólogo vociferante, obcecado pela Alemanha nazista, Marine Le Pen, atual dirigente da FN, aparece como uma política mais aceitável e sobretudo mais habilidosa.
Desde o começo da campanha, deixou claro que seu objetivo principal se situa no "terceiro turno": eleger o maior número possível de deputados pela chapa da FN.
No seu ponto vista, setores dissidentes da UMP poderiam fazer aliança com a FN nas eleições de junho. Se eleger um mínimo de 20 deputados entre os 577 membros da nova Assembleia, a FN poderá se constituir como grupo parlamentar autônomo, ganhando bastante peso político.
Seguindo o princípio definido por Charles de Gaulle (1890-1970) e reafirmado por Jacques Chirac nos anos 1980, os gaullistas excluem alianças com a extrema direita em todas as instâncias eleitorais.
Tal é a razão que bloqueou até agora a eleição de deputados da FN -apesar do número elevado de votos nas eleições presidenciais, o partido não tem nenhuma cadeira na Assembleia Nacional.
Sarkozy, porém, aproximou-se das teses da FN, questionando a abertura das fronteiras entre os países da UE e insistindo na alegada correlação entre imigração e criminalidade. Ao levantar as ambiguidades da campanha sarkozysta, a UMP reiterou seu veto à aliança com a FN.
Segundo o secretário-geral da UMP, Jean-François Copé, "não haverá aliança eleitoral nem negociação com os dirigentes da Frente Nacional". A declaração mostra que os gaullistas e os conservadores mais moderados se impuseram à direção da UMP. Tal evolução fez baixar as tensões políticas.
Além disso, há uma tradição republicana que facilita a tarefa de Hollande: sempre que um novo presidente é eleito, os franceses elegem uma maioria de deputados da mesma tendência política.
Uma pesquisa recente indica que 61% dos franceses preferem que mais deputados eleitos em junho proporcionem uma maioria favorável a Hollande, entendendo que ele deve dispor de meios políticos e institucionais para governar.
Alemanha
Qual será então a política de Hollande? Aqui se situa o segundo problema do presidente eleito: como gerir a França e as relações franco-alemãs?
Na verdade, a imbricação da vida política dos dois países é constante desde a reconciliação pilotada por De Gaulle e Konrad Adenauer (1876-1967) em 1963.
Depois da reunificação alemã (1990) e da ampliação da UE, com a inclusão de países da Europa Oriental historicamente ligados a Berlim, em 2003-04, os governos alemães, reforçados pelo dinamismo econômico do país, ganharam uma dimensão hegemônica na Europa. Mas Berlim e Paris conhecem sua mútua dependência.
Numa declaração à imprensa francesa, Frank Baasner, diretor do Instituto Franco-Alemão de Ludwigsburg (no Estado de Bade-Wurtemberg), afirma que o interesse pelas eleições francesas nunca foi tão grande e que, na Alemanha, "todo mundo compreende que a crise do euro está longe de ter terminado e que é crucial manter um bom entendimento entre os dirigentes franceses e alemães".
Do lado francês, o nome mais citado para o cargo de primeiro-ministro é Jean-Marc Ayrault, líder da bancada socialista na Assembleia. Quando elenca suas qualificações, a imprensa francesa sempre menciona sua experiência parlamentar, mas também o fato de que Ayrault - formado em estudos germânicos - é "germanófono e germanófilo", atributos que facilitarão as relações entre Paris e Berlim.
Falar alemão e conhecer bem a Alemanha aparece, de fato, como um trunfo valioso nas biografias de outros possíveis membros do alto escalão do governo francês.
Resta que Hollande fez uma dupla campanha eleitoral: contra a direita francesa e contra "Merkozy", o nome que resume a política conservadora que Merkel e Sarkozy impuseram à zona do euro. Saudando a vitória de Hollande, o jornal espanhol "El País" abriu o seu editorial com o título "Crescimento já!".
Boa parte da opinião pública espanhola e de outros países estagnados e falidos da zona euro esperam que Hollande dobre a intransigência financeira e fiscal de Merkel - que notadamente bloqueia a emissão de "eurobonds", títulos bancados pelo Produto Interno Bruto da totalidade da zona do euro- e ajude a relançar a economia da zona do euro.
Como os socialistas franceses, o partido social-democrata alemão (SPD) é favorável aos "eurobonds", considerados essenciais para tirar a Europa da crise.
Hollande toma posse em Paris nesta terça-feira, e na mesma tarde viaja até Berlim para encontrar-se com a chefe do governo alemão.
Além da legitimidade granjeada na eleição e do apoio de parte da opinião pública europeia, o novo presidente conta com outros trunfos nas negociações com Merkel.
O principal é que a própria sociedade alemã começa a protestar contra o arrocho conservador. Já faz quase uma década que os salários estão estagnados no país e os movimentos sociais reagem.
O robusto sindicato IG Metall iniciou greves e paralisações para obter aumentos salariais para os 3,6 milhões de metalúrgicos. Alguns movimentos grevistas já se concluíram com sucesso, outros estão sendo preparados.
Negocia-se também a criação de um salário mínimo, que, explica o jornal "Le Monde", constitui uma reforma social importante num país onde um quarto dos assalariados ganham salários considerados baixos, que representam apenas dois terços do salário médio alemão (em valor bruto, 13,60 euros por hora, ou R$ 34,48).
Embora o mandato de Merkel vá até setembro de 2013, a coalizão de partidos que apoia seu governo tem sofrido derrotas regionais nos Landers alemães. Como tantas vezes na história europeia, os socialistas e os social-democratas franceses e alemães estão, mais uma vez, no centro das atenções.
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Desafios de Hollande - Instituto Humanitas Unisinos - IHU