04 Mai 2012
Durante muito tempo, era o Opus Dei e, depois, antes mesmo dos escândalos sexuais em massa que explodiram em torno do seu fundador, eram os Legionários de Cristo. Hoje, ao menos na Itália, agora parece ser a vez de o Comunhão e Libertação ser o grupo católico conservador que gera a maior controvérsia, as manchetes mais atrativas e o maior volume de teorias conspiratórias.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio do jornal National Catholic Reporter, 02-04-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Essa provavelmente é uma fonte especial de mal-estar para o Papa Bento XVI, para quem o Comunhão e Libertação sempre foi o seu favorito entre os novos movimentos na Igreja Católica.
Esse também é um caso colossal de maus tempos, já que a causa de beatificação do fundador do grupo, o falecido padre italiano Luigi Giussani (foto), foi recentemente aberta e aprovada pelos bispos da Lombardia, a região onde a causa tem sua sede.
Quer um resumo de como os holofotes têm sido quentes?
O cardeal Angelo Scola, de Milão, amplamente visto como o principal candidato para ser o próximo papa e alguém que possui um histórico de relação com o Comunhão e Libertação, obviamente se sente compelido agora a se distanciar. Scola disse a um grupo de jornalistas no dia 26 de abril: "O que eu sei sobre o Comunhão e Libertação? Eu lido com a Igreja de Deus. Se você quiser saber algo sobre o Comunhão e Libertação, vá perguntar a eles".
Outro sinal dos tempos é que o sucessor de Giussani, o padre espanhol Julián Carrón, recentemente escreveu uma carta a um jornal italiano confessando a "grande humilhação" do grupo, admitindo que, se tantas pessoas veem o grupo em termos de dinheiro e de poder, "algum pretexto devemos ter dado", e desculpou-se pela "superficialidade" com que alguns membros do grupo viveram a inspiração de Giussani.
Na verdade, essa não é a primeira vez que o Comunhão e Libertação está no centro de uma tempestade midiática. Em meados dos anos 1970, houve uma breve agitação de especulações de que o movimento era, na realidade, uma fonte da CIA. A diferença hoje é que a causa subjacente da tempestade não são rumores, mas sim graves acusações judiciais contra alguns dos membros mais proeminentes do grupo.
Para um movimento que há muito tempo se orgulhava de seus laços estreitos com a cena política italiana, talvez fosse inevitável que uma conta como essa, um dia, iria chegar.
Suborno e corrupção
Roberto Formigoni, o aderente de mais alto perfil do Comunhão e Libertação na política italiana, encontra-se agora envolvido em um grande escândalo de corrupção. O antigo governador da região da Lombardia está no centro de uma investigação judicial de suborno na concessão de contratos públicos de saúde. Ele também enfrenta acusações de ligações suspeitas com um empresário obscuro que está agora na cadeia por acusações de corrupção e de uso de fundos públicos para pagar férias privadas.
Formigoni é membro do Memores Domini, um órgão de leigos consagrados comprometidos com o celibato vitalício, que faz parte do movimento Comunhão e Libertação. Quatro membros mulheres do Memores Domini compõem a equipe que cuida da casa papal de Bento XVI.
Outro membro veterano do Comunhão e Libertação, Antonio Simone, já foi preso e acusado de fazer parte de um esquema para fraudar nada menos do que 74 milhões dólares de um instituto de saúde italiano muito conhecido. Segundo a imprensa, a piedade católica pessoal de Simone beira a lenda: aparentemente, durante a década de 1990, quando ele ocupou um cargo público como assessor na Lombardia, ele convocava a sua equipe para uma oração matinal antes de começar o dia de trabalho.
Ao anunciar essas notícias bombásticas, um jornal italiano publicou recentemente uma reportagem sobre todas as várias autoridades públicas e magnatas na Lombardia com ligações com o Comunhão e Libertação, sob o título provocativo de Comunione a Molto Poltrone, ou seja, "Comunhão com muitas poltronas" de poder. Dentre outras coisas, o artigo sugere que as empresas vinculadas ao Comunhão e Libertação controlam ativos em excesso de quase 100 bilhões de dólares, que representam 5% do PIB da Itália.
Assim como o Opus Dei e outros movimentos católicos já fizeram antes, o Comunhão e Libertação tentou explicar que o simples fato de que um homem de negócios pertença ao grupo não significa que o grupo controle os seus negócios, e menos ainda que detenha os ativos desses negócios. Tal nuance, no entanto, se perdeu em grande parte no clima presente.
Primeiramente, porta-vozes do Comunhão e Libertação vestiram o manto de mártires, queixando-se de um "linchamento midiático" que está assumindo "o rosto de um Calvário que nós não merecemos".
A carta de Carrón do dia 1º de maio indica uma espécie de mudança de tática, ou ao menos de tom. Ao invés de reclamar de um tratamento injusto, Carrón pediu desculpas pelo fracasso de alguns membros em seguir o exemplo de Giussani – embora acrescente: "Caberá aos juízes determinar se alguns erros cometidos por alguns também constituem crimes".
Resta saber se essa abordagem mais suave e mais branda será suficiente para apagar o fogo. Um teste inicial parece ser se a causa da canonização do Pe. Giussani irá avançar rapidamente, ou se será posta em segundo plano enquanto se desdobram os escândalos atuais.
Histórico
O Comunhão e Libertação foi fundado na Itália nos anos 1950 como um fruto do ensino e da pastoral juvenil de Giussani. Hoje, ele é um movimento internacional presente em cerca de 80 países em todo o mundo, incluindo uma pequena pegada nos Estados Unidos, onde o seu expoente mais conhecido é o Mons. Lorenzo Albacete.
Dentre as ideias centrais do Comunhão e Libertação está o encontro com Cristo como uma "experiência", que transforma toda a vida da pessoa. Como resultado, o grupo rejeita fortemente quaisquer esforços para definir o cristianismo puramente como um assunto privado, sem consequências sociais.
O Comunhão e Libertação promove um enorme encontro anual na cidade costeira italiana de Rimini, que geralmente é visto na Itália como o pontapé informal para a temporada política anual depois das férias de verão, por causa de sua lista de convidados estelares, que contempla pesos pesados políticos e jornalísticos. O encontro geralmente reúne cerca de 700 mil pessoas e é visto por muitos observadores como um corte transversal da sociedade civil católica.
Ao longo dos anos, o Comunhão e Libertação foi visto às vezes como uma alternativa de direita ao ethos mais progressista de outros setores da Igreja italiana, especialmente na vasta arquidiocese de Milão entre os anos 1980 e 2002 sob o cardeal Carlo Maria Martini, um herói da ala mais liberal da Igreja.
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Comunhão e Libertação: novo escândalo de suborno e corrupção - Instituto Humanitas Unisinos - IHU