03 Mai 2012
O cardeal Christoph Schönborn (foto) já é um veterano no tratamento das crises da Igreja austríaca. Nomeado arcebispo de Viena em 1995 (aos 50 anos de idade), depois que o falecido cardeal Hans Hermann Groër teve que renunciar após ter sido acusado de abusar sexualmente de um menor, Schönborn teve que lidar com demandas constantes de reforma da Igreja desde então – demandas que se tornaram agora uma questão perene e que frequentemente chegam às manchetes mundiais.
A análise é de Christa Pongratz-Lippitt, em artigo publicado no sítio do jornal National Catholic Reporter, 30-04-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
E, embora ele não guarde segredo do fato de ser um conservador de coração e um defensor intransigente do celibato sacerdotal obrigatório e da encíclica Humanae Vitae do Papa Paulo VI, por exemplo, ele muitas vezes surpreendeu os católicos austríacos e outros pela forma corajosa com que abordou dilemas aparentemente insolúveis. Aliás, ele nunca hesitou em criticar o Vaticano quando, a seu ver, ele falhava ou compartilhava a culpa pelas crises da Igreja austríaca.
Em sua homilia na Missa Crismal, no dia 2 de abril, Segunda-Feira Santa, ele ofereceu a sua própria "solução de Jesus" sobre como os padres podem lidar com três das situações mais problemáticas perante eles em seu trabalho pastoral hoje:
"Nós, padres, geralmente nos rendemos quando somos confrontados com a total incompreensão com relação ao que a Igreja ensina sobre o casamento e a abstinência, a proliferação e a indissolubilidade. Há apenas um caminho, o caminho que os seus discípulos aprenderam: conhecer melhor o próprio Jesus, crescer na sua amizade", disse Schönborn aos seus sacerdotes. Os padres deveriam aprender a andar na corda bamba entre o direito canônico e a verdadeira compaixão como Jesus a praticou, perguntando-se o que Jesus faria em cada situação problemática e, então, seguir os seus passos, disse o cardeal.
O sermão chamou muita atenção, especialmente na Áustria, onde as exigências pela reforma da Igreja pelos agora 400 fortes membros da Iniciativa dos Párocos Austríacos, fundada em 2006, culminou com um Apelo à desobediência, de junho do ano passado. No padre Helmut Schüller, o fundador da iniciativa, Schönborn encontrou o seu oponente. Ex-vigário-geral de Schönborn e, antes disso, diretor da Cáritas Áustria, Schüller é um padre muito conhecido e carismático, e uma personalidade midiática na Áustria. E, além disso, várias das reformas que a Iniciativa pede, como dar a Comunhão a católicos divorciados em segunda união e a católicos que foram excomungados por não pagar o imposto eclesiástico obrigatório, são amplamente praticadas, apesar do fato de desobedecerem a lei da Igreja.
Embora deixando bem claro que ele não poderia permitir que um "apelo à desobediência" se sustente – já que "todo aquele que renuncia ao princípio de obediência rompe a unidade da Igreja" –, Schönborn deu aos padres dissidentes um tempo para refletir e disse esperar uma "solução amigável".
Mas a Iniciativa continuou mantendo a sua posição. "Desobedecer certas regras e leis da Igreja válidas e estritas faz parte há anos da nossa vida e do nosso trabalho como padres", disse Schüller à imprensa. Os sacerdotes estavam plenamente conscientes de que a palavra "desobediência" era provocativa, mas "não nos referimos à desobediência geral por gosto da contradição, mas sim uma obediência gradual, que devemos primeiro a Deus, depois à nossa consciência e, em última instância, à lei da Igreja", explicou. "Nós, padres da base da Igreja, temos que levar uma vida dupla, já que temos que lidar com os problemas que a linha oficial da Igreja proíbe e, a longo prazo, isso está nos esgotando". A palavra "desobediência" não era um "grito de batalha", mas sim uma expressão de "impaciência e de queixas claras", sublinhou Schüller.
Por quase um ano, o debate sobre o que significa a obediência implica exatamente para os católicos não morreu na Áustria. Proeminentes comentaristas citam o brinde do cardeal John Henry Newman: "Eu hei de brindar pelo papa, se assim o desejam; mas, antes, primeiro pela consciência, e pelo papa depois", e apontam que o Beato Franz Jägerstätter (foto) foi um dos poucos católicos austríacos a desobedecer os bispos austríacos quando eles pediram que os católicos votassem a favor da anexação da Áustria à Alemanha nazista e quando assinaram a sua declaração com "Heil Hitler". A Igreja, desde então, reabilitou e beatificou Jägerstätter, observaram os comentaristas.
Um almoço de consenso
Em março, a Igreja austríaca, mais uma vez, atraiu manchetes mundiais, e Schönborn teve que enfrentar mais um difícil dilema quando um homem abertamente homossexual foi eleito para o conselho paroquial de Stützenhofen, na Baixa Áustria. Florian Stangl, um trabalhador de 26 anos da área de cuidados aos deficientes, que vive em uma união homossexual registrada e é um católico comprometido, recebeu mais votos do que qualquer outro candidato nas eleições do conselho paroquial. Os estatutos da arquidiocese de Viena afirmam que os membros dos conselhos paroquiais "devem se comprometer com a doutrina e a ordem da Igreja".
Na ausência de Schönborn (ele estava presidindo a sessão primaveril da Conferência dos Bispos, na Caríntia), seu porta-voz lembrou que homossexuais ativos estão em um estado de pecado grave. Em seu retorno a Viena, Schönborn se reuniu com Stangl e com o seu parceiro para um almoço e prometeu que se encontraria uma solução que respeitasse "tanto a dignidade de todos os envolvidos quanto as regras da Igreja", com o resultado de que Stangl foi autorizado a permanecer no conselho paroquial. A arquidiocese, enquanto isso, iria buscar revisar os estatutos dos conselhos paroquiais para que expressassem a lei da Igreja de forma mais clara no futuro, disse Schönborn.
Em uma entrevista para um programa da televisão estatal austríaca, Schönborn explicou como ele havia chegado à sua solução a esse dilema recente. "Em todas as questões morais, devemos sempre considerar em primeiro lugar o ser humano individual. Jesus sempre levava em consideração a pessoa humana individual em primeiro lugar, e não a lei", disse, acrescentando que havia ficado impressionado com o "profundo cristianismo" e o compromisso ativo de Stangl com a Igreja. O problema de permitir que católicos divorciados em segunda união recebam a Eucaristia é muito semelhante, disse Schönborn, e apelou para que os padres sempre levem em consideração cada caso individualmente.
O político católico conservador italiano Rocco Buttiglione defendeu vigorosamente a decisão de Schönborn de permitir que Stangl permanecesse no conselho paroquial. No dia 6 de abril, em um artigo no jornal Il Foglio, Buttiglione disse que a decisão do cardeal era "uma visão pastoral inteligente da posição da Igreja sobre os homossexuais e a homossexualidade".
Schönborn acolheu como um sinal de encorajamento para a Igreja austríaca a crítica do Papa Bento XVI à Iniciativa dos Párocos Austríacos em sua homilia durante a Missa do Crisma no dia 5 de abril, na Basílica de São Pedro no Vaticano. "De um lado, as palavras do Papa Bento XVI mostram como o papa está levando a sério a alteração permanente sobre o futuro da Igreja na Áustria e como ele está bem inteirado sobre a situação daqui. De outro lado, o papa colocou uma série de questões muito sérias para a Iniciativa dos Párocos e apontou para aquela base principal de toda renovação, ou seja, olhar para Jesus Cristo e, como ele, obedecer ao Pai".
No dia seguinte, na Sexta-Feira Santa, Schönborn pediu publicamente que a Iniciativa dos Párocos retirasse a palavra "desobediência".
"A palavra 'desobediência' não pode ser deixada como está", enfatizou ele, mais uma vez, no horário nobre da televisão estatal austríaca. A Iniciativa deveria "declarar publicamente" que estava retirando a palavra e deveria fazê-lo logo, disse. O papa deixou claro que certos pontos do “Apelo à desobediência” não estão abertos ao debate e lembrou especialmente que a Igreja não estava autorizada a ordenar mulheres. A Iniciativa pôs em discussão a possibilidade de ordenar homens e mulheres casados.
A Iniciativa dos Párocos Austríacos, entretanto, se recusou a retirar a palavra "desobediência". A obediência, sem examinar a própria consciência, é perigosa, disse Schüller ao jornal austríaco Die Presse, no Sábado Santo. Ele lembrou que o Concílio Vaticano II havia começado com um ato de desobediência por parte daqueles bispos que se recusaram a assinar os documentos elaborados pelo Vaticano. "Nós gostaríamos de responder pessoalmente às questões que o papa nos apresentou", disse, acrescentando ter ficado "agradavelmente surpreso" com o fato de o papa ter falado da "lentidão das instituições" e não ter ameaçado a Iniciativa com punições.
O grupo austríaco está agora criando vínculos com padres que pensam de forma semelhante em todo o mundo, especialmente na Irlanda, Alemanha e Estados Unidos.
Na Segunda-Feira de Páscoa, o padre Gerhard Swierzek, pároco da paróquia onde Stangl está agora atuando no conselho paroquial, anunciou que estava procurando uma nova paróquia. "Viver em pecado não pode ser a norma", disse. "Eu tenho uma consciência sacerdotal e respeito a lei divina e canônica".
Pouco tempo depois, uma mulher disse em uma entrevista detalhada ao jornal austríaco Kurier que Swierzek tivera um caso com ela durante três anos em sua ex-paróquia de Pressbaum. Eva-Maria Mahrer disse que Swierzek "rompeu a regra do celibato. Ouvi-lo moralizar dessa forma e falar dos pecadores foi demais para mim, por isso eu decidi contar a minha história".
Outros eventos em Stützenhofen realimentaram a discussão sobre o celibato sacerdotal e prejudicaram ainda mais a credibilidade da Igreja. Eles também fortaleceram a causa da Iniciativa dos Párocos Austríacos.
Será que a Áustria, liderada por Schönborn, está se tornando, talvez, um campo de testes sobre como lidar com alguns dos principais dilemas diante dos padres católicos em seu trabalho pastoral hoje?
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O permanente debate dos católicos austríacos sobre a obediência - Instituto Humanitas Unisinos - IHU