02 Mai 2012
Dos 500 mil casos de câncer registrados todos os anos, pelo menos de 20 mil a 25 mil estão relacionados à ocupação do paciente. Um levantamento do Instituto Nacional do Câncer (Inca) lista 19 tipos de tumores malignos - entre os de pulmão, pele, fígado, laringe e leucemias - que podem ser provocados pela exposição a produtos químicos e falta de equipamentos de segurança adequados.
A reportagem é de Clarissa Thomé e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 01-05-2012.
Os dados fazem parte do estudo Diretrizes para Vigilância do Câncer Relacionado ao Trabalho, divulgado ontem, véspera do Dia Internacional do Trabalho. A estimativa de 20 mil a 25 mil casos pode ser conservadora - leva em conta pesquisas europeias, que apontam que 4% dos novos tumores são ligados à ocupação. "Considerando o ambiente de trabalho, maquinários obsoletos, processos ultrapassados, os trabalhadores brasileiros estão ainda mais expostos que os europeus. Em alguns tipos de tumor, podemos trabalhar com uma proporção de 8% a 16% dos novos casos", ressalta Ubirani Otero, coordenadora do estudo e responsável pela Área de Vigilância do Câncer Relacionado ao Trabalho e ao Ambiente do Inca.
O documento recomenda como principal estratégia para a redução do número de tumores malignos a eliminação da exposição aos agentes causadores. Além de listar os cânceres relacionados ao trabalho, o estudo indica os produtos cancerígenos e a atividade econômica a que estão ligados, como a de cabeleireiros, agricultores, profissionais da construção civil, indústria do petróleo, entre outras.
Aponta também a dificuldade de se obter dados a respeito da ocupação dos pacientes. Ubirani levantou por exemplo estatísticas sobre câncer de bexiga com base no cadastro integrado dos Registros Hospitalares de Câncer, entre 2008 e 2010. Nesse período, hospitais relataram 2.426 casos da doença - em 46,2% não havia informações sobre o tipo de trabalho exercido.
"Não basta saber a ocupação atual, mas também a atividade pregressa. Só com informações corretas vamos conseguir relacionar câncer à ocupação", diz Ubirani. Segundo ela, o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, tem apenas 128 registros de câncer relacionado ao trabalho. O estudo propõe a adoção de um questionário ampliado sobre a ocupação e o tempo de serviço na atividade de risco.
Ainda segundo a pesquisadora, a crescente inserção de mulheres em certos setores do mercado de trabalho, antes exclusivos dos homens, apontam para a necessidade de novas políticas voltadas para a saúde da mulher.
"Hoje há muitas mulheres trabalhando em postos de gasolina, com maior exposição ao benzeno; na construção civil, trabalhando com telhas de amianto, cimento; como mecânicas, ou seja, em várias novas situações de risco".
Para o o diretor do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde, Guilherme Franco Netto, a publicação é inédita e mostra o tamanho do desafio para os trabalhadores, gestores do Sistema Único de Saúde, do Ministério do Trabalho, da Previdência no diagnóstico, na prevenção, assistência e vigilância nessa área.
"Esse documento permite que organizemos integradamente [governos e órgãos de saúde]os conjuntos de ações para combater o câncer relacionado ao ambiente de trabalho. Hoje, as medidas são muito pontuais. Além de nos dar suporte técnico, mostra uma dívida [do Estado] com a sociedade, que deve ser prontamente sanada".
Guilherme Netto lembrou ainda que após o boom industrial da década de 70, somente agora casos de câncer antes incomuns estão aparecendo e que é fundamental diagnosticar esses casos, notificar e prevenir para que novos casos não aconteçam. Segundo ele, os sindicatos têm um papel vital principalmente no processo de prevenção.
"Ninguém do mercado vai apresentar uma lista dos problemas que um empregado pode ter em função de determinado trabalho. O papel do sindicato, por exemplo, é muito importante nesse sentido para alertar os trabalhadores sobre essas substâncias", completou Netto.
O professor de Epidemiologia da Universidade de São Paulo Victor Wünsch defende que o governo defina metas para a redução dos riscos no trabalho: "Desses casos ligados à ocupação, estima-se que metade seja de pacientes com câncer de pulmão. É extremamente grave porque não temos tratamentos eficazes até o momento para esse câncer. Temos de fazer a prevenção".
Três perguntas para Luiz Antonio Santini, diretor-geral do Inca
1.- O estudo mostrou que há dificuldade de obtenção de dados que permitam ligar casos de câncer ao trabalho. É importante melhorar esse tipo de informação?
Esse talvez seja o ponto mais importante desse estudo - fazer a correlação de causalidade do câncer aos fatores de risco. Temos vários sistemas de informação, que deveriam ser articulados e ainda não são. Temos um sistema de vigilância muito falho.
2.- Há alguma ocupação que possa ser considerada mais arriscada que outra?
Há praticamente uma relação causa/efeito entre a manipulação do amianto, usado na indústria de produção de telhas, de caixas d'água e materiais de freio, para a indústria automobilística, e o câncer de pulmão. Há outros produtos, como o benzeno, produtos usados em tintura de cabelo, alisamento. São vários produtos que têm relação forte de risco entre uso e aparecimento de câncer.
3.- Esse estudo serve de alerta ao trabalhador?
Claro. Os trabalhadores precisam tomar consciência de que, por meio de medidas de proteção, é possível reduzir o câncer na sua atividade. Mas ele também tem de reivindicar políticas públicas e melhorias no sistema de informação.
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Levantamento do Inca lista 19 tipos de câncer ligados à profissão do paciente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU