30 Abril 2012
Depois de um primeiro artigo em que mostrava como as mulheres do primeiro milênio se beneficiavam na Igreja com uma posição respeitada, Karin Heller analisa o que se dizia nos séculos XI e XII sobre as "naturezas" feminina e masculina. O debate não era menos forte do que hoje.
A opinião é da teóloga italiana Karin Heller, doutora em História das Religiões e Antropologia Religiosa pela Sorbonne, Paris IV, e professora de Teologia na Whitworth University, em Spokane, Estados Unidos. O artigo foi publicado no sítio Comité de la Jupe, 20-04-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Para Hildegard, a visão da relação homem-mulher estava ancorada em uma complementaridade, baseada em uma igualdade entre os sexos. Ela expressa o seu pensamento utilizando uma linguagem emprestada de Aristóteles e de Platão, mas, ao mesmo tempo, distanciando-se deles. Ela explica o ser humano com a ajuda dos quatro elementos da natureza (fogo, água, ar, terra).
Aristóteles opõe os homens às mulheres, torna o homem superior à mulher e associa o homem ao fogo e ao vento, e a mulher à água e à terra. Hildegard, ao contrário, associa o homem ao fogo e à terra, e a mulher ao ar e à água. Assim, ela estabelece um equilíbrio entre elementos leves e pesados, inferiores e superiores, que funciona em favor dos dois sexos.
Apoiada em sua leitura dos relatos do Gênesis 1 e 2, ela se opõe novamente a Aristóteles, que exige a submissão da mulher ao homem, por causa do fato de a mulher não controlar as suas emoções. Novamente, Hildegard rompe com essa visão bipolar, opondo-lhe o argumento seguinte: a mulher, tendo sido criada a partir da carne do homem e não da terra, goza de uma maior estabilidade do que o homem. Portanto, ela não só é capaz de controlar as suas emoções, mas o faz a partir de uma posição que a favorece com relação ao homem. Enfim, à convicção bipolar aristotélica do respeito imposto à mulher por parte do homem, ela opõe o respeito que a própria mulher inspira graças à prática das virtudes no seguimento de Cristo.
Hildegard desenvolveu uma surpreendente análise da interação entre fatores psicológicos e biológicos nos homens e nas mulheres. Ela via em um homem cuja sexualidade era feita de fogo e de vento o caráter equilibrado e a fertilidade moderada, um homem que não buscava a posse de uma mulher, mas sim a união com uma mulher enquanto pessoa integral. Esse tipo de homem seria um bom marido, assim como um bom servo de Deus, engajado no celibato.
Igualmente, ela via em uma mulher cujos músculos tinham uma estrutura de terra e cujo sangue era misturado com o ar uma pessoa que gosta da companhia de um homem sem precisar dele. Hildegard reconhecia nesse tipo de mulher uma pessoa "muito fértil", feita para o matrimônio e apta para suportar uma vida de castidade.
Para Hildegard, o homem de grande perfeição devia estar em relação com uma mulher, ou no matrimônio ou em uma relação de amizade espiritual. Sem nenhuma dúvida, Hildegard teria expressado reservas com relação a um celibato eclesiástico imposto a todos os tipos de homem ou uma vida religiosa para todos os tipos de mulheres. Ela sabia muito bem que os homens e as mulheres não eram iguais perante a "mãe natureza".
No campo das virtudes, Hildegard, ao invés, adota uma atitude platônica, que reconhece aos dois sexos a capacidade de exercer as mesmas virtudes. Tanto Platão quanto Hildegard não consideravam o silêncio ou a obediência como virtudes particularmente femininas, e o tomar a palavra em público ou o comando como reservados apenas para os homens.
Em duas ocasiões, Hildegard se recusou a se curvar às injunções do seu Padre Abade e do seu bispo. Ela rompeu com a tradição dos mosteiros duplos e estabeleceu mosteiros onde só as mulheres estavam no comando. A virtude da mulher está em construir e em falar no mesmo nível do homem. Essas atividades não são um sinal de uma abolição da diferença homem-mulher. Hildegard não adotaria a teoria da indiferença dos sexos, já que, no rastro de São Paulo, ela sabe que "o que é fraco no mundo, Deus escolheu para confundir os sábios" (1Cor 1, 27).
Entre os historiadores, o debate está aberto para saber se a própria Hildegard foi para Paris em 1174 ou se o seu legatário literário, Bruno de Estrasburgo, se encarregou disso. Em ambos os casos, o propósito dessa viagem era a inclusão das obras de Hildegard no currículo dos estudos teológicos. Infelizmente, não foram as obras de Hildegard que foram escolhidas pelas autoridades eclesiásticas para enriquecer o currículo acadêmico, mas sim as de Aristóteles, cuja leitura foi tornada obrigatória em 1255.
A busca da verdade como obra comum dos homens e das mulheres havia acabado definitivamente, e a vitória da bipolaridade sexual aristotélica estava garantida pelos próximos mil anos. Hildegard e as suas obras caíram no esquecimento, o que provavelmente as salvou de uma destruição completa ou parcial por parte de um clero que se pensava "definitivamente" acima das mulheres!
Certamente, nos alegramos com a promoção tardia de Hildegard ao posto de "Doutora da Igreja" pelas mesmas autoridades que a condenaram ao silêncio por tantos séculos. Ao longo das próximas festividades, qual imagem de Hildegard será apresentada aos católicos? De minha parte, acreditarei na sinceridade dessa promoção somente se uma mulher do temperamento de Hildegard for convidada pelo Vaticano para pregar um retiro de Quaresma!
Breve bibliografia que inspirou este artigo:
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Hildegard de Bingen e a igualdade homem-mulher - Instituto Humanitas Unisinos - IHU