Por: Cesar Sanson | 24 Abril 2012
Dezessete grandes cientistas e quatro organizações conservacionistas aclamadas pediram por uma ação radical para criar um mundo melhor para essa e as futuras gerações. Compilado por 21 ganhadores do prestigioso Prêmio Planeta Azul, um novo artigo recomenda soluções para alguns dos problemas mais prementes do mundo, incluindo as mudanças climáticas, a pobreza e a extinção em massa.
A reportagem é Jeremy Hance publicada pelo sítio Mongabay.com e reproduzido pelo sítio CarbonoBrasil, 23-02-2012. A tradução é de Jéssica Lipinski.
O documento, intitulado Environment and Development Challenges: The Imperative to Act, foi apresentado recentemente no encontro do conselho do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente em Nairóbi, Quênia.
O Prêmio Planeta Azul é dado para “realizações notáveis em pesquisa científica e suas aplicações que ajudaram a oferecer soluções para problemas ambientais globais”. Apelidado por alguns de Prêmio Nobel para o meio ambiente, o prêmio inclui ganhadores como o ambientalista James Lovelock, o biólogo Paul Ehrlich, o físico Amory Lovins, o economista Nicholas Stern e o climatologista James Hansen, os quais contribuíram para o relatório.
“O sistema atual está falido”, disse o climatologista Bob Watson, ganhador do Planeta Azul em 2010 e instigador do relatório. “Está levando a humanidade a um futuro que será 3-5 graus Celsius mais quente do que o que nossa espécie já conheceu, e está eliminando a ecologia da qual dependemos para nossa saúde, riqueza e autoconhecimento. Não podemos assumir que soluções tecnológicas chegarão suficientemente rápido. Em vez disso, precisamos de soluções humanas. A boa notícia é que elas existem, mas os tomadores de decisão precisam pensar no futuro para aproveitá-las.”
O ambicioso estudo surge apenas alguns meses antes da Conferência Rio+20: O Futuro que Queremos, uma reunião ambiental global que acontece 20 anos depois da Cúpula do Rio. No entanto, expectativas para uma ação real na cúpula Rio+20 foram atenuadas pelo lançamento de um rascunho de acordo fraco e, de acordo com críticos, que permite que as nações mais uma vez façam promessas vagas.
Por sua vez, os premiados pelo Planeta Azul pedem que o mundo reduza rapidamente suas emissões de gases do efeito estufa, troquem o PIB (produto interno bruto) por uma medida mais holística de bem-estar nacional, desassociem a destruição ambiental do consumo, reduzam os subsídios para combustíveis fósseis e práticas agrícolas ambientalmente destrutivas, coloquem um valor de mercado em serviços de biodiversidade e ecossistema, trabalhem com movimentos de base para criar uma ação de baixo para cima, e finalmente, combatam a superpopulação.
“Se queremos atingir nosso sonho, o momento para agir é agora, dada a inércia no sistema socioeconômico e o fato de que os efeitos adversos das mudanças climáticas e da perda de biodiversidade não poderão ser revertidos por séculos ou serão irreversíveis”, escreveram os autores.
Declarando que “o sistema está falido e nosso caminho atual não realizará [o sonho de um mundo melhor]”, os autores apontam que “a civilização se depara com uma perfeita tempestade de problemas direcionados pela superpopulação, consumo excessivo pelos ricos, uso de tecnologias ruins para o ambiente e grandes desigualdades”. O que piora a situação, segundo os cientistas e ambientalistas, é o “mito” perigoso de que “economias podem crescer para sempre”.
Uma nova economia para um novo milênio
A atual economia global deve ser transformada de um modelo de crescimento para um modelo de sustentabilidade que leve a natureza em conta, argumentam os cientistas. “Já que a maioria dos bens e serviços vendidos hoje não consegue suportar os custos ambientais e sociais de produção e consumo, precisamos atingir um consenso sobre metodologias para precificá-los apropriadamente”, escreveram os cientistas.
Muitos dos recursos naturais do mundo são finitos (minerais, combustíveis fósseis, água) e os que são renováveis (florestas, pesca, alimentos) são facilmente exauríveis quando mal administrados e podem mesmo ser destruídos inteiramente. Por isso, de acordo com o relatório, os economistas precisam redefinir os capitais em questão para refletir quais estão baseados na natureza e quais estão baseados nos humanos.
“Os governos deveriam reconhecer as sérias limitações do PIB como medida de atividade econômica e complementá-lo com medidas das cinco formas de capital, físico, financeiro, natural, humano e capital social, ou seja, uma medida de riqueza que integre dimensões econômicas, ambientais e sociais”, argumenta o documento. Os cientistas admitem que a transição será difícil, mas é necessária.
“Há uma necessidade urgente de quebrar a ligação entre a produção e o consumo e a destruição ambiental. Isso pode arriscar os padrões materiais de vida por um período que nos permitiria superar a pobreza mundial. Um crescimento material indefinido em um planeta com recursos naturais finitos e frequentemente frágeis seria, no entanto, eventualmente insustentável”, escreveram eles.
Ainda assim, embora tal ação possa exigir a eliminação gradual de algumas práticas industriais e econômicas, outras indústrias verdes poderiam preencher as lacunas, fornecendo empregos e estabilidade.
“O custeio de externalidades ambientais poderia abrir novas oportunidades para um crescimento verde e empregos verdes”, escreveram os autores, acrescentando que “o uso eficiente de recursos (por exemplo, de energia e água) economiza dinheiro para empresas e famílias. Valorizar e criar mercados para serviços ecossistêmicos pode oferecer novas oportunidades econômicas. Uma economia verde será a fonte de futuros empregos e inovações”.
O que está ficando no caminho de tal transição? O relatório alerta que as atuais alianças entre governos e grandes corporações está minando a habilidade da sociedade de mudar práticas costumeiras.
“A natureza internacional da maioria do setor corporativo envolvido no uso de recursos naturais significa que mesmo os governos dos países nos quais elas estão sediadas têm uma habilidade limitada para influenciar suas ações e decisões”, escreveram eles, adicionando que a dependência atual nos combustíveis fósseis “constitui muitos dos problemas que enfrentamos hoje”.
Para ter sucesso, os governos devem ser transformados em todos os níveis, os pesquisadores afirmam. “Em nível local audiências públicas e auditorias sociais podem trazer as vozes de grupos marginalizados para a linha de frente. Em nível nacional, a fiscalização parlamentar e midiática é chave. Globalmente, devemos achar meios melhores para aprovar e implantar medidas para atingir metas coletivas.” Mas embora todos os interessados devam estar envolvidos, os cientistas argumentam que movimentos de base, o ativismo de baixo para cima e programas locais devem receber mais poder.
“Há uma necessidade de expandir as ações de base, unindo abordagens complementares de cima para baixo e de baixo para cima para resolver esses problemas.”
A crise climática
A fim de combater as mudanças climáticas globais, o estudo recomenda uma estratégia dual de aumentar drasticamente a eficiência energética e desenvolver as energias renováveis e a captura de carbono em larga escala.
“Geralmente, os países em desenvolvimento localizados nas áreas tropicais do mundo podem se beneficiar mais das tecnologias de energia solar [...] Nos países industrializados com um consumo muito alto de energia per capita, medidas de eficiência energética podem ser muito eficazes”, escreveram os autores, acrescentando que em países em desenvolvimento “o progresso econômico pode ser atingido através da adoção antecipada de tecnologias de eficiência energética em vez de adotar tecnologias obsoletas que gerarão problemas que terão que ser resolvidos mais tarde.”
Eles observaram que as fontes limpas poderiam fornecer 75% da energia em muitas partes do mundo, e 90% nos trópicos, até 2050.
“A principal tarefa é expandir, reduzir custos e integrar as renováveis nos sistemas energéticos futuros. Cuidadosamente desenvolvidas, as energias renováveis podem oferecer benefícios múltiplos, incluindo empregos, segurança energética, saúde humana, meio ambiente e mitigação das mudanças climáticas”, registra o estudo.
Quanto à captura e armazenamento de carbono, os autores ainda têm mantêm a esperança apesar de uma série de dificuldades: “a principal tarefa é reduzir custos e atingir um aperfeiçoamento tecnológico rápido”, adicionando que esperam “que uma série de projetos piloto pelo mundo demonstrem sua viabilidade”.
Embora os cientistas reconheçam que a adaptação aos impactos das mudanças climáticas é uma necessidade, eles escrevem que “a estratégia de adaptação mais eficaz é a mitigação a fim de limitar a magnitude das mudanças climáticas”.
Curiosamente, os pesquisadores observam que uma pessoa pode um cético das mudanças climáticas e ainda ver os grandes benefícios da energia limpa.
“Uma transição para uma economia de baixo carbono faz sentido e faz dinheiro por muitas outras razões convincentes [para além de mitigar as mudanças climáticas]. A China, por exemplo, está liderando a eficiência global e as revoluções em energia limpa não por causa dos tratados internacionais e convenções, mas para acelerar seu próprio desenvolvimento e para melhorar a saúde pública e a segurança nacional”, escreveram os autores.
Vida na Terra
Cortar as emissões de gases do efeito estufa rapidamente é a solução geral para as mudanças climáticas, mas salvar a vida na Terra da extinção é menos simples.
“A biodiversidade – a variedade de genes, populações, espécies, comunidades, ecossistemas e processos ecológicos que compõem a vida na Terra – sustenta os serviços ecossistêmicos, sustenta a humanidade, é fundamental para a resistência da vida na Terra e é parte integrante do tecido de todas as culturas do mundo”, escreveram os autores do documento.
A biodiversidade e os serviços ecossistêmicos também sustentam a economia global, observam eles, embora isso tenha sido quase que inteiramente negligenciado por nosso atual modelo econômico.
“Os benefícios que os ecossistemas oferecem ao bem-estar humano são historicamente fornecidos sem custo, e a demanda por eles está aumentando. Embora o valor econômico global dos serviços ecossistêmicos possa ser difícil de medir, ele quase certamente rivaliza ou excede o produto interno bruto global agregado, e os benefícios ecossistêmicos frequentemente superam os custos de sua conservação”, escreveram os cientistas.
Eles sugerem uma mudança rápida do “método de exploração de recursos do desenvolvimento convencional para o método de enriquecimento de recursos do desenvolvimento sustentável” no mundo em desenvolvimento.
Atualmente, o desenvolvimento em países mais pobres geralmente implica em projetos industriais de larga escala com grandes pegadas ambientais: mineração, corte de madeira, barragens, exploração de combustíveis fósseis, construção de auto-estradas etc. “O valor dos serviços ecossistêmicos e do capital natural deve ser incorporado na contabilidade nacional e em processos de tomada de decisão em todos os setores da sociedade, o acesso a benefícios ecossistêmicos e custos de conservação de ecossistemas devem ser compartilhados igualmente, e serviços de biodiversidade e ecossistemas devem ser vistos como o componente mais fundamental do desenvolvimento econômico verde”, escreveram os cientistas.
De acordo com o documento, a perda de serviços ecossistêmicos logo atingirá a economia global na ordem de US$ 500 bilhões por ano. Por isso, os cientistas pedem que todos os países adotem “um sistema nacional de contabilidade de riqueza inclusivo, que abarque a contabilidade de serviços ecossistêmicos importados e exportados, o que poderia estimular mais abordagens para o desenvolvimento de um mercado de serviços ecossistêmicos”.
Os autores também observaram que ganhar a batalha das mudanças climáticas e a extinção em massa não é mutuamente exclusivo, porque o que ajuda a biodiversidade frequentemente mitigará o aquecimento global, e vice-versa. Por exemplo, os cientistas lançam seu apoio ao programa de REDD+ (redução das emissões por desmatamento e degradação florestal), que propõe pagar às nações tropicais para manterem suas florestas em pé.
Outro problema que está por trás do resto é a superpopulação. A dramática explosão da população no último século colocou uma crescente pressão sobre a biodiversidade, os recursos naturais, a produção de alimento e o clima. Resolver a superpopulação por meios não severos ou compulsórios poderia oferecer uma infinidade de benefícios sociais, além de diminuir nosso pedágio ambiental.
“O problema da população deveria ser resolvido urgentemente pela educação e o fortalecimento das mulheres, inclusive na força de trabalho e nos direitos, propriedade e herança; pelos cuidados com a saúde de crianças e idosos; e tornando a contracepção acessível a todos”, escreveram os cientistas.
Os premiados do Planeta Azul argumentam que as nações devem parar de ver as questões ambientais como desconectadas, como problemas isolados, já que, por exemplo, proteger os ecossistemas como florestas mitigará as mudanças climáticas, diminuirá a dificuldade da adaptação climática e preservará a biodiversidade, entre uma série de outros benefícios.
“Uma abordagem ecossistêmica compreensiva e integrada é uma ‘ferramenta’ poderosa para identificar, analisar e resolver problemas ambientais complicados, em vez de dividir as abordagens em problemas ambientais multifacetados que não funcionam”, concluíram os pesquisadores.
Um mundo melhor
O relatório não subestima a escala dos problemas enfrentados pelas sociedades hoje, nem o pesado fardo que será transformar a economia global, mas declara que o futuro será muito pior se uma ação não for tomada rápida e decisivamente.
“Diante de uma emergência absolutamente sem precedentes, a sociedade não tem escolha a não ser tomar uma atitude dramática para evitar um colapso da civilização”, escreveram os cientistas. “Ou mudaremos nosso jeito e construiremos um novo tipo de sociedade global, ou ele será mudado para nós.”
No final do túnel, no entanto, está um mundo melhor. “Temos um sonho – um mundo sem pobreza – um mundo que é justo – um mundo que respeite os direitos humanos – um mundo com um comportamento ético maior e melhor a respeito da pobreza e dos recursos naturais – um mundo que seja sustentável ambiental, social e economicamente, onde desafios como as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade e a desigualdade social tenham sido resolvidos exitosamente.”
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Uma nova economia para um novo milênio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU