24 Abril 2012
A Europa recusou o patenteamento e, como o Brasil, trata programas de computador na lei de direitos autorais.
O comentário é de Sergio Amadeu da Silveira, sociólogo e um pioneiro na defesa e divulgação do software livre e da inclusão digital no Brasil, ex-presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, e publicada na revista ARede, abril de 2012.
Imagine se o método de alfabetização de Paulo Freire estivesse patenteado? Quem ganharia com isso? Aqueles que poderiam vender licenças de uso do método para os governos e para as poucas escolas particulares que se interessassem pela alfabetização de adultos. Quem perderia com isso? Todos os educadores que aplicaram aquele método tão fundamental para alfabetizar milhares de pessoas a partir das palavras geradoras e da contextualização do aprendizado.
Métodos, modelos, programas de computador e até arranjos lógicos chamados de algoritmos podem ser patenteados nos Estados Unidos. Lá, há poucos limites para a frenética reprodução do capital. O esquema de patenteamento é importante para bloquear o uso de uma invenção durante um período de tempo, atualmente 20 anos. Quem registrou a patente na instituição oficial terá o monopólio de seu invento por todos esses anos. O seu detentor pode autorizar empresas e pessoas a utilizar o invento mediante o pagamento de royalties. Também pode simplesmente impedir que qualquer outro possa fazer uso de sua criação.
Nos Estados Unidos, somente a IBM tem mais de 30 mil patentes de programas de computador. Softwares são rotinas logicamente encadeadas que permitem a um processador de informações executá-las ou interpretá-las para mover um hardware qualquer ou para gerar um novo conjunto de informações. Softwares são algoritmos, textos alfanuméricos escritos em linguagem de programação. Richard Stallman, criador do movimento do software livre, considera as patentes de software um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento do conhecimento tecnológico: “Imaginem que alguém tivesse patenteado as notas os ou arranjos musicais de uma sinfonia. Imaginem se não pudéssemos usar violinos com outro tipo de cordas porque alguém tinha patenteado essa ideia. Ocorre o mesmo com o software.”
Patentes são utilizadas para bloquear o conhecimento de algo. Quando surgiu, a patente pretendia proteger as invenções industriais que, em geral, tiveram grandes investimentos para serem testadas e consolidadas e, portanto, o Estado garantia um prazo de uso exclusivo do invento para remunerar o inventor. Nos EUA, o uso da patente agora serve para bloquear a disseminação de descobertas, até as análises de combinações genéticas e equações matemáticas. A Europa recusou o patenteamento de softwares e, tal como o Brasil, trata os programas de computador na legislação referente aos direitos do autor, entendendo que o software não é similar a uma invenção industrial.
Observando as patentes concedidas nos anos de 2009 e 2010, nos Estados Unidos, praticamente todos os 25 maiores depositantes são da área de TI, segundo a Intellectual Property Owners Association (IPO), a mais importante associação dos donos de patentes. Segundo os pesquisadores Bessen e Meurer (2008, p. 200) descrevem, as patentes de software podem ser particularmente suscetíveis à utilização estratégica de uma linguagem vaga.
A doutoranda em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento Denise Freitas Silva, também examinadora de patentes do Inpi, nos alerta que os pesquisadores Bessen e Meurer, no livro Patent Failure, “ressaltaram que o alto grau de abstração das patentes relacionadas a software é uma das causas para o aumento nas indefinições quanto ao escopo destas patentes, o que contribui para infrações inadvertidas e, em última instância, para a ocorrência de litígios”. Esses pesquisadores ressaltam ainda que os custos totais com processos judiciais envolvendo as patentes de software são estimados em US $ 3,88 bilhões por ano apenas nos EUA.
Desse modo, as grandes corporações podem criar a estratégia de patentear tudo que for possível na sua área de interesse. Essa estratégia de negócios é chamada de patenteamento defensivo. Serve para processar os concorrentes e também para defesa de processos por violação de patentes. No início de março, o Yahoo processou o Facebook, alegando que a maior rede social do mundo teria violado dez patentes de sua propriedade, incluindo as tecnologias de publicidade online. Yahoo tem mais de 3.300 patentes. A defesa clássica para empresas processadas de violação é ameaçar o acusador com suas próprias patentes. Por isso, alguns dias depois de ser acionado judicialmente, em 22 de março, o Facebook adquiriu 750 patentes da IBM. As patentes compradas cobrem uma ampla gama de tecnologias.
Cada vez mais as empresas de tecnologia da informação estadunidenses se arrastam em uma disputa cujo objetivo fundamental é bloquear o desenvolvimento tecnológico que não seja controlado pela sua diretoria. O preço das patentes no mercado estadunidense subiu porque as empresas de tecnologia buscam construir carteiras de patentes defensivas. Recentemente, pressionado pelo agressivo patenteamento da Apple e da Microsoft, o Google adquiriu a Motorola Mobile por US$12,5 bilhões. O objetivo era obter 17 mil patentes da empresa de celulares.
Os estrategistas da política tecnológica brasileira deveriam observar o cenário com frieza. Primeiro, a criatividade e a invenção nunca dependeram de sistemas de propriedade, como demonstrou o pesquisador Peter Drahos. Segundo, deslocar o foco da geração de conhecimento, da sinergia e da produção de inventos, para entrar na guerra das patentes, seria tão absurdo como preparar nossas forças armadas para fazer frente aos EUA. Terceiro, devemos buscar junto aos países em desenvolvimento um novo modelo de distribuição de conhecimento tecnológico que supere o bloqueio das patentes. Caso contrário, gostaria de saber como eles pretendem enfrentar uma estratégia de patenteamento que passa a ser a atividade mais importante das corporações de tecnologia estadunidense. Somente em 2010, três empresas que lideraram o ranking de patenteamento obtiveram mais patentes que todas as empresas brasileiras. A IBM obteve 5.866 patentes, a Samsung conseguiu 4.518 e a Microsoft granjeou 3.121.
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O que está por trás das patentes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU