23 Abril 2012
Desde a divulgação dos cartazes da Parada do Orgulho LGBT de Maringá, no Paraná, começou a polêmica. Como a arte de um deles (imagem acima) mostra a Catedral Basílica Menor de Nossa Senhora da Glória, construção-símbolo da cidade, atingida por um raio de luz e "explodindo" em um arco-íris, a assessoria de imprensa da Arquidiocese de Maringá informou, no final da manhã desta segunda-feira (16), que o departamento jurídico da cúria arquidiocesana foi acionado e tomaria providências jurídicas sobre o caso. Em nota a respeito do caso, a arquidiocese reiterou que "a Igreja Católica não tem a pretensão de domesticar a sociedade, impondo-lhe seus princípios e valores", mas que o cartaz "confrontou opinião religiosa da parcela maior da comunidade maringaense".
O texto é do sitio Diversidade Católica, 17-04-2012.
"A ideia de fazer esse convite veio justamente, como se pode reparar na imagem, do conceito da catedral como um prisma em que, ao ser injetado um foco de luz solar de um lado, do outro desponta em todas as cores possíveis", disse Luiz Modesto, representante do movimento gay da cidade e editor do site Maringay. "Como a catedral é o primeiro símbolo de Maringá, é um convite a chamar para o diálogo todas as pessoas, para maior aceitação e respeito. Nós aprovamos e gostamos do conceito".
A inspiração veio da capa do álbum "The Dark Side of the Moon", da banda de rock britânica Pink Floyd. A autora dos cartazes polêmicos (há também uma segunda versão, mais próxima da referência original do disco), Elisa Riemer, justificou sua escolha: "Nada melhor que esse símbolo para usar como se fosse o prisma. O prisma tem vários lados e jogando uma luz conseguimos ver todos os caminhos. As sete cores. Imagine que para cada problema você tem sete respostas ou caminhos a tomar e se um estiver bloqueado... Procure a outra cor que lhe indicará outra coisa".
"Não estou ofendendo a religião de ninguém e jamais foi essa a intenção", continuou ela. "Que símbolo usar para definir Maringá? Poderia ter sido usado pra qualquer outra coisa, poderia ter sido usado pra uma campanha de alguma rádio, de alguma banda, de qualquer outro segmento. Mas o que pegou foi justamente isso, foi porque foi usada pra uma campanha LGBT. Não vejo problema algum, e muito menos falta de respeito".
Segundo Elisa, o uso da catedral se deu exclusivamente pela similaridade com o prisma: "Se as pessoas observassem bem, veriam o quanto escureci a catedral e retirei a cruz - para nada, exatamente nada, estar ligado à religião. Não tive a intenção de polemizar e sim de fazer as pessoas pensarem, refletirem". De todo modo, porém, ressaltou Modesto, "este nunca foi o cartaz de divulgação da Parada Gay. O oficial, que usaremos para publicação, é bem mais simples e pode ser visto na Fan Page do evento, no Facebook".
Ainda assim, o arcebispo de Maringá, Dom Anuar Battisti, ontem, no seu blog, lamentou “o uso dado ao cartaz, que confronta com o pensamento e a opinião religiosa da parcela maior da comunidade maringaense”. Diante da polêmica, Luiz Modesto contou ter recebido um convite para tomar café com o arcebispo nesta terça-feira (17). A reunião, segundo ele, foi amigável; o arcebispo teria entendido que o cartaz visava a ampliar o diálogo sobre a homofobia. Levantamentos feitos pelo movimento gay de Maringá registram 38 agressões contra LGBTs nos últimos 12 meses, sendo duas delas assassinatos de travestis.
“Levei alguns dados de suicídio entre adolescentes gays, de violência contra LGBT e assassinato de travestis nos municípios da arquidiocese. O arcebispo comoveu-se. Concordamos que direcionar as atenções para os casos de violência contra o ser humano é muito mais relevante que a polêmica causada pelo cartaz. O foco agora é outro, a criação da Pastoral da Diversidade em Maringá e o indicativo de uma Pastoral Nacional da Diversidade pela CNBB”, relatou Modesto. A proposta, segundo ele, seria de uma pastoral que congregasse os católicos homossexuais: “É necessário divulgar a ideia de que Deus não é ódio e punição, mas amor e acolhimento. Embora a posição da Igreja seja contrária à homossexualidade, deve existir um braço dentro dela que nos proteja da violência e nos acolha da forma como somos, sem deixar-nos desamparados espiritualmente”.
“Estamos abertos à discussão e dispostos a falar dos problemas enfrentados por eles”, disse Dom Anuar, que segundo Modesto teria afirmado também que a preocupação maior deve ser contra a violência, e não contra o movimento.
Caso a pastoral seja criada, será a primeira iniciativa oficial da Igreja Católica para trabalhar diretamente no combate à homofobia. “Para as pessoas que entenderam o cartaz como provocação, eu peço desculpas sinceras. O objetivo maior era criar um diálogo sobre o assunto. E conseguimos”, concluiu Modesto.
O que pode ter contribuído para a má recepção do cartaz - que, para os segmentos mais conservadores de Maringá, provavelmente já seria impactante pela mera associação entre LGBTs e Igreja - foi a saída das sete cores do arco-íris cercada de estilhaços, uma imagem que talvez tenha parecido agressiva. Porém, pode-se entender também a sugestão de explosão como uma referência à urgentíssima necessidade de uma mudança, na sociedade brasileira hoje, com relação à violência sofrida pelos LGBTs. E à importância e responsabilidade da Igreja como foco de transformação da atual situação - afinal, ela é o prisma que transforma a luz. Ou, como tão bem comentou nosso amigo Murilo Araújo em seu editorial brilhante para o Vestiário (leia na íntegra aqui):
De certo modo, [o cartaz] representa a igreja com que eu sonho cotidianamente. Trata-se de um sonho muito particular, porque quem tem outra fé (ou não tem nenhuma) tem todo o direito de discordar desse meu pensamento, ou de apenas não se preocupar com isso. Mas, se substituíssemos a Catedral de Nossa Senhora da Glória por uma escola, ou por um prédio do governo, o cartaz continuaria representando a minha utopia: uma instituição que transforma uma só cor em várias, e que gera a diversidade, em vez de anulá-la.
Mais tarde, ainda na terça-feira, a assessoria de imprensa da Arquidiocese veio a público informar, segundo O Diário, que as palavras de Dom Anuar sobre a Pastoral da Diversidade foram: “Acolho a proposta no coração e a respeito. Vamos encaminhá-la na medida do possível, mas não há indicativo momentâneo de sua criação”. A assessoria informou ainda que Dom Anuar participaria nesta quarta-feira (18) da 50ª Assembleia Geral da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Aparecida (SP), e a criação da Pastoral da Diversidade provavelmente seria discutida, por conta da repercussão nacional do caso de Maringá, embora não estivesse na pauta oficial do evento.
É bom saber da própria assessoria de imprensa da Arquidiocese, oficialmente, o que foi dito pelo Arcebispo. Mesmo não havendo "indicativo momentâneo de sua criação", a postura de diálogo e abertura sinalizada foi um primeiro passo; a CNBB estar ciente e discutir a repercussão do ocorrido é outro. O terceiro... bem, o que nós, católicos, gays e não-gays, faremos agora?
De fato, antes mesmo de qualquer discussão sobre a doutrina vigente da Igreja Católica a respeito da homossexualidade, uma coisa é certa: a Igreja - e, como sempre, por "Igreja" referimo-nos não só ao Magistério, mas a todos os batizados - precisa assumir seu papel histórico de mediadora e pacificadora, que tantas vezes desempenhou com mérito, e, também na questão da homofobia, atuar como a defensora da justiça social, contrária a toda forma de violência, que é.
Parafraseando o Fórum Europeu de Grupos Cristãos de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros em sua carta aberta ao papa Bento XVI ano passado, a Igreja Católica no Brasil precisa, como aconteceu no Chile, posicionar-se explicitamente contra os atos de violência contra a população LGBT. “O silêncio, neste contexto, pode ser perigosamente interpretado pelos perpetradores de atos de violência, tortura e assassinato como um parecer favorável às suas ações”, como bem sublinhou o referido Fórum.
Trata-se, aqui, de uma questão de justiça: justiça perante o direito dos LGBTs de serem respeitados e acolhidos no seio não só da Igreja, mas da sociedade mais ampla; e justiça com o papel histórico da Igreja Católica de defensora da vida e da dignidade da pessoa humana.
Portanto, urge que os católicos, gays ou não, comuniquemos à CNBB que a postura que esperamos da nossa Igreja é de abertura, acolhimento, inclusão e respeito à vida, às diferenças e à dignidade dos LGBTs. Os católicos americanos já se organizaram para transmitir ao respectivo Magistério seu desejo nesse sentido. Os europeus, também. E nós, leigos católicos aqui no Brasil?
Fica a pergunta para a nossa reflexão. De todos nós.
(Com informações do UOL, Folha de S. Paulo, O Diário [aqui e aqui], Maringay, Vestiário e Arquidiocese de Maringá e a colaboração dos amigos @MarkosOliveira, @realfpalhano e @wrighini)