24 Março 2012
É muito cedo para saber como a história irá julgar o tempo de Rowan Williams na cátedra de Santo Agostinho. Ele mesmo poderia esperar que o seu trabalho seja julgado não pelas posições tomadas, mas sim pelas conversações mantidas.
A opinião é de Andrew McGowan, reitor do Trinity College, da Universidade de Melbourne, Austrália. O artigo foi publicado no sítio Eureka Street, revista eletrônica dos jesuítas australianos, 21-03-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Os anglicanos têm uma forma de fazer as suas disputas internas preferivelmente de forma pública. Mundialmente, isso reflete uma estrutura de "malha frouxa" – as Igrejas da Comunhão Anglicana são todas independentes, constituídas como entidades nacionais, assim como a Igreja-mãe da Inglaterra. No entanto, essa propensão franca e confusa para o debate também reflete uma cultura e história intimamente conectada com a da democracia de fala inglesa.
Rowan Williams tornou-se arcebispo de Canterbury em fevereiro de 2003. Quando nomeado, ele trouxe consigo as esperanças dos anglicanos liberais e o controle dos conservadores. Um dos teólogos mais amplamente respeitados de qualquer tradição do nosso tempo, seus posicionamentos sobre uma série de questões, nomeadamente a sexualidade humana, fizeram-no parecer apto a liderar a Igreja da Inglaterra e a Comunhão Anglicana global rumo à aceitação de pontos de vista progressistas.
Para os anglicanos, a conversação e a persuasão são as ferramentas da comunhão, e a ortodoxia é determinada não por decreto, mas pela participação concreta em uma Igreja em que os credos históricos, os sacramentos e as próprias Escrituras são aptas a gerar debate, ao mesmo tempo que atuam como critérios da unidade. Os pontos fortes da transparência e da diversidade, assim como as fraquezas da incoerência e da desarmonia, vêm da mesma fonte. O sucesso ou o fracasso de Williams teriam a ver com a conversação, não com o decreto.
Em junho do mesmo ano, Gene Robinson foi eleito para o bispado menos elevado de New Hampshire. Um racha dentro do anglicanismo estava em curso há alguns anos antes, com as dioceses da Ásia e da África realizando estranhos ataques pastorais contra os subúrbios americanos a mando dos conservadores ocidentais. No entanto, a ascensão de Robinson simbolizava uma nova etapa do conflito anglicano interno, que dominou o tempo de Williams como chefe de uma aliança nada fácil.
Williams foi castigado ou meramente rejeitado por críticos em ambas as extremidades desse tênue continuum. Para alguns, ele fracassou em sua promessa como líder profético e acomodou os valentões conservadores. Por sua vez, os ortodoxos autoproclamados veem-no como alguém sem convicção para enfrentar um desvio para o liberalismo.
A erudição de Williams tem sido zombada por um previsível grupo anti-intelectual, e sua nomeação como Mestre do Magdalene College agora é visto por alguns como um retiro para uma academia rarefeita a qual ele está mais adaptado.
De fato, ele é teólogo, mas a posse de Williams como arcebispo foi em si mesmo um exercício encarnado de uma mente extraordinária, que produziu obras célebres em áreas que vão desde a controvérsia ariana do século IV a Dostoiévski, em ainda outro ramo da teologia. Como arcebispo de Canterbury, Williams compôs uma obra incompleta sobre a própria doutrina da Igreja.
Sua diferença mais profunda com os detratores de todos os tipos não são os seus pontos de vista sobre a escritura ou o sexo, mas sobre a própria Igreja. Isto é o que a "comunhão" acarreta para Williams: não acordo baseado em confissões liberais ou conservadoras, mas sim uma unidade em Cristo caracterizada pela diversidade, mas também pela conversação.
O que poucos de seus detratores reconheceram é que ele levou a sério seus parceiros na difícil conversação anglicana, precisamente como membros da Igreja, e não poderia ou não reduziria o valor da participação deles no conteúdo dos seus argumentos.
O próprio Williams se envolveu mais profundamente do que a maioria dos liberais em criar um sentido teológico positivo sobre a atração pelo mesmo sexo em seu notável ensaio The Body's Grace [A graça do corpo, disponível aqui, em inglês]. Imerso na fé e no pensamento dos Padres da Igreja, ele também conhecia a ortodoxia melhor do que seus críticos conservadores. No entanto, ele se recusou a ver qualquer grupo como dispensável para a conversação.
Certamente, houve notáveis falhas, mesmo com essa medida. Excluir Robinson da conversação central da Conferência dos Bispos Anglicanos de Lambeth de 2008 foi um deles, mas Williams julgou que a alternativa a isso poderia ser um fracasso maior, com o total absenteísmo dos outros.
É muito cedo para saber como a história irá julgar o tempo de Williams na cátedra de Santo Agostinho. Ele mesmo poderia esperar que o seu trabalho seja julgado não pelas posições tomadas, mas pelas conversações mantidas.
Uma provável base para um eventual julgamento pende agora na balança: a Aliança Anglicana, atualmente levadas em consideração pelas Igrejas nacionais, oferece à Comunhão Anglicana uma estrutura, seja para canalizar ou para controlar a conversação, dependendo de quem você pergunte. Não inspirada no tom e provavelmente ineficaz na prática, a Aliança é um documento bastante prosaico pelo qual se pode avaliar a própria realização de Williams.
No entanto, seria inadequado olhar para a própria teologia de Williams para um episcopado ou para um documento como se ela aspirasse àquilo que pertence somente a Deus. A vida cristã – argumentou ele mesmo – envolve ceticismo acerca das reivindicações ao sucesso na própria vida e discurso de cada um. A obra incompleta de Williams vai se deixar aberta a mal-entendidos por sua própria natureza, como ele mesmo seria um dos primeiros a dizer.
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Comunhão, conversação e persuasão: a teologia de Rowan Williams - Instituto Humanitas Unisinos - IHU