24 Março 2012
Bento XVI voa para a América Latina, para visitar México e Cuba. E no sábado, 24 de março, cai o 32º aniversário do assassinato de Óscar Arnulfo Romero, o arcebispo latino-americano morto enquanto celebrava a missa em uma pequena capela do hospital de San Salvador. Aquele que muitos devotos chamam há muito tempo de "São Romero da América".
A reportagem é de Gianni Valente, publicada no sítio Vatican Insider, 23-03-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Coincidentemente, a última vez que o Papa Ratzinger falou do inesquecível pastor salvadorenho foi justamente no voo que o levava ao Brasil em maio de 2007, por ocasião da sua primeira e até agora única visita apostólica a um país latino-americano. Naquela vez, no tradicional encontro com os jornalistas em altitude de cruzeiro, um enviado francês lhe pediu explicações sobre o processo de beatificação de Romero, que teve a sua fase diocesana concluída ainda em 1996. O papa respondeu com uma pequena apologia ao bispo morto, descrevendo-o como "um grande testemunho da fé" e recordando a morte "verdadeiramente incrível" ocorrida diante do altar. Ele não fez nenhuma referência à categoria do martírio, mas disse, em termos inequívocos, que a pessoa de Romero "é digna de beatificação". Incrivelmente, essas palavras pronunciadas pelo papa diante das câmeras e de dezenas de gravadores foram removidos das versões oficiais da entrevista publicadas nos meios de comunicação vaticanos.
A cinco anos desde esse surpreendente retoque textual, pode-se dizer que a fase romana do processo de beatificação ainda se encontra em um beco sem saída. Quem atua na qualidade de postulador perante a Congregação para as Causas dos Santos é o bispo Vincenzo Paglia, de Terni. E, junto ao dicastério vaticano, o cargo de relator da causa foi confiado ao dominicano francês Daniel Ols, que também acompanhou a causa do Beato João Paulo II. Mas os teólogos e os historiadores da Congregação nunca começaram a se debruçar sobre o material recolhido durante a fase diocesana.
A causa da Romero não avança por diversos motivos. No caso específico, teve um papel a coordenação necessária, nas causas de beatificação, entre a Congregação para as Causas dos Santos e a Congregação para a Doutrina da Fé. Depois do ano 2000, o ex-Santo Ofício começou a examinar as homilias, o diário e os escritos públicos de Romero para atestar a plena conformidade à doutrina católica. Naqueles anos, quem assumiu um papel preponderante na gestão do "dossiê Romero" – e que estimulou para que a causa não seguisse em frente – foi particularmente o cardeal colombiano Alfonso López Trujillo, na época influente consultor do ex-Santo Ofício, falecido em 2008.
Naquele momento, a Congregação para as Causas dos Santos recebeu disposições orientadas em um sentido dilatório. E, desde então, o mesmo dicastério vaticano não recebeu nenhuma contraindicação capaz de desbloquear o modo "stand by" e iniciar novamente, a sério, o processo, seguindo os passos e os procedimentos comuns. E isso apesar das palavras do papa sobre a figura de Romero, "digna de beatificação". E mesmo que as pesquisas realizadas sobre os textos do arcebispo assassinado também não evidenciaram erros de doutrina.
Segundo alguns setores, ainda hoje, levar Romero às honras dos altares equivaleria a beatificar a Teologia da Libertação, ou até mesmo os movimentos populares de inspiração marxista e os grupos guerrilheiros revolucionários dos anos 1970. Convicções refutadas há muito tempo pelos estudos do historiador Roberto Morozzo della Rocca, dos quais Romero surge como um padre devoto e atormentado, que se opôs à ditadura salvadorenha só por amor ao seu povo, dilacerado pelos esquadrões da morte.
Em todo caso, se e quando o processo recomeçar, prevaleceria até mesmo a orientação de estudar o pastor assassinado sobre o altar como confessor/testemunha de fé, e não como mártir. Nos últimos anos, o dicastério vaticano para as Causas dos Santos reforçou firmemente que só é possível falar de martírio quando a pessoa é morta pelo perseguidor in odium fidei. E, no caso de Romero, tal motivação não seria considerada apurável: parece prevalecer a ideia de que o que armou os assassinos – mandantes e executores – foi, sobretudo, o ódio contra uma figura pública identificada como inimigo político.
A esse respeito, surpreende a comparação entre o caso Romero e o de Jerzy Popieluszko (foto), o sacerdote de 37 anos trucidado em 1984 por um comando dos serviços de segurança da Polônia comunista. Óscar Arnulfo, em um El Salvador dilacerado pela guerra civil dos anos 1970, não aparece envolvido em formas de militância direta, como a que vinculava Popieluszko ao movimento sindical Solidarnosc. Na eliminação física do padre polonês, as motivações políticas dos carnífices são incontroversas.
No entanto, Popieluszko foi reconhecido mártir in odium fidei, e isso acelerou os procedimentos (para a beatificação dos mártires, não é necessária a confirmação canônica de um milagre realizado pela sua intercessão). Alguns elementos controversos relativos às circunstâncias da morte também não levantaram nenhum problema, como os documentados no precioso livro de Giovanni Barberini, L'Ostpolitik della Santa Sede (Il Mulino, 2007), em que o autor lembra que, durante uma investigação no apartamento do sacerdote assassinado, foi encontrado material explosivo, "provavelmente colocado pela própria polícia política".
Ainda em 2008, o então cardeal primaz da Polônia, Józef Glemp repetia que, "apesar dos processos, a história do padre Popieluszko não é totalmente clara: alguns detalhes são obscuros". O padre polonês foi proclamado beato em Varsóvia no dia 6 de junho de 2010. A sua causa de beatificação havia iniciado na Polônia em fevereiro de 1997 e havia chegado ao Vaticano para a sua fase romana em maio de 2001. De 1990 a 2007, o secretário do dicastério vaticano para as Causas dos Santos era o polonês Edward Novak, muito próximo do apartamento pontifício de então.
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Oscar Arnulfo Romero, a causa perdida - Instituto Humanitas Unisinos - IHU