Por: André | 17 Março 2012
A dirigente universitária revela que os estudantes estão discutindo a relação que terão com as organizações sociais e suas demandas, que estão sobre a mesa. E que o governo de Piñera vai privatizar e alienar os recursos.
A entrevista é de Christian Palma e Marcelo Garay e está publicada no jornal argentino Página/12, 15-03-2012. A tradução é do Cepat.
Na sede da Federação de Estudantes da Universidade do Chile (FECH) o verão ainda não dá trégua. Os 30 graus em média que abrasam Santiago não impedem que a dirigente universitária Camila Vallejo pose com sóbria naturalidade para as lentes de um repórter fotográfico. Já concedeu várias entrevistas à imprensa local e mostra-se um pouco agoniada. Diz estar inquieta porque “insistem com a minha candidatura ao Congresso”. Mas nos pátios da também chamada Casa dos Estudantes do Chile não há vontade para comemoração alguma, menos ainda por Piñera, que esta semana completou dois anos no governo do Chile. Para Vallejo, o fato de que Piñera ocupe a cadeira principal do La Moneda não é única coisa que hoje inquieta o país. Também o roteiro escrito pelos seus antecessores.
Eis a entrevista.
Em que momento político você estava quando Sebastián Piñera venceu as eleições? Sentiu que foi uma derrota?
Já estávamos trabalhando dentro do movimento estudantil. Todos sofremos um alto custo político. Surpreendeu-nos que no Chile ainda existisse um setor que avalizasse as políticas de direita com tal extremidade, mas não sentimos sua vitória como uma derrota. Cremos que foi uma cobrança, um ajuste de contas com a Concertación, que durante seus 20 anos de governo vendeu a pomada de ser de esquerda, e que não realizou a transição à democracia. Ao contrário, o que fizeram foi aprofundar, manter e acomodar-se ao modelo neoliberal.
Reconhece alguma virtude do governo de Piñera nestes seus dois anos de mandato?
Para além das diferenças políticas e ideológicas, eu esperava um grau maior de eficiência no governo, que foi, de certa forma, a promessa que fizeram durante a campanha. Tenho dificuldades para avaliá-lo em termos positivos, porque isso não foi realizado. Além disso, um governo também tem a responsabilidade de continuar certas políticas. Do contrário, não serve de nada ter governos que duram quatro anos. Nisso, claro, se pode reconhecer alguma continuidade, porque a Concertación também não realizou transformações de fundo. E o que a sociedade espera são mudanças profundas, não apenas modificações ou maquiagens. E isso se revela nas expressões sociais. Não somente no movimento estudantil, mas também, por exemplo, no que está acontecendo em Aysén.
E a explosão social do último período responde ao fato de que o Chile está sendo governado pela direita ou é uma questão mais de fundo?
Se fizermos um balanço de 2011, não podemos desconhecer que este é um movimento em desenvolvimento, é resultado de um processo histórico. Há ainda uma seguidilha de manifestações sociais anteriores: Magallanes, a greve dos trabalhadores do cobre, o movimento contra o projeto Hidroaysén, as greves dos empregados fiscais, as marchas pela diversidade sexual, a constante luta do povo mapuche. Mas o que aconteceu em 2011 não foi algo espontâneo que se deu pela necessidade de gerar uma oposição a um governo de direita, mas fruto de uma acumulação de descontentamento, inclusive, desde o retorno à democracia. O movimento estudantil, além de colocar no debate nacional o problema da crise educacional, reativou diferentes setores organizados e não organizados. E, o mais significativo, questionou o senso comum que estava “comodamente insensível” – como diria a música de Roger Waters – aos abusos do modelo.
Depois do périplo pela Europa, que você realizou com outros dirigentes, como visualiza a política exterior do governo?
A política implementada pelo Chile – não somente este governo – se centrou principalmente em tratados de livre comércio, na política macroeconômica e em vender uma boa imagem do modelo de desenvolvimento. Ao calor das mobilizações de 2011, cada vez mais este mito não se mantém em pé. O giro nos revelou o que se conhecia nos outros países do mundo, em base às relações que estabeleciam os governos da Concertación e o de Piñera: um modelo exemplar, o Jaguar da América Latina, alto crescimento econômico, um bom modelo de educação. E isso, cada vez mais, está sendo questionado, deslegitimado.
Como projeta o movimento estudantil no chamado “segundo tempo” de Sebastián Piñera?
O que aconteceu em 2011 marca, claramente, um antes e um depois na história do Chile. Temos a grande oportunidade de fazer com que o movimento se amplie e fortaleça sua capacidade de elaboração de proposta política, sustentada no trabalho de base, em assembleias territoriais, cidadãs, ou em qualquer forma de articulação multissetorial democraticamente constituída. Espaços que não podem trabalhar isolados ou atomizados. Requer-se, necessariamente, de uma coordenação nacional onde todas as organizações sociais envolvidas tenham sua representação. Esse é o desafio. O movimento estudantil está discutindo a relação que terá com essas organizações sociais e as demandas que já estão sobre a mesa: reforma tributária, renacionalização dos recursos naturais – particularmente do cobre –, mudança no sistema político, a necessidade de uma assembleia constituinte. O caminho vai por aí. O nível de deslegitimação do sistema e daqueles que o sustentaram e aprofundaram durante todos estes anos nos coloca em um momento oportuno para dar esse passo. Ninguém quer apenas explosões sociais ou movimentos meramente testemunhais. Queremos mudanças concretas e profundas.
Nas reformas políticas conduzidas pelo atual governo se avançou (diz-se) na inscrição automática e no voto voluntário. A suposição é que agora 4,5 milhões de novos eleitores vão às urnas. Acredita que será assim?
Esse cenário é bastante incerto. Creio firmemente que o voto deveria ser obrigatório. É algo complexo, porque pode provocar um aumento de abstenções, ainda mais com a deslegitimação da política que existe entre os jovens. Agora, com o que aconteceu com o movimento estudantil, pode ser que isso tenha mudado, mas nada garante. Então, me preocupa o fenômeno que pode causar o voto voluntário.
Você vê a direita em um segundo período de governo?
Nem a direita está derrotada nem o modelo está derrotado. Claramente está questionado, fissurado, mas não está derrotado. Diante disso, é preciso preparar-se, construir alternativas. Porque não queremos repetir nem um governo de direita nem um com as características da Concertación. Primeiro, o desafio é produzir uma alternativa. Agora, creio que este governo também deu sinais do que vai acontecer nas próximas eleições presidenciais, apressando-se a privatizar e alienar os nossos direitos e recursos, a última alternativa que nos resta, a exemplo do que está acontecendo com o lítio. Isso pode ser um sinal político. Um dizer: “Bom, vamos embora, mas não saímos com as mãos vazias”.
E a Concertación vê alguma possibilidade de ser outra vez governo?
A Concertación não tem chances. Há uma crise profunda nesta coalizão. Não tem um projeto político que lhe permita abrir a possibilidade de uma vitória eleitoral. Creio que o futuro da Concertación vai se decidir este ano. Talvez haverá setores dentro dela que se definam abertamente contrárias ao modelo que defenderam durante anos e se incline para uma ala mais de esquerda ou mais progressista, mas não creio que exista alguma possibilidade. Essa coisa da Concertación 2.0 é inaceitável. E espero que isso se expressa nas urnas.
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“A sociedade chilena espera mudanças profundas”, afirma Camila Vallejo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU