16 Março 2012
A escassez de chuva que começou a castigar o Rio Grande do Sul em novembro do ano passado provocará a maior quebra da safra local de grãos desde 2004/05 e também vai restringir o desempenho da economia gaúcha neste ano. O tamanho do impacto ainda é incerto, mas a indústria, o comércio e o próprio governo estadual já projetam perdas de receitas, reforçando a tendência de que, ao contrário do que ocorreu em 2011, o Produto Interno Bruto (PIB) do Estado deverá crescer menos do que o brasileiro neste ano.
A reportagem é de Sérgio Ruck Bueno e publicada pelo jornal Valor, 16-03-2012.
"O Rio Grande do Sul deve descolar do crescimento brasileiro", prevê o economista Martinho Lazzari, da Fundação de Economia e Estatística (FEE), vinculada à Secretaria do Planejamento do Estado. Ele não arrisca o tamanho da desaceleração, mas baseia a projeção numa série que mostra a relação entre o desempenho da agropecuária gaúcha e as variações do PIB estadual e nacional desde 2001.
"Nos últimos 11 anos, em dez deles vigorou a máxima de que, quando o produto da agropecuária gaúcha cresce acima do PIB gaúcho, o PIB do Estado cresce acima do PIB brasileiro. E, quando ocorre o contrário, o PIB gaúcho expande-se menos que o nacional", escreveu o pesquisador na edição de janeiro do boletim "Carta de Conjuntura", da FEE. Nesse período, em quatro anos o setor agropecuário teve desempenho negativo devido às estiagens.
No ano passado, o Estado colheu safras recordes de soja e arroz, de 11,7 milhões e 8,9 milhões de toneladas, respectivamente, e o terceiro maior volume de milho da história (abaixo apenas de 2000/01 e 2006/07), com 5,8 milhões de toneladas. Como consequência, o valor adicionado bruto (VAB) da agropecuária cresceu 18,8% sobre 2010 e puxou a alta do PIB local para 5,7%, ante a expansão de 2,7% do produto nacional, lembra Lazzari.
Conforme o pesquisador, a agropecuária responde por 9,9% do PIB estadual, mas a influência do setor vai a quase um terço quando se leva em conta o "sistema econômico" que inclui fabricantes de insumos, máquinas e implementos, fornecedores de financiamentos e indústrias de alimentos, por exemplo. Além disso, o peso da agropecuária no Rio Grande do Sul é maior do que a média brasileira, de 5,6%, e do que a participação do setor nas economias dos principais Estados, explica.
O contraponto ao bom desempenho da economia gaúcha em 2011 aparece com clareza nos números de 2005, quando o valor adicionado bruto agropecuário caiu 17,4% e o PIB local caiu 2,8%, ante a expansão de 3,2% do produto nacional. Na época, uma seca ainda mais devastadora dizimou as lavouras gaúchas de milho, que produziram apenas 1,5 milhão de toneladas, e de soja, que não passaram de 2,4 milhões de toneladas, conforme a série histórica da Emater-RS. O arroz, por ser uma cultura irrigada, caiu apenas 4% ante a safra anterior, para 6,1 milhões de toneladas.
Para a safra 2011/12, a Emater-RS prevê, agora, 7,1 milhões de toneladas de soja, 3 milhões de toneladas de milho e 7,4 milhões de toneladas de arroz. Em comparação com a safra passada, as perdas nas três culturas chegariam a quase 8,8 milhões de toneladas (ou 33%) e R$ 5,3 bilhões, tomando como base os preços dos grãos vigentes no início deste mês. Em relação às expectativas iniciais, mais modestas do que a colheita de 2011, a quebra seria de 6 milhões de toneladas (25%) e se aproximaria de R$ 3,6 bilhões.
Além de impactar negativamente o desempenho da indústria, comércio e serviços com a menor circulação de renda no campo, a quebra da safra afeta a arrecadação de ICMS, acrescenta o secretário da Fazenda, Odir Tonollier. A redução é estimada em R$ 200 milhões brutos (incluindo os 25% a que os municípios têm direito) no ano e não chega a ser assustadora diante da receita prevista de R$ 21,2 bilhões com o imposto no orçamento de 2012. Mesmo assim, "aperta um pouco mais" as finanças do Estado e exige medidas compensatórias como maior controle do custeio e mais fiscalização para evitar eventuais desvios, explica.
Conforme Tonollier, a queda na produção local de milho aumenta a entrada do produto de fora do Rio Grande do Sul para fabricação de ração pelas indústrias de carnes de aves e suínos. A operação gera um crédito equivalente à alíquota interestadual de 12% para as empresas compradoras, que utilizam o benefício nas vendas internas dos produtos finais. O problema é que alguns Estados oferecem reduções fiscais, mas alguns compradores lançam o crédito integral na apuração do imposto a pagar, o que exige o reforço da fiscalização, explica o secretário.
Segundo o diretor-executivo da Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav), José Eduardo dos Santos, em anos normais as indústrias de aves e suínos do Rio Grande do Sul "importam" de outros Estados de 1,5 milhão a 1,6 milhão de toneladas de milho, principalmente do Paraná, Mato Grosso e Goiás, para suprir parte da demanda de quase 4,5 milhões de toneladas. Com a quebra da safra deste ano, porém, as compras em outras regiões do país deverão chegar a até 2,5 milhões de toneladas, estima o executivo.
O impacto da seca nesta safra e a frequência com que as estiagens costumam afetar a agricultura gaúcha também levaram o governo estadual a lançar um programa de estímulo à irrigação. Conforme o secretário da Agricultura, Luiz Fernando Mainardi, o projeto prevê subsídios de R$ 275 milhões aos produtores para triplicar a área irrigada no Estado até o fim de 2014 em comparação com os 105 mil hectares atuais (excluídas as lavouras de arroz, que chegam a 1,1 milhão de hectares).
O programa prevê subsídios na primeira e na última parcela dos financiamentos para aquisição de equipamentos de irrigação, que têm prazos de pagamento de oito a 12 anos (em prestações anuais), sendo três de carência. Para os pequenos produtores, que podem tomar até R$ 130 mil pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), o benefício será de 100% das duas parcelas.
Para os médios agricultores, com limite de financiamento de R$ 300 mil pelo Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp), o subsídio será de 75% em cada uma das parcelas, enquanto para os grandes, que podem tomar empréstimos de até R$ 500 mil pelo Programa de Incentivo à Irrigação e à Armazenagem (Moderinfra), o desconto será de 50%. O governo também eliminou a necessidade de licença da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) para o uso de reservatórios com até dez hectares de área alagada, que poderá ser substituída por laudo de "técnico competente", informou Mainardi.
Fiergs projeta perdas de até R$ 10 bilhões
Para a Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), a irradiação dos efeitos da seca poderá significar uma perda de até R$ 10 bilhões para a economia gaúcha, o dobro do valor da safra perdida (quando comparada com o ciclo anterior) e o equivalente a 4% do Produto Interno Bruto (PIB) do Estado em 2011. Já o desempenho da indústria poderá cair, no limite, 11%, influenciado, além da estiagem, pela conjuntura desfavorável formada pela desaceleração da economia mundial e pela manutenção do real valorizado, diz o presidente da entidade, Heitor José Müller.
"A quebra da safra de soja e milho afeta diretamente toda a cadeia agroindustrial, como os segmentos de biodiesel, de óleo de soja, de suínos e de frangos", diz ele. Conforme Müller, a arrecadação total do Estado também deverá sofrer um impacto negativo de R$ 1,2 bilhão no ano em função da queda da compra e venda de mercadorias no campo e nas cidades e da redução do nível de atividade do setor de serviços. A estimativa supera de longe a projeção perda de R$ 200 milhões brutos em ICMS feita pela Secretaria da Fazenda.
A seca também levou a Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado (Fecomércio-RS) a rever de 5% para 4% a 4,5% a previsão de crescimento do volume de vendas do comércio varejista no Estado neste ano. Em 2011, conforme o IBGE, a expansão do setor no Rio Grande do Sul foi de 6,1%.
Segundo a economista da entidade, Patrícia Palermo, a previsão inicial de desempenho para 2012 já era menor devido à esperada desaceleração da economia e da criação de empregos em todo o país. "Mas aí veio a seca, que terá mais efeitos negativos sobre o comércio." De acordo com ela, a abertura de postos de trabalho no setor no Estado este ano também deverá ficar abaixo das 29,9 mil novas vagas criadas no ano passado.
A desaceleração das vendas do comércio só não será maior, entende Patrícia, devido à perspectiva de manutenção da trajetória descendente dos juros. A decisão do governo de reduzir a taxa Selic serve de estímulo ao consumo, mas uma visão mais clara do impacto dos fatores que puxam o desempenho do setor para lados contrários só será possível nos próximos dois a três meses, acredita a economista.
Segundo ela, nas regiões mais atingidas pela seca no Estado e ao mesmo tempo mais dependentes da agricultura é possível estabelecer três níveis de impacto da estiagem sobre o comércio. Entre os segmentos considerados "críticos" estão as concessionárias de automóveis e as lojas de móveis, eletrodomésticos, colchões, joias e relógios, que devem apresentar queda de vendas em relação a 2011.
Já os ramos sujeitos a um impacto "moderado", que deverão registrar taxas de crescimento das vendas menores que no ano passado, incluem vestuários, calçados e materiais de construção. Por fim, entre as atividades "pouco afetadas", que devem manter o mesmo ritmo de expansão, estão alimentos, medicamentos e combustíveis, explica Patrícia.
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Seca faz a economia gaúcha desabar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU