12 Março 2012
Solidariedade e fraternidade: paradigma daqueles que pensam que só é possível sair juntos da crise, na proximidade evangélica, com o seu caráter subversivo, paradoxal e universal. Não a lei do bando, mas sim a do grupo que inclui a todos.
A opinião é do cientista político e leigo católico italiano Christian Albini, em artigo publicado na revista italiana Tempi di Fraternità, nº. 3, de março de 2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
“Sabeis, pois, distinguir muito bem os aspectos do céu;
mas não reconheceis os sinais dos tempos!”
(Mt 16,3b)
Como eu me sinto e como eu me coloco, como cristão, neste momento diante da crise econômica? É uma questão que vale a pena enfrentar, se trazemos no coração a possibilidade de que a fé seja lâmpada para os nossos passos, para usar as palavras do salmista, hoje também. É a exigência de um acreditar encarnado, e não espiritualista. É a exigência de que o Evangelho ainda saiba falar a nós e não seja apenas eco do passado.
Não pretendo me adentrar nas questões da "cozinha" política e do mérito dos procedimentos individuais. Estes últimos são aspectos técnicos, certamente importantes, mas que, em uma escala de prioridade, estão em um segundo momento. Há um aspectos específico que a perspectiva da fé pode trazer. Mas não é fácil captá-lo, porque ele permanece evitado, até mesmo por parte de muitos católicos.
Certamente, é mais fácil dizer antes em que ele consiste. Não se trata, por certo, de tomar parte, como fiéis e como comunidades cristãs, das alquimia partidárias que, neste momento, buscam redesenhar o cenário republicano. São discursos de tática que pouco têm a ver com o Evangelho. No entanto, a especulação sobre o (re)posicionamento dos católicos ocupa o centro da cena, especialmente depois do encontro de Todi, abençoado pelo cardeal Bagnasco [presidente da Conferência dos Bispos da Itália]. Nem se trata de aproveitar a ocasião para jogar a carta dos valores inegociáveis e tentar obter concessões, vantagens e contrapartidas deste ou daquele. Aqui também, pouca relação com o Evangelho.
Enfim, a crise não pode ser um pretexto, aproveitando a fraqueza da política, para consolidar uma relevância social da instituição eclesial. Seria o oposto do "entre vocês não deverá ser assim" (Lucas 22, 25) com o qual Jesus adverte os seus de exercer um poder como os grandes do mundo.
Severino Dianich publicou um livro pequeno em dimensão, mas relevante no conteúdo, que capta o ponto e merece se tornar uma contribuição importante à reflexão contemporânea: "Para os apóstolos, não era a transformação da sociedade que faria avançar o evangelho, mas sim a difusão do evangelho que transformaria a sociedade" (Chiesa e laicità dello Stato. La questione teologica [Igreja e laicidade do Estado. A questão teológica], Ed. San Paolo, 2011, p. 8). Sim, a especificidade da contribuição cristã à situação da crise consiste em saber ler e enfrentar a situação atual à luz do evangelho, sem se confiar a princípios de autoridade, hipotecas morais ou tentações neotemporais escondidas por trás da máscara da religião civil e da defesa de uma natureza não especificada. Só testemunhando com a vida que, do evangelho, nascem um estilo de relações e uma prática de humanidade alternativos aos dominantes é que os cristãos darão uma contribuição própria.
Onde está a raiz da crise? Parece-me vê-la em um déficit de humanidade, uma questão antropológica, para usar uma terminologia que muitos desfraldam – até com violência – só quando estão em jogo as questões da bioética e depois parecem esquecer. A crise econômica revela os limites de um modelo de pessoa centrado no indivíduo e de relações sociais centradas no lucro. Não consiste nisso, talvez, a hipertrofia dos mercados financeiros, com todas as suas turbulências?
Justamente o ápice da economia financeira revela o seu limite, porque as suas patologias especulativas quebram o sonho de um bem-estar fácil ao alcance de todos, enfraquecendo os direitos e exacerbando as desigualdades. Não há soluções e receitas à mão, mas duas estradas são bastante claras.
Uma estrada conduz da extremização do egoísmo e da injustiça: cada um por si, de modo que quem tem garantias e privilégios, mesmo que só uma fatia, mantém-nos firmemente e os defende contra tudo e contra todos. Encerra-se novamente em seu próprio clã, no seu território, na própria categoria social, como em uma fortaleza sitiada. Na falta de outra coisa, encerra-se em sua própria identidade, identificando inimigos para odiar e combater, como nos racismos velhos e novos. Em tal selva à insígnia do homo homini lupus, segundo um darwinismo impiedoso, quem tem acaba por ter ainda mais, e a todos os outros só resta esganar-se em uma guerra entre pobres.
Há, porém, uma outra estrada. É a solidária e a fraterna daqueles que pensam que, da crise, sai-se juntos e que encontram o seu paradigma na proximidade evangélica, com o seu caráter subversivo, paradoxal e universal. Não a lei do bando, mas sim a do grupo que inclui a todos.
A primeira estrada intensifica a desigualdade. A segunda indica, como primeiro passo, a direção de uma redistribuição de riquezas e recursos, pressuposto para se sustentarem uns aos outros. Para acreditar que isso é possível é preciso esperança, a virtude as horas difíceis. E virtude difícil. Além disso, até mesmo nós que acreditamos não levamos muito a sério as bem-aventuranças, sugestionados como somos pelo fascínio de ter e do valer. A cultura do bem-estar e da imagem nos contagiou ao ponto de que já não nos perturbam mais nem a casa luxuosa, nem a conta bancária que cresce desmedidamente, nem o uso e o abuso do poder, nem a multiplicação dos bolsões de pobreza.
Além de acreditar nisso, é preciso torná-lo possível edificando, no primado da fé, a Igreja como comunidade alternativa. "É uma rede de relações baseada no evangelho, que se coloca em uma sociedade fragmentada, de relações frágeis, fracas, principalmente funcionais, muitas vezes conflitantes. Nesse quadro de sociedade, a comunidade alternativa é a 'cidade sobre o monte', é o 'sal da terra', é a 'lâmpada no candeeiro', é a 'luz do mundo' (cf. Mt 5, 13-16)" (Carlo Maria Martini).
Não um grupo autorreferencial e separado, nem aliança para aparecer e contar, mas sim presença discreta, ideal de fraternidade em devir, que mostra a uma sociedade fragmentada e dividida que podem existir laços gratuitos e sinceros, que não são só relações de conveniência ou de interesses, que o primado de Deus também significa o surgimento do que há de melhor no coração do ser humano e da sociedade.
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A crise econômica e as perplexidades dos cristãos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU