Por: Jonas | 08 Março 2012
Riccardo Shamuel Di Segni é o primeiro rabino chefe de Roma que descende de gerações nascidas e crescidas na capital italiana. Há exatamente 10 anos, em seu exórdio na sinagoga, pediu uma resposta corajosa ao alarme que arrasava o Ocidente após o 11 de setembro, momento a partir do qual “o horizonte é agitado por ameaças de guerra, terrorismo e extremismo de todos os tipos”. No dia da posse, Riccardo Shamuel Di Segni, novo líder espiritual dos judeus romanos, enviou uma mensagem clara sobre os temas mais candentes e concluiu seu discurso bendizendo a comunidade judia, reunida no Templo Maior, e exortando-a ao diálogo com todos, “com as religiões, mas também com as culturas e as diferentes sociedades, que sempre deve iniciar pelo pressuposto da paridade da dignidade”.
No início de março de 2002, após meio século de direção espiritual do rabino Elio Toaff, Di Segni, tomou as rédeas do judaísmo romano. E, agora, uma década depois, o rabino chefe de Roma faz, para o “Vatican Insider”, um balanço das relações com a outra margem do Tibre e fala das questões não resolvidas com a Santa Sé.
A entrevista é de Giacomo Galeazzi, publicada no sítio Vatican Insider, 05-03-2012. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Riccard Di Segni, o senhor é o rabino chefe de Roma (a comunidade judia mais antiga da Europa) e levou Bento XVI à Sinagoga de Roma. Como estão as relações entre judaísmo e Igreja católica neste pontificado?
Encontramo-nos num momento histórico particular, no qual praticamente se esgotou a primeira grande carga da necessidade de apresentar claramente a luta contra o anti-semitismo e de construção do respeito. Hoje falta uma vontade de projeto, ou não se sente muito sua necessidade. As relações são boas, para além de um incidente e outro, mas parece que não se avança além da cortesia da boa vizinhança”.
O indulto da Santa Sé ao bispo negacionista Williamson, a oração da Sexta-feira Santa pela conversão dos judeus, a beatificação de Pio XII, o recente retorno dos lefebvrianos à Igreja, qual é atualmente o maior obstáculo para o diálogo entre os judeus e os católicos?
O evento de Williamson foi grave, mas o considero acidental; a oração de Sexta-feira Santa é a expressão de dificuldades teológicas não resolvidas e também indissolúveis; a história de Pio XII é questão da imagem ideal que a Igreja quer dar ao seu passado e presente; o retorno dos lefebvrianos, caso venha a acontecer sem condições, poderia colocar em discussão o Concílio. Não sei se toda esta lista é somente uma série de obstáculos ao diálogo ou se, ao contrário, é uma lista de verdadeiros problemas maiores para a Igreja do que para nós...
Os encontros inter-religiosos como de Assis são um modo válido para dissuadir a instrumentalização da fé nos conflitos políticos, econômicos, sociais?
Sempre tive dúvidas sobre a fórmula “católica-cêntrica” ou “papa-cêntrica” dos encontros de Assis, sobre a paz de fachada, sobre o fato de que a diferença bom e mau passe pela fé em Deus, qualquer que seja essa fé. A última edição de Assis, em tom decididamente menor, demonstra que nem sequer a própria Igreja católica acredita em tudo isto. As dissuasões teriam que ser construídas de outra maneira.
Por que Karol Wojtyla tinha uma relação “especial” com os que ele chamou “irmãos maiores”?
Existe um destino estranho no mundo católico. Há pessoas que não se interessam, efetivamente, por nenhum tipo de relação com o judaísmo, outras ao contrário sentem curiosidade, atração, ou são fortemente antagonistas, mas de todos os modos percebem o judaísmo como uma realidade com a qual é necessário medir-se para definir a própria identidade. Na história pessoal de amizade do papa Wojtyla, acredito que foi decisivo o ambiente em que passou sua juventude, o judaísmo que conheceu de perto e que viu como desaparecia diante de seus olhos.
Pertencer a uma nação forma a identidade e direciona claramente as decisões pessoais. Porém, seguramente, alemão não quer dizer nazista. Ser alemão é uma realidade cultural complexa. Obviamente, incide na história do século XX com suas tragédias, mas é também muito mais do que isso.
Joseph Ratzinger falou diversas vezes da tragédia do Holocausto. O que o separa de Bento XVI na interpretação histórica do Holocausto?
Simplificando o máximo possível, em primeiro lugar, não compartilho sua interpretação do nazismo como um bando de criminosos que passou na Alemanha, transformando deste modo uma culpa nacional não coletiva, porém amplamente compartilhada pela responsabilidade de um pequeno grupo.
Você vivenciou tanto a visita de João Paulo II ao Templo Maior de Roma, como a de seu sucessor Bento XVI. Quais foram as diferenças entre elas?
Na primeira visita eu só era um expectador. A primeira visita foi um momento de revolução histórica. A segunda, a confirmação de um caminho e direção, portanto esta última também foi muito importante. O mundo, em 25 anos, mudou muito, avançando nas relações, as pessoas mudaram... Não poderia ser uma cópia do evento.
Os três monoteísmos descendem de Abraão. Atualmente, o que pode ajudá-los a superar as tensões?
O fato de ter uma raiz comum, não evita de nenhum modo, ao contrário, aguça os conflitos. Existem várias receitas possíveis para não se devorar: a primeira poderia ser o conhecimento direto e pessoal; a segunda a sugestão de se olhar mais as necessidades do mundo do que as próprias teologias.
Para o judaísmo, as divergências com o Islamismo e a cristandade são mais religiosas ou geopolíticas?
O problema com a cristandade é histórico e teológico, com o Islamismo parece muito mais vinculado à política; parece ser isso, mas também, no final poderia ser precisamente religioso, então, sim, haveria razões para se preocupar...
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“Falta um projeto para o diálogo entre as grandes religiões”, afirma rabino chefe de Roma - Instituto Humanitas Unisinos - IHU