Por: Cesar Sanson | 02 Março 2012
Militante relata momento de profunda revolta entre o povo grego após aprovação de mais medidas de austeridade.
A reportagem e entrevista é de Cristiano Navarro e publicada pelo Brasil de Fato, 01-03-2012.
A crise pôs Atenas em chamas. Enquanto parlamentares aprovavam medidas de austeridade contra os trabalhadores, 45 prédios (principalmente bancos e repartições públicas) eram incendiados por manifestantes na capital grega. O pacote de “maldades”, aprovado no dia 12 de fevereiro e encaminhado ao congresso pelo primeiro-ministro Lucas Papademos, é uma exigência do Fundo Monetário Internacional (FMI), da União Europeia (UE) e do Banco Central Europeu (BCE) – que formam a chamada troika – para liberar um resgate de 130 bilhões de euros (R$ 296 bilhões).
Os compromissos assumidos pelo governo grego incluem o corte de 15 mil empregos públicos, uma redução de 22% no salário mínimo, a flexibilização de leis trabalhistas (para facilitar a demissão de trabalhadores) e um pacote de impostos e reformas previdenciárias. Os países europeus querem que a Grécia economize mais 325 milhões de euros este ano.
No domingo (dia 12 de fevereiro) em que a população se revoltou contra as medidas, Kostis Damionotas esteve entre os manifestantes que ocuparam a prefeitura de Atenas por algumas horas, até serem expulsos por forças policiais. Trabalhadores públicos e privados têm sofrido com a grave situação que atravessa o país. Entre as categorias de funcionários públicos que não tiveram cortes estão os policiais e clérigos da igreja ortodoxa – sustentados pelo Estado.
Kostis, que milita em grupos autônomos e em uma cooperativa de trabalhadores da agricultura, avalia o momento vivido por seu país como aquele em que a troika está com a “bota” no pescoço dos gregos, mas adverte: “os gregos têm, historicamente, a tradição de se revoltar contra o opressor quando não aguentam mais a bota do invasor”.
Como está a situação política hoje na Grécia?
O que tem acontecido nos últimos meses é que o governo eleito, em 2009, anunciou em 2011 uma coligação com a direita e a extrema direita e agora temos um governo que não tem a aprovação da população. Essa configuração de governo não eleito passa muitas medidas que não são consultadas nem junto ao povo nem ao parlamento. Por isso, recentemente houve uma rebelião na base dos partidos de apoio do governo, quando 50 deputados saíram dos partidos governistas e foram para a oposição.
Como foi recebido esse novo pacote de austeridade?
Esse novo pacote prevê cortes maiores do que o anterior. A troika, inclusive, está impondo cortes de salário no setor privado, contrariando a ideia de que o setor privado é livre para se autorregular. Além disso, temos mais cortes em aposentadorias e salários do setor público. Tem casos que, no setor público, desde o começo dessa crise os trabalhadores perderam mais de 50% de seus salários. Com essas medidas de austeridade absurdas o índice de desemprego subiu. Oficialmente o desemprego está em 20%, mas na realidade está em torno de 45%. A situação é muito complicada. Você vê as pessoas desanimadas e começam a surgir atitudes de desobediência e revolta até por parte de pessoas que nunca pensaram em sair às ruas, nunca pensaram em quebrar propriedade privada ou propriedade pública, ou jogar pedra na polícia. No domingo [dia 12 de fevereiro] mais de 45 prédios em Atenas, principalmente de bancos. Foram queimados pela indignação e revolta do povo.
Em que direção estão indo os protestos neste momento?
Parece que estão indo para uma direção de caos.
Mas quais são as organizações sociais de esquerda que se apresentam?
Nesses últimos dois anos têm surgido bastantes associações e organizações com perfil de auto-organização. Quer dizer, tem várias frentes de discurso patriota, outros com discurso socialista, movimentos não institucionais e autonomistas. Além disso, a esquerda parlamentar está se fortalecendo nas pesquisas de opinião. O desafio é juntar todos esses grupos em uma frente que vai resistir de forma organizada a esses ataques protagonizados pelo Estado e pela troika.
A Grécia tinha previsão de uma nova eleição geral para abril deste ano e os bancos disseram que só aprovariam os recursos caso todos os candidatos assinassem um compromisso com as metas impostas pela troika. Como está o cenário eleitoral para daqui a dois meses?
A demanda da troika é uma coisa absurda e ridícula. A concordância, antes das possíveis eleições, de todos os partidos políticos, ou mesmo dos partidos governistas, em implementar a medidas exigidas pelo acordo é uma concessão de soberania e de escravidão antecipada. Então, isso já é ridículo. Agora, além dessas vozes que dizem que precisamos fazer uma eleição para renovar os mandatos, há outras vozes dentro do governo de coalizão que dizem que temos que esquecer as eleições. Por isso é difícil prever o que pode acontecer. O que eu avalio é que se a troika conseguir que essa exigência seja assinada por todos os partidos, as eleições devem acontecer em abril e certamente a Grécia vai receber o desembolso do novo pacote. Se não houver a garantia dos partidos, as eleições não devem ser realizadas e o atual governo de tecnocratas seguirá por tempo indeterminado.
Como é formado o governo hoje?
O governo é formado em sua maioria por ministros que são deputados tecnocratas de diferentes partidos, que seguem governando sem nenhuma autoridade. É parecido como o que está acontecendo na Itália.
Como as greves vem influenciando a vida das pessoas? Há problemas de abastecimentos de comida e combustível?
As greves são repetitivas e massivas de setores individuais e gerais, dos setores públicos e privados. Falta comida sim, mas falta comida porque as pessoas não têm dinheiro pra comprar. Então você vê filas enormes em lugares que doam comida, como igrejas e prefeituras. Diferentemente de antes, hoje 90% das pessoas nas filas são gregos e nunca tiveram problemas financeiros antes. Só pra imaginar, hoje temos mais de 20 mil pessoas desabrigadas em Atenas, que não têm como pagar aluguel, perderam o emprego e estão morando nas ruas. É muita coisa para uma capital europeia. E a perspectiva é que a situação piore muito caso saia o embargo de importação de petróleo do Irã. A União Europeia está preparando esse embargo e se isso acontecer a Grécia vai sofrer bastante, pois mais de 30% de nosso abastecimento de petróleo vem do Irã. Além disso, nós recebemos com crédito, quer dizer que não pagamos diretamente. Se isso acontecer a economia vai entrar em colapso mesmo.
Há alguma expectativa de derrubada do governo?
Não se pode descartar essa possibilidade de revolta generalizada, até porque os gregos têm, historicamente, a tradição de se revoltar contra o opressor quando não aguentam mais a bota do invasor, que nesse caso é bota da troika no nosso pescoço. Só que eu não vejo isso acontecer agora. Isso pode acontecer um pouco mais pra frente, quando entrarmos na situação de falência, quando mexerem na poupança do povo ou acontecerem mais demissões. Quando essas condições se materializarem será uma situação madura para se realizar essa revolta. Mas com certeza essa é uma situação que já vem sendo discutida pelo povo. Pela reação das pessoas nas manifestações, vê-se que esse cenário está muito perto.
Como a população tem visto uma possível saída do país da zona monetária do euro?
A possível saída do euro causa medo na população, mas o custo que nós gregos pagamos para permanecer na zona do euro... eu diria que equaliza esse medo. Há cada vez mais vozes dizendo “foda- se o euro, vamos sair e, se sairmos, que tudo vá para baixo”.
Era possível a Grécia imaginar uma situação como essa? E vocês estão olhando para o futuro?
Anos atrás essa situação era previsível. Os sinais de que esse sistema liberal ruiria eram muito óbvios, mas ninguém nunca imaginaria ver tantas pessoas em situação de miséria. O povo grego é um povo capaz de fazer muita coisa. Por sua tradição política e histórica, tem um potencial de se virar bem. É muito triste esse sistema ter colocado a população toda na posição de réu. É triste ver pessoas perderem sua honra e sua autoestima. Não só uma questão pessoal, mas de país. E isso pode ser constatado quando olhamos que 45% dos jovens estão desempregados e passaram a sair do país de qualquer maneira. Parece que estamos em uma situação de guerra
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... E a troika incendiou a Grécia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU