02 Março 2012
O papa defende o secretário de Estado: ele tem defeitos, mas vai ficar.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no sítio Vatican Insider, 01-03-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"Estes são os documentos que devem ser vistos e apresentados, dos quais me chama a atenção a verdade histórica". O cardeal Tarcisio Bertone ostenta tranquilidade. Cercado pelos seguranças vaticanos que o acompanham em todos os lugares, recém-chegado à mostra Lux in Arcana sobre os documentos do Arquivo Secreto vaticano, ele respondeu dessa forma às perguntas dos jornalistas que lhe perguntam sobre o clima envenenado levantado pelo "Vatileaks".
Mas, se de fora – na recente entrevista com o Tg1 e nos inúmeros compromissos públicos –, o "primeiro ministro" vaticano parece sereno, muito diferente é o ar que se respira do outro lado do Tibre, onde continua a caça à "toupeira" que vazou os documentos confidenciais que acabaram na mídia: das cartas de ex-secretário do Governatorato Carlo Maria Viganò, que denunciava episódios de corrupção na gestão dos contratos no Vaticano, às notas confidenciais sobre o IOR [o chamado Banco do Vaticano] e sobre o debate interno acerca das normas antilavagem de dinheiro; da nota anônima sobre o suposto complô contra o papa, à carta com a qual o secretário de Estado intimava o cardeal Dionigi Tettamanzi a deixar a presidência do Instituto Toniolo – a "caixa-forte" da Igreja Católica – para dar lugar ao bertoniano Giovanni Maria Flick.
O que cresceu nos últimos dias foi principalmente o mal-estar perceptível em importantes episcopados na Europa e no mundo. Dois anos atrás, depois do caso da revogação da excomunhão do bispo lefebvriano Richard Williamson, negacionista sobre as câmaras de gás, alguns cardeais italianos e europeus tentaram pedir que o papa aceitasse a renúncia de Bertone, que em pouco tempo completaria 75 anos.
Uma tentativa nesse sentido foi feita pelos cardeais Camillo Ruini, Angelo Bagnasco, Angelo Scola e Christoph Schönborn durante um encontro com Bento XVI em Castel Gandolfo. O papa, então, encerrou a discussão antes que ela se abrisse, como já havia feito anteriormente diante das críticas contra Bertone expressadas por outros purpurados, como o arcebispo de Colônia, Joachim Meisner.
Ratzinger conhece Bertone há muitos anos, teve-o como número dois da Congregação para a Doutrina da Fé, aprecia a sua fidelidade e estava bem consciente, quando o nomeou em 2006 como sucessor do cardeal Angelo Sodano, de que a chegada de um purpurado não proveniente da carreira diplomática provocaria muitos tremores. Muitos colaboradores próximos do secretário de Estado leem o que está acontecendo como uma reação da velha guarda diplomática.
Mas, apesar das investigações cerradas confiadas à Gendarmeria Vaticana, até este momento a "toupeira" ou as "toupeiras" não foram localizadas. E, nas últimas semanas, os tremores estão se tornando um verdadeiro terremoto desestabilizador para toda a instituição, que parece ser atravessada, ou, melhor, dilacerada, por lutas de poder.
A crítica é contra o modo com que Bertone gerencia a Secretaria de Estado, o interesse excessivo pelos assuntos italianos – basta pensar na tentada e fracassada escalada para adquirir o hospital San Raffaele –, assim como os lobbies de plenipotenciários leigos, reais ou supostos, que agem em seu nome ou usam o seu nome.
Há duas semanas, por ocasião do Consistório, o mal-estar de muitos cardeais estrangeiros com a gestão da Cúria surgiu claramente em várias conversas face a face. Mais de um, mesmo sob a cúpula de São Pedro no fim da cerimônia para a criação dos novos purpurados, falou abertamente de possíveis candidatos ao papado para um futuro conclave. Um fato inédito. Diversos cardeais solicitaram informações sobre os "papáveis" e manifestaram desapontamento pela gestão italiana da Secretaria de Estado.
Até agora, Bento XVI continuou defendendo o seu primeiro colaborador dos ataques e das críticas: "Ele tem defeitos, assim como os seus antecessores tinham outros", ele teria repetido, levando a entender que quer manter Bertone perto de si por muito mais tempo, mesmo que, em dezembro próximo, ele completará 78 anos. O secretário de Estado parece estar firme, portanto, na cabine de comando, e há quem afirme que ele está meditando sobre clamorosas medidas de resposta, como a de uma nova substituição na cúpula do IOR.
Mas não devemos esquecer que a instituição eclesiástica está acostumada a proteger quem está sob ataque. Ratzinger gosta de ponderar com grande atenção sobre as decisões importantes, e, apesar do desconforto e das críticas feitas por vários cardeais, não sabemos se a renúncia apresentada pelo Bertone há dois anos e meio serão logo aceitas por Bento XVI.
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Vaticano: a rebelião dos cardeais estrangeiros contra o Bertone - Instituto Humanitas Unisinos - IHU