28 Fevereiro 2012
Todos os bispos no conclave: um possível remédio para o carreirismo no Vaticano e uma proposta para reformar a eleição do pontífice e reforçar o seu carisma.
A opinião é do historiador e jornalista italiano Ernesto Galli Della Loggia, professor do Instituto Italiano de Ciências Humanas de Florença (SUM), em artigo publicado no jornal Corriere della Sera, 26-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Sopram ventos de tempestade sobre a Cúria, ou seja, sobre os órgãos de governo da Igreja Católica. Há meses e meses, é uma sucessão de rumores maliciosos, de vazamentos de notícias mais ou menos guiados, de revelações mais ou menos confiáveis sobre uma miríade de fundo pouco edificante. Tudo testemunha uma única coisa: um áspero confronto dentro da direção da instituição eclesiástica. Um confronto que, seja qual for o seu conteúdo último, se apresenta acima de tudo como um confronto de poder, um confronto de fortes colorações pessoais entre este e aquele expoente da mesma instituição, entre este ou aquele grupo. Que, depois, amplificado pelos jornais que obviamente o ecoam, não deixa de produzir um descrédito profundo.
A esse propósito, pode-se bem dizer que, hoje, a Igreja Católica experimenta como nunca antes (mas já havia acontecido algo semelhante com os casos de pedofilia) o que significa o fato de ter perdido aquele direito "a prescindir" da proteção e do respeito públicos, do qual ela gozava, há algum tempo, em homenagem à sua natureza e à sua função. Direito anulada por 200 anos de secularização, aos quais se acrescenta o fato de que hoje os meios de comunicação de qualquer país – verdadeiros mestres do moderno espaço público e da imagem de qualquer instituição ou pessoa – refletem fortemente hierarquias de relevância e de pontos de vista ditados de fato pelo mundo anglo-saxão, historicamente nunca muito benévolo com relação a Roma.
Naturalmente, não é de se excluir que os confronto sobre os quais estou falando também tenham um conteúdo "doutrinal", religioso. Ou, por assim dizer, de "linha política". Mas, dada a particular organização da Igreja Católica, tais eventuais contrastes doutrinais, não dispondo de sedes estáveis as quais se dirigir de modo aberto, não podem senão assumir o aspecto do confronto pessoal. Onde o poder é pessoal, todos os contrastes se tornam, por força, de coisas pessoais. Tudo se centra no papel das pessoas, sobre o seu cargo: em uma palavra, sobre a sua "carreira". Nos sagrados palácios, o destino das ideias é confiado inteiramente ao destino dos homens: e só este assegura a vitória daquelas.
Trata-se de um elemento típico das organizações governadas por um poder soberano absoluto, como são precisamente a Santa Sé e a Igreja Católica. Em ambas, todas as coisas descendem do alto, incluindo as decisões sobre os encargos dos indivíduos. Decisões que aparentemente dependem definitivamente do poder de cooptação, que está todo nas mãos de uma só autoridade: o papa. Teoricamente, o papa pode nomear quem quiser a não importa qual cargo. Só teoricamente, porém.
De fato, ele deve necessariamente levar em conta ao menos dois fatores. De um lado, a tradição (à frente de certas dioceses, por exemplo, é tradição que haja cardeais), e, de outro, a força que todo candidato a esta ou aquela posição dispõe. Força que, na grande maioria dos casos, vem do fato de tal candidato fazer parte de um grupo, de um "lobby", geralmente dirigido por uma figura proeminente.
Daí, portanto, o inevitável domínio sobre a carreira dos altos eclesiásticos do espírito de filiação e de congregação. Em um árduo e muitas vezes impossível equilíbrio com a fidelidade à instituição E daí também os personalismos exacerbados, assim como um clima habitual de fofocas e de "boatos", mais ou menos transparentes do ut des ou de rivalidades sem exclusão de golpes. E também daí, no fim, uma fatal e abrangente piora qualitativa do dirigente pessoal, que, em vez do mérito, é obrigado a confiar a outros fatores as suas esperanças de sucesso.
Diante dessa situação de fato – que trai uma evidente patologia da atual organização do poder –, a tradicional reação do mundo secular e de parte do católico (provavelmente crescente) consistente na esperança de uma "democratização". Continua sendo sempre obscuro, no entanto, quais poderiam ser os seus conteúdos. Só os católicos ansiosos por reformas se aventuram a desejar uma nunca mais bem definida "maior colegialidade das decisões", um nunca mais bem definido "retorno ao espírito do Concílio". E os chamados seculares mais ou menos vão atrás.
Mas é realmente certo que é na direção da democracia, embora genericamente entendida, que deve se buscar uma solução? O que traz um pouco de dúvida não é só a ideia de que, em geral, "democratizar" a Igreja Católica – isto é, uma instituição que há 20 séculos funciona com princípios e regras diversos – é uma daquelas ideias que, francamente, deveriam abalar as veias nos pulsos. Há também um fato específico: ou seja, que qualquer "democratização" teria como resultado – além disso, desejado, porque ali estaria o coração da reforma –, de um lado, a publicidade do debate interno (melhor: dos inevitáveis e contínuos debates internos) e, de outro, o (seu) resultado, ao menos em parte, com base no princípio de maioria, porém definido.
No fim, o que mais é a democracia, de fato, senão precisamente essas coisas? O problema é que são justamente essas coisas (particularmente, a explicitação do conflito através da publicidade do debate) que tornam a democracia incompatível com o carisma. Isto é, com aquele atributo peculiar de uma autoridade (por antonomásia, a religiosa) por força da qual ela e as suas pronúncias são percebidas como algo impregnado de sacralidade e de sobrenaturalidade e, portanto, dignas de obediência incondicional.
Justamente por ser cenário de contínuos debates e conflitos, o mecanismo democrático, de fato, longe de poder aspirar a essa aura de excepcionalidade, é, ao contrário, submetido pela sua natureza à erosão de um contínuo relativismo, de um contínuo e sutil descrédito. É admissível, pergunto-me, que a Igreja Católica queria ter o mesmo fim, renunciar ao próprio carisma milenar para adotar os procedimentos de um parlamentinho eclesiástico?
Ao menos teoricamente, há, porém, uma outra solução, alternativa à chamada democratização, ou, melhor, de sinal certamente em sentido oposto. É a solução de um reforço ainda maior do papel do pontífice, isto é, da autoridade carismática: com a premissa, contudo, de algumas modificações na sua designação, capazes de satisfazer, de um lado, a necessidade de maior participação e, de outro, a exigência de reduzir os atuais fenômenos fins de rivalidade curiais com fins carreiristas.
Tais fins, pelo menos do nível de bispo para cima, se identificam com o de se tornar cardeal. O motivo é simples: de regra, só os cardeais estão à frente das congregações (isto é, dos ministérios da Santa Sé), só os cardeais têm o direito de eleger o papa e, na prática, só eles, por sua vez, podem ser eleitos ao sólio de Pedro. Os cardeais constituem, enfim, uma verdadeira oligarquia, e o papa é, de fato, um césar oligárquico.
Trata-se, então, de mudá-lo de césar oligárquico para um césar democrático. E de fazer isso especialmente mudando o mecanismo da sua designação. Por exemplo, estendendo o direito de eleitorado ativo e passivo do atual Colégio Cardinalício ao conjunto dos bispos de todo o mundo, aos quais poderiam se acrescentar (com o único direito de eleitorado ativo) os representantes das várias ordens religiosas. Tratar-se-ia de um número total de cerca de 6.000 pessoas, isto é, de um número tão alto e sobretudo heterogêneo de pessoas a ponto de fugir de uma possibilidade de "combinações". Pessoas essas que poderiam ser chamadas a se pronunciar, obviamente sem nenhum debate eleitoral preliminar, sobre candidaturas apresentadas por necessidade obrigatoriamente providas de um determinado número de assinaturas de apoio.
É fácil imaginar que um papa assim eleito – com maioria absoluta e, portanto, em caso de não obtenção desta, por um segundo turno entre os dois primeiros que chegaram ao primeiro turno – seria muito mais livre do condicionamento dos seus eleitores na gestão dos negócios centrais da Igreja. E, ao mesmo tempo, especialmente se à frente das congregações vaticanas bispos também pudessem ser nomeados, o mal costume carreirista atual seria notavelmente redimensionado. Naturalmente, ele sempre existiria, mas em certo sentido perderia a maior parte de sua razão de ser.
O papado é talvez o último exemplo de monarquia absoluta. Mas com a singularíssima característica de ser uma monarquia eletiva. Trata-se de entender se, para um monarca, é mais conveniente ser eleito por uma oligarquia ou por um "povo". Na longa história do absolutismo europeu, os monarcas mais inteligentes jamais hesitaram em considerar a oligarquia aristocrática como a fonte dos maiores perigos para o seu próprio poder e a boa ordem do Estado. E, contra as suas pretensões, jamais hesitaram em buscar, de algum modo, o apoio dos demais, daqueles "de baixo", contra os poucos "no alto". Talvez, chegou o momento de que, por trás dos antigos muros leoninos, alguém preste um pouco de atenção hoje a um exemplo semelhante.
P. S.: Este artigo parecerá para muitos um pouco veleidoso, senão até sem nenhum fundamento. Talvez seja. Mas é preciso lembrar aquilo que dizia um dos pais da Constituição norte-americana, James Madison: "Se os homens fossem anjos, só então não haveria necessidade de leis". No Vaticano, os homens também não são anjos. E não por acaso, de fato, a Igreja desde sempre foi uma mestra de regras e de direito. E toda regra, mais cedo ou mais tarde, passa do seu tempo.
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''O papado é frágil. Mais poder ao papa'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU