Por: Jonas | 28 Fevereiro 2012
A Igreja ortodoxa grega volta a se situar no centro do debate sobre a crise helênica. Desta vez, o responsável pela discussão é o arcebispo de Atenas e de toda a Grécia, Jerônimo II, que, com uma carta ao primeiro ministro Lucas Papademos, de alguns dias atrás, repudia a proposta alemã de intervenção fiscal na Grécia e ao mesmo tempo manifesta-se contrário às medidas de austeridade propostas pela União Europeia e o Fundo Monetário Internacional.
A reportagem é de Raffaele Guerra e está publicada no sítio Vatican Insider, 26-02-2012. A tradução é do Cepat.
A situação econômica da Grécia segue dependente do fio das negociações com os credores privados, com os quais o governo helênico chegou a um acordo sobre a redução aplicável ao rendimento dos títulos do estado, mas não será o último.
Sem o acordo, no entanto, é difícil que Atenas possa receber o segundo pacote de ajudas, que alcançaria a cifra de 130 bilhões de euros. Numa situação desse tipo, a cúpula europeia, com a liderança da Alemanha, faz pressões para que o governo de Papademos siga colocando em marcha as medidas requeridas: privatização das empresas públicas, correção em manobras do orçamento, sem esquecer o golpe recebido pelo setor público com a redução dos salários e a demissão de quase 30 mil trabalhadores.
Se por um lado a carta do arcebispo Jerônimo pronuncia-se a propósito da situação do chamado “país real”, abalando a solidariedade dos gregos em fazer frente à grave crise econômica e declarando-se contrário à abolição do salário mínimo de garantia, situado em 988 dólares mensais, por outro, o documento enfrenta as petições da Europa e, em matéria de política econômica, defende a soberania grega. “Exigiram compromissos”, disse o texto, “que não resolvem efetivamente o problema, adiando temporariamente a morte anunciada de nossa economia. Pedindo-nos como garantia a nossa soberania nacional. Querem que hipotequemos nossa riqueza e nosso patrimônio cultural”.
Embora o diário grego Kathimerini tenha sublinhado que esta é a primeira declaração explicitamente política realizada pelo arcebispo de Atenas, há tempo a igreja grega leva a cabo negociações com o governo a respeito dos impostos tributados sobre seus bens e dos fundos estatais destinados aos salários dos párocos, pagos como se fossem funcionários públicos. Nestes últimos meses, não faltam polêmicas que acusam a igreja grega de não pagar, como todos, o preço da crise. A resposta não demorou, pela via já conhecida de tornar públicas as cifras pagas ao erário público. Uma nota do último mês de setembro informa que a igreja grega pagou, em 2010, 2,5 milhões de euros em impostos, dos quais 1,02 milhão por conta do imposto sobre imóveis e 1,4 milhão sobre a renda. Precisamente em 2010, a igreja grega chegou a um acordo com o governo conduzido, então, por Papandreou, mediante o qual se converteu numa realidade sujeita a taxação. De modo particular, as medidas governamentais introduziram uma taxação de 20% sobre as atividades comerciais eclesiásticas e entre 5 e 10% sobre doações feitas por pessoas declaradas. Atualmente, a igreja grega é a maior acionista do Banco Nacional com uma porcentagem de 1,5% e, obviamente, contando com um representante no Conselho de Administração da instituição de crédito: o bispo de Ioánina Theoklitos.
Precisamente, é do início de 2012, a declaração de Jerônimo II, dirigida ao ministro grego de Finanças Evangelos Venizelos, na qual declarava que a igreja grega está disposta a ceder parte de seu patrimônio imobiliário ao estado para ajudar o país a enfrentar a crise gerada pela dívida. O arcebispo, nessa ocasião, declarou-se “muito otimista quanto à possibilidade de cooperar com a igreja a propósito dos instrumentos práticos para aliviar os sofrimentos dos mais necessitados”. Devemos recordar que segundo uma estimativa, efetuada pelo Banco Central de Atenas, as propriedades imobiliárias da igreja alcançaram a cifra de 702 milhões de euros. Em 2012 a igreja grega destinou mais de 100 milhões de euros para atividades de apoio social aos cidadãos em dificuldades. Como declarou Vasilios Meichanetsidis, responsável do serviço de comunicação do arcebispo de Atenas, só na capital a igreja distribui de 10 a 20 mil refeições diárias. A nova perspectiva da política social do sínodo de Atenas está orientada a investir nas propriedades de terras (no total 130 mil hectares) para financiar projetos de solidariedade social. E aquí estaria incluído o projeto de uma central fotovoltaica na propriedade do mosteiro ático de Penteli, cujos monges buscam investimentos para um total de um bilhão de euros.
Em outubro passado, numa carta dirigida ao presidente da Comissão Europeia, Manuel Barroso, ao presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, e ao então presidente do Parlamento Europeu, Jerzi Buzek, o santo sínodo ateniense expressou claramente sua posição: “Não podemos ter esperança”, lê-se no texto da carta, “numa sociedade em que a justiça social não prevalece. O homem, e de maneira especial o cidadão europeu, não deve ser visto pelos executivos como uma conta bancária. Seria um escândalo se os líderes europeus não se fizessem portadores das manifestações dos cidadãos comuns e se muitos cidadãos europeus fossem explorados como bens de consumo”. Ressaltando as debilidades éticas da política e da economia europeia, o documento sinodal conclui: “Como igreja não podemos dizer sim a este modelo social. Não podemos aceitar a alteração das conquistas europeias por meio das regras impessoais dos mercados financeiros e das agências de rating”. Além disso, em outro documento sinodal difundido em todas as paróquias, a igreja já havia se pronunciado contra a visita dos representantes do FMI, BCE e da Comissão Europeia a Atenas, definindo-os como a “força de ocupação estrangeira”.
Longe de não merecer atenção, as últimas declarações do arcebispo Jerônimo são o testemunho, se forem ainda necessárias, do modo no qual a igreja ortodoxa grega constitui a chave irrenunciável para compreender a atual situação helênica e observar o desenvolvimento da mesma (sobretudo com o atual ministro Venizelos, muito fechado aos ambientes eclesiásticos). O cristianismo ortodoxo na Grécia é a religião do estado e a Santíssima Trindade é o primeiro fundamento declarado da constituição helênica. O vínculo entre instituições civis e religiosas é uma realidade desde o século XIX, quando a igreja grega foi proclamada autocéfala, tornando-se independente de Constantinopla e assumiu a dianteira na revolução antiotomana e no processo de constituição do estado helênico.
O aspecto mais interessante dos últimos fatos que se está perfilando uma nova perspectiva nas relações entre o estado e a igreja que, no entanto, sem considerar uma separação, poderia desembocar-se em novas formas de convivência.
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A Igreja ortodoxa grega frente aos dilemas da crise grega - Instituto Humanitas Unisinos - IHU