20 Fevereiro 2012
"O feriadão do carnaval começa no dia em que a comunidade Kaiowá Guarani de Guayviri lembra os tres meses do brutal ataque, em que feriram vários membros da comunidade e sumiram com o corpo do Nisio. Dia da memória da resistência e da luta pela terra", escreve Egon Heck, do CIMI-MS, ao enviar o artigo que publicamos a seguir.
Segundo ele, "mesmo em tempos de alegria, de folia e de esquecer, é importante lembrar que a vida teve um antes e terá um depois. Dizem até que o Brasil começa a funcionar mesmo é depois do carnaval. Porém as violências contra os povos indígenas não param e seus inimigos estão ativos o tempo todo. Não esqueçamos que enquanto temos nosso justo descanso e alegria, testemunhas oculares dos fatos daquela fatídica manhã de 18 de novembro, tem que estar longe dos seus, como proteção, em algum lugar desse Brasil".
Eis o artigo.
Nem chegou ainda o carnaval, e Brasília começa se agitar. A questão das terras indígenas, quilombolas e unidades de conservação, são um dos alvos e motivos de preocupação. É que no final das atividades do ano passado, estava em pauta a votação da PEC 215, que traz para o âmbito do poder legislativo as decisões sobre definição das terras indígenas e quilombolas. Um acordo protelatório adiou a votação para o início das atividades de 2012. A bancada ruralista está apressada. A Frente Parlamentar de defesa dos Povos Indígenas, está preocupada e busca articular e consensuar propostas que possam frear o açodamento da aprovação da PEC, que será o fim do reconhecimento dos territórios indígenas e de quilombolas.
Nesta semana aconteceram várias movimentações em Brasília, em torno, especialmente da questão das terras indígenas no Mato Grosso do Sul. Os deputados da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, que visitaram várias comunidades indígenas no ano passado, estão procurando cumprir uma agenda de contatos, para cobrar agilidade e providencias concreta. Conversaram com o Presidente do Conselho Nacional de Justiça,ministro Cesar Peluzo, e depois com o Ministro da Justiça.
O silêncio dos corpos ocultados
Para quem gosta de números, é bom lembrar que fazem 90 dias do assassinato e sumiço do corpo do cacique Nisio Gomes do tekohá Guayviri. Fazem 832 dias do assassinato e sumisso do corpo do professor Guarani Rolindo Vera, do tekohá Ypo´i. Fazem 2.222 dias da expulsão da comunidade de Nhanderu Marangatu para beira da estrada. A comissão indigena que foi em seguida a Brasilia, voltou com a promessa de que a ação no Supremo Tribunal de Justiça, seria colocada em julgamento com a máxima brevidade, assim que recomeçassem as atividades do Tribunal, no início de 2006. Até hoje não foi julgado, propiciando a absurda situação de mais de 1.000 indígenas terem que viver em 124 hectares, dos 9.300 há. já demarcados e homologados pelo presidente Lula. Se passaram longos 6.616 dias desde que todas as terras indígenas deveriam ter sido demarcadas pelo governo federal, conforme determinou a Constituição de 5 de outubro de 1988.
Esses números nos dão apenas uma amostra da dimensão cruel com que são tratadas as questões indígenas em nosso país e de como se descumpre a Constituição sem o menor escrúpulo. Se condena povos ao extermínio assim como elimina milhares de espécies, como se destrói a natureza, se acaba com as matas e se contamina os rios. E o que é mais grave, não existe nenhuma sinalização concreta de que essa situação possa mudar, melhorar. Pelo contrário os indicativos e cenários previsíveis são de que longos dias, meses e anos de violência e negação dos direitos indígenas estão no horizonte das nossas elites e dos governantes desse país.
Enquanto isso o silêncio dos corpos ocultados de Rolindo Vera, Nisio Gomes continuam a falar alto exigindo justiça , tanto nos tribunais nacionais como internacionais. Esses números farão parte de uma campanha do SOS Povos Kaiowá Guarani que estará se desenvolvendo no decorrer desse ano.
Juntando forças
Representantes das comissões de Direitos Humanos da Câmara e do Senado, juntamente com representante da Comissão de Defesa da Pessoa Humana, membros do Cimi secretariado e do regional Mato Grosso do Sul, tiveram um encontro para traçar algumas estratégias com relação à demarcação das terras no MS. Após análise do quadro de violência e paralisia do governo federal no reconhecimento das terras indígenas, houve consenso de que a principal atitude a ser tomada é pressionar a Funai para que publique o quanto antes os relatórios de identificação. Conforme do Termo de Ajustamento de Conduta firmada pelo Ministério Público, a Funai e lideranças Kaiowá Guarani, em 2008, os relatórios de identificação deveriam ter sido publicados já há 978 dias. Infelizmente nenhum dos prazos está sendo cumprido.
A intenção do grupo reunido no congresso nacional era definir estratégias para fazer avançar o processo de demarcação das terras indígenas no Mato Grosso do Sul e juntar forças para impedir a aprovação da PEC 215, que certamente inviabilizaria totalmente o processo de reconhecimento das terras indígenas e quilombolas.
Estranhamente a Funai e o Ministério da Justiça não enviaram representantes para o debate aludindo a falta de uma decisão do governo a respeito da questão da indenização das terras dos títulos de boa fé, dentro da legislação atual, ou a aprovação de um Projeto de Emenda Constitucional. Para o grupo reunido, baseado em diversos estudos, pareceres e posicionamentos de entidades e organizações indígenas e indigenistas, a solução da indenização é possível dentro do atual quadro constitucional.
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