Por: André | 15 Fevereiro 2012
“Agora, só agora, meu Deus, compreendo porque, cada vez que ele mostrava sua plantação a quem o visitasse, apontando para a mostardeira e mostrando na palma da mão as minúsculas sementes, lembrava da parábola do grão de mostarda (Mt 13, 31-32), como se fosse a primeira vez. A vida dele estava ali: podia parecer minúsculo diante de outros profetas mais conhecidos, que a fecundidade do Reino produziu, mas abrigará em seus ramos a muitos e muitas que farão a beleza de uma nova história”, escreve o Pe. Jaime Schmitz em seu testemunho sobre dom Ladislau Biernarski.
Pe. Jaime é membro do clero da diocese de São José dos Pinhais e acompanha a Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Paraná. Atua também junto às Pastorais e Movimentos Sociais.
Dom Ladislau faleceu na segunda-feira, dia 13, e a missa de corpo presente será hoje, dia 15, às 9 horas, seguida do enterro.
Na noite de ontem, terça-feira, membros do Cepat estiveram no velório. Chamou a atenção o grande número de pessoas que se fizeram presentes. A Catedral estava sempre cheia, com caravanas de pessoas chegando e saindo. Debaixo de uma chuva fina e persistente, as pessoas se aproximavam de dom Ladislau para dar-lhe um último adeus e, não raro, afastar-se com lágrimas nos olhos. Cantos em polonês foram entoados para marcar também sua ligação com este povo e esta língua que era também a sua. Um clima de comoção e de grande e irreparável perda tomava conta de todos e todas.
Muitas lideranças sociais marcaram presença. Fizeram-se presentes também dom Tomás Balduíno, bispo emérito de Goiás e ex-presidente da CPT nacional, e dom Enemésio Angelo Lazzaris, bispo de Balsas e vice-presidente da CPT nacional.
Eis o depimento do Pe. Jaime Schmitz
Costumo dizer nas celebrações de exéquias que a melhor maneira de cultivar a memória de quem partiu é continuando seus exemplos e projetos, palavras, gestos e atitudes que nos marcaram. Destaco o que aprendemos com Dom Ladislau Biernaski.
Seu jeito de viver simples e na pobreza de bens materiais faz destacar ainda mais sua riqueza imaterial, o cultivo dos valores que não passam, dos tesouros e alegrias do Reino, que são os que importam e que nada e ninguém poderá de nós tirar. É mais um exemplo de que podemos ser felizes com pouca coisa. Preciso lembrar continuamente a mim mesmo que o clero deve ser o primeiro na Igreja a viver o conselho evangélico da pobreza.
Sempre nos repetia o ensinamento de São Vicente de Paulo: “Os pobres são nossos senhores e mestres”. Como bom vicentino, mostrou carinho e respeito aos(às) empobrecidos(as) e ficava irrequieto quando, por algum motivo, não se podia atender alguém necessitado(a) que aparecia em seu portão, e indignado quando algum dos irmãos menores de Jesus (Mt 25, 40) era humilhado, manipulado ou não reconhecido em sua sabedoria.
Seu senso crítico era notório, sempre questionando as coisas, não aceitando tudo que lhe vinha ao ouvido. Isso fez com que seu amor aos(às) empobrecidos(as) não se reduzisse a ações paliativas e convocasse o povo cristão a superar o assistencialismo.
Sua incansável luta, até estes últimos tempos de múltiplas tarefas e de doença, junto às Pastorais Sociais e Movimentos Sociais, nunca será por nós esquecida. Esteve por muitos anos com a Comissão Pastoral da Terra, nos níveis estadual e nacional, insistindo na viabilidade da reforma agrária e da agroecologia, fazendo-se presente com a solidariedade de um pastor onde estavam os(as) camponeses(as) e nas nossas Romarias. Também dedicou-se à Pastoral Operária, Pastoral do Menor, à Pastoral Carcerária e ajudou a organizar a Cáritas e as Pastorais Sociais no nível do Regional Sul II (PR).
Não apenas o fundador e inspirador dos vicentinos habitava nele, mas também um Francisco de Assis, porque amava, a exemplo do jovial e alegre cantor das belezas do Criador, os animais e as plantas, dedicando-se às flores e à sua horta, com leguminosas, cereais, tubérculos, verduras, frutas e plantas medicinais.
Morando por um ano na mesma casa, até abril de 2007, pude saborear também de seu bom humor, e, frequentemente, trocávamos piadinhas...
Mais recentemente, quando assistia ao programa em que Dom Ladislau era um dos entrevistados sobre a vida de Dom Hélder Câmara, fiquei pensando: esses bispos são dons de Deus para nós e para toda a gente sofredora que alimenta a esperança de "novos céus e nova terra, em que habita a justiça" (2 Pd 3, 13). Comblin chamava os bispos da primavera conciliar na América Latina de "Santos Padres da América Latina", insistindo em que aí se incluíam não apenas os que deixaram escritos ou foram mártires, mas, de cada país, dezenas de bons pastores. E não esqueçamos das mulheres que reluzem na profecia.
Agora, só agora, meu Deus, compreendo porque, cada vez que ele mostrava sua plantação a quem o visitasse, apontando para a mostardeira e mostrando na palma da mão as minúsculas sementes, lembrava da parábola do grão de mostarda (Mt 13, 31-32), como se fosse a primeira vez. A vida dele estava ali: podia parecer minúsculo diante de outros profetas mais conhecidos, que a fecundidade do Reino produziu, mas abrigará em seus ramos a muitos e muitas que farão a beleza de uma nova história, pois essa utopia, que era dele e é nossa, que, antes de tudo, era de Jesus, estará sempre à nossa frente para que não paremos de caminhar confiantes. Agora sinto que Dom Ladislau é mais uma destas pessoas-sementes, que continuarão dando frutos.
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Dom Ladislau, gente-semente, mais um dom de Deus. Testemunho do Pe. Jaime Schmitz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU