Por: Cesar Sanson | 14 Fevereiro 2012
A professora Laísa Santos Sampaio voltou ao assentamento Praialta Piranheira, em Nova Ipixuna (PA), na tarde desta segunda-feira (13), depois de receber a premiação póstuma oferecida pela ONU aos ambientalistas brasileiros José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo, assassinados no Pará em maio de 2011. Ela é irmã de Maria e voltou a morar em sua casa, ao lado da fazenda onde morou o casal de extrativistas, mesmo sob os efeitos do medo e das ameaças de morte.
A reportagem é de Glauco Araújo e publicado pelo portal Globo Natureza, 13-02-2012.
O local é o mesmo onde ela já passou por um atentado em agosto do ano passado. Este é o endereço dela há pelo menos 11 anos. "Vivo com medo aqui. Qualquer barulho assusta, mas preciso continuar. Não são só ameaças, tem muito mais coisas que não posso falar ainda. Moro com meu marido e um casal de filhos, de 12 e 14 anos no assentamento. Precisamos cuidar do legado que José Cláudio e minha irmã deixaram na região, do espírito de proteção da floresta. Não foi à toa que foram chamados de herois da floresta na ONU", disse Laísa ao G1.
Laísa disse que a luta dela na região do assentamento era mais direcionada às pessoas, à comunidade. "Meu trabalho aqui estava mais ligado a projetos educativos e de pedagogia. Cláudio e a Maria estavam mais ligados à luta em defesa da floresta, do meio ambiente."
A professora chegou a Marabá (PA) na tarde desta segunda-feira e seguiu direto para Nova Ipixuna antes do anoitecer. Sobre a premiação póstuma, Laísa disse que sentiu gratidão e que teve de conter a emoção para não chorar durante o evento da ONU. "A gente fica gratificado pelo prêmio, mas primeiro veio a tristeza pela morte deles. Pensei comigo naquele momento: preciso ser forte e falar o nome dos dois aqui. Passou um filme na minha cabeça", afirmou.
Lembrança de família
Laísa lembrou de uma frase dita pelo cunhado José Cláudio antes de morrer. "Ele sempre me dizia assim: minha velha [modo como ele chamava Laísa], um dia o mundo vai conhecer a nossa história. E o mundo acabou reconhecendo isso na ONU, o trabalho que eles fizeram para as futuras gerações. A voz deles foi calada, mas o trabalho deles permanece", disse a professora.
"A Laísa teve de voltar para a roça [assentamento] porque ela não tinha para onde ir e não tinha como se manter na cidade. Eu saí de lá para não morrer", disse Claudelice Silva dos Santos, 29 anos, que permanece no Pará, em local não divulgado por razões de segurança. Ela é irmã de José Cláudio.
"Ela [Laísa] saiu do assentamento, mas voltou para lá. Agora, ela também é vítima, pois precisou voltar com medo. As autoridades nunca fizeram nada sobre essas ameaças. Não são só os três que estão no inquérito policial sobre a morte de meu irmão que fazem as ameaças. Tem uma quarta pessoa, que já foi identificada pela Polícia Federal, mas que não aparece no inquérito da Polícia Civil. Esse fazendeiro ainda está lá e faz ameaças diretas para ela, não é ameaça indireta, é direta mesmo, coisa de passar na porta da casa, de jogar a caminhonete para cima da moto dela [Laísa]", disse Claudelice.
Fuga para viver
"As providências sobre a morte de meu irmão e de minha cunhada não foram tomadas como deveriam ser. Nem mesmo sobre as ameaças que sofremos. Eu tive de sair da minha cidade para sobreviver, para não morrer por conta dessas ameaças. Tive de arrumar emprego fora", afirmou Claudelice.
Ela contou que precisou se afastar das duas filhas e da mãe, que ainda sofre com a perda do filho José Cláudio. Os encontros familiares, atualmente, são feitos na calada da noite, cada vez em um local diferente. "A gente se encontra em dias alternados, sem rotina, e articula a proteção do meio ambiente da região ainda hoje. Não posso ficar sem ver minhas duas filhas e minha mãe, que está péssima por causa da morte de meu irmão. Todos os dias ela chora, a família está toda separada. Chega a dar um nó na garganta", disse Claudelice, emocionada.
Marcados para morrer
"Nós temos mais de 100 nomes de pessoas na lista de marcados para morrer. Meu irmão era ameaçado de morte desde 2000 e nunca saiu dessa lista. Nunca nada foi feito. Agora não adianta mais, temos de cuidar de quem está vivo. Esperamos que essa premiação da ONU chame a atenção para isso. É um trabalho super reconhecido lá fora e no nosso país. A gente nunca superou, a família está totalmente destruída, esfacelada", afirmou Claudelice.
A premiação
Durante a cerimônia de encerramento do Ano Internacional da Floresta, em Nova York, a organização exibiu um vídeo sobre a vida e o assassinato do casal de extrativistas e exaltou o trabalho dos dois na preservação da floresta amazônica. A irmã de Maria do Espírito Santo, Laísa Santos Sampaio, recebeu uma medalha em nome do casal assassinado.
"Na Amazônia tem se intensificado casos de assassinato de pessoas que, como eles, defendem a floresta. A Amazônia é manchada de sangue e essa mancha continua se espalhando", disse Laísa durante o evento nesta quinta-feira. "Estamos felizes e ao mesmo tempo tristes. Essa premiação é um misto de sentimentos, mas um reconhecimento do trabalho deles ainda em vida", disse Claudelice.
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"Vivo com medo no Pará", diz irmã de extrativista premiada na ONU - Instituto Humanitas Unisinos - IHU