13 Fevereiro 2012
Voz dissonante entre políticos e economistas alemães, Peter Bofinger defende o indefensável hoje na Alemanha: mais dinheiro, mais tempo e menos austeridade à Grécia.
E mais: atribui à chanceler alemã, Angela Merkel, uma parte da responsabilidade pelo alastramento da crise por toda a Europa.
Bofinger, 57, é um dos membros do Conselho Alemão de Especialistas em Economia - chamados de "Os Cinco Sábios" -, órgão independente que assessora o governo federal em matéria de política econômica.
A entrevista é de Carolna Vila-Nova e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 13-02-2012.
Eis a entrevista.
O sr. sustenta que o resgate grego foi mal desenhado desde o início e que só levou o país ainda mais para o buraco. Por quê?
Primeiro, o prazo foi equivocado. Pensou-se que se poderia mudar uma economia dentro de um ou dois anos. Isso estava vinculado à ideia de um sistema mais eficiente de impostos, o que de fato a Grécia precisa, mas não é algo que se consiga da noite do dia, pois estão lidando com pessoas reais.
Também se tinha a ideia de promover a privatização rápido. Mas numa economia em depressão não se pode esperar obter grandes receitas com privatizações e que as pessoas estejam dispostas a comprar esses ativos, então isso foi ultra-ambicioso.
Além disso, o Fundo Monetário Internacional realmente não se deu conta do quão negativo seria o impacto dessas medidas no crescimento, e as estimativas de crescimento para os anos de 2011 e 2012 foram também superestimadas.
Por fim, a Grécia recebeu dinheiro, mas com uma alta sobrecarga, de 3%, e não com os baixos juros que o FMI e os demais poderiam ter garantido.
Outro problema grave é que o programa inteiro se concentrou no deficit fiscal, que é algo muito difícil de alvejar porque depende da performance geral da economia.
A situação foi pior que o esperado, o deficit foi mais alto que o esperado, e então uma nova rodada de medidas veio, e a situação piorou ainda mais. Até chegar ao ponto de a economia grega estar em queda livre. E pedir que adotem mais medidas de austeridade e demitam tantos funcionários públicos não é algo que vá parar essa queda livre; ao contrário, irá acelerá-la.
Qual solução o sr. vê?
Desde o princípio, o programa deveria ter se concentrado em itens sobre os quais o governo poderia ter mais controle, como cortes de gastos em administração pública, salários, investimentos, defesa. O problema agora é que o sistema está em tamanho desarranjo, que é difícil encontrar uma solução.
É uma implosão econômica o que está acontecendo na Grécia. O cabeleireiro não consegue ir ao restaurante, e o garçom não consegue ir ao cabeleireiro. Quando isso acontece de maneira generalizada, há uma implosão.
Mas esses cortes a Grécia já está fazendo, certo?
Na verdade, ninguém sabe e o progresso não é medido nesses termos. Um dos maiores problemas desses resgates é que não há transparência. Você alguma vez viu uma lista do que eles tinham de cumprir, do que fizeram e do que não fizeram? Já viu uma lista das principais metas? Alguma "checklist"? Isso é muito importante, mas não é discutido publicamente.
Foi dito na UE que não seria um problema se a Grécia saísse da zona do euro. O sr. concorda?
É extremamente ingênuo dizer isso. Porque o próximo afetado seria Portugal.
A crise criou vários problemas psicológicos. Um deles foi quando Merkel e Sarkozy disseram, em outubro de 2010, que credores de países do euro poderiam não receber 100% de seus investimentos.
Se você agora insinua que a adesão à UE não é para sempre e que, se houver problemas, ela poder ser cancelada, você provoca o tipo de pressão que pode levar à saída de outros países. Porque aí na Espanha, na Itália, na Irlanda, vão começar a especular.
Na Europa, as pessoas têm a crença ingênua de que, se não apoiarmos mais a Grécia e ela se tornar insolvente e abandonar o euro, poderemos nos livrar dela. Acontece que ela continuará lá e a UE não pode permitir que um país importante entre num estado de desordem pública, de pobreza extrema.
Não há alternativa senão manter a ordem na Grécia. E dar a ela dinheiro, mesmo se abandonar o euro e se tornar insolvente. É parte da nossa família. Não podemos construir um muro em volta deles e deixar que morram de fome.
E se a Grécia quebrar?
Há um risco altíssimo de que deixe o euro, porque os bancos gregos não terão mais o refinanciamento do Banco Central Europeu e todos os seus ativos não valerão nada.
E qual a possibilidade de uma ruptura da zona do euro?
Cada vez maior. Há muita gente brincando com fogo numa sala que está cheia de gás. Toda essa especulação de políticos sobre calotes ou abandono da zona do euro ou mesmo sobre a criação de um comissário europeu para o orçamento grego não é boa.
Há alguma solução que não envolva novo dinheiro para a Grécia?
Não. A única coisa possível agora é que se reconheça que o dinheiro de credores públicos e privados muito provavelmente não será pago totalmente e que o deficit orçamentário não vai ser reduzido no curto prazo. Eles precisam de mais tempo e o deficit grego terá de ser financiado pelos europeus por algum tempo.
O sr. sugere que países em regime de austeridade devem mudar o foco do corte de gastos para o aumento de receitas. Como isso pode ser feito hoje?
Em todos os países com problemas o potencial de impor impostos àqueles com alta renda não foi totalmente usado. Na Alemanha pós-unificação, a faixa mais alta foi de 56%. ]
Por que não?
Não é que eu seja contra medidas de austeridades. É claro que esses países têm de fazer alguma coisa. Mas algo que não seja tão prejudicial ao crescimento que torne as coisas piores. Uma coisa estranha nesses pacotes é que ninguém parece ter consciência de que há limites. Qualquer engenheiro sabe que uma ponte suporta um limite de peso. E esses limites também têm de ser respeitados em política econômica.
Como o sr. avalia a performance de Merkel?
Creio que ela tem responsabilidade pelo agravamento da crise. Ela é parcialmente responsável pelo fato de que uma crise que antes era limitada a determinados países ter se espalhado por toda a Europa e que neste ano devemos experimentar uma severa recessão na zona do euro.
A abordagem correta para a Grécia deveria ter sido a seguinte, na primavera de 2010: "Vamos encontrar medidas realistas que vocês podem adotar e controlar para sanar suas finanças. As medidas podem ser dolorosas também, mas façam uma lista. E se vocês cumprirem os compromissos dessa lista, lhes daremos dinheiro, e salvaguarda a seus credores".
O que deveria ter sido feito é explicar para o público alemão desde o início o que está em jogo e, com aquela lista na mão, dizer: "Viu, eles estão cumprindo o prometido".
Daí, se a situação econômica piorasse, não teria sido sua culpa. O principal problema da abordagem dos políticos alemães é dizer que esses países não estão fazendo quase nada, que estão lá tomando sol, mas que ainda assim daremos dinheiro a eles. E isso os cidadãos alemães não entendem.
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Merkel é responsável pelo agravamento da crise grega - Instituto Humanitas Unisinos - IHU