12 Fevereiro 2012
Mesmo sem ser uma questão assim tão nova, o debate sobre a inexistência de Deus reaparece hoje em 22 Estados do País, provocando a costumeira polêmica. Com debates, palestras, bate-papos e até shows de humor, o 1.º Encontro Nacional de Ateus ocorre após ter levantado na internet uma oposição até improvável: a crítica mais ferrenha e numerosa veio de ateus descontentes com a ideia de que um encontro se confunde com a criação de uma religião... de ateus.
A reportagem é de Paulo Saldaña e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 12-02-2012.
As primeiras ideias desses encontros, "para conhecer pessoas que pensam igual", foram da estudante gaúcha Stíphanie da Silva, de 22 anos, aluna do primeiro ano de Física na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Stíphanie faz parte da Sociedade Racionalista, organização que se compromete a defender ceticismo, laicismo, ciência e ateísmo.
"Queremos o fim do preconceito contra nós, que não acreditamos em religiões, e fazer com que os ateus percebam que não estão sozinhos", diz. Stíphanie afirma que o preconceito existe e é forte. "Quando estava na 8.ª série, estudava em uma escola católica e questionaram o que Deus significa para nós. Respondi que era desnecessário e acharam um absurdo, fui mandada para a psicóloga e tudo mais."
Na internet, a estudante participa de um debate acalorado sobre a existência do Todo Poderoso, a importância das religiões e outros temas com gente de todo o País. A argumentação evoluiu até o ponto em que ela e outros racionalistas quiseram levar para a vida real toda a troca de ideias que ferviam nas redes sociais. "Nas conversas nas comunidades do Facebook, sempre insistimos para nos conhecermos. E o sucesso desse encontro está no fato de ser simultâneo, não é isolado em uma cidade."
Pelo Facebook, convocou no mês passado colaboradores pelo Brasil. Os representantes nos Estados trataram de arrumar um espaço para o evento e cuidar da agenda do dia - que é livre, pode ou não ser definida previamente e não tem horários fixos para começar e terminar. A única regra é que seja aberto a todos.
Usando a internet como aliada, promoveram um "tuitaço" no fim de semana passado que colocou o 1.º Encontro Nacional dos Ateus entre os três assuntos mais comentados no Twitter. Na esteira da divulgação, apareceram as críticas no microblog. "Olha uma nova religião aí, gente", postou @brunoibaldo. "O problema dos ateus é que parecem que vivem em função disso. Hello, vcs estão fazendo a mesma coisa que os religiosos...", escreveu @oimilla.
Sair do armário
Segundo Stíphanie, os encontros têm a ver com liberdade e respeito a ideias que vão da legalização do aborto à defesa de um Estado laico de fato, além do preconceito que sofrem outras religiões, como a umbanda, e grupos, como homossexuais. Mas é do posicionamento pessoal em relação às religiões e Deus que os encontros mais se ocuparão.
"Queremos que o ateu saia do armário", diz Stíphanie, referindo-se à frase do cientista britânico Richard Dawkins, autor de Deus, um Delírio e crítico voraz e reconhecido das religiões.
O empresário paulista Thiago Sprovieri, de 27 anos, diz que sua saga para "sair do armário" durou dez anos. "Eu fiquei escondido por muito tempo. Sou ateu e para me assumir foram dez anos", diz ele. "Desde que finalmente assumi, sofro preconceito até hoje. Não posso nem falar perto da minha família sobre isso."
O empresário é o organizador do encontro na cidade de São Paulo, ao lado de Fabrício Alves. Ambos também são da Sociedade Racionalista. Na capital paulista, o evento começa às 12 horas, no Planetário do Parque do Ibirapuera.
Entre os debates haverá, no meio da tarde, um show de comédia stand-up sobre o ateísmo. Às 18 horas se falará sobre o tema em torno do qual se criou tanta polêmica: "Os ateus devem se unir?" Sprovieri defende. "Acho que as críticas ao fato de nos unirmos vêm de gente muito radical. O encontro é para conhecer gente nova, ganhar amigos."
Orgulho ateu
O comerciante Ulisses Fonseca, de 45 anos, de Campinas, postou um vídeo no You Tube em que critica a postura do grupo. "Também não acredito em Deus, mas essa ideia é absurda. Eles têm a necessidade de que a ciência seja uma segurança como a que Deus dá para os fiéis", diz ele. "Quem é ateu não precisa ficar se confrontando, provocando."
A escolha do data não foi gratuita. Hoje, 12 de fevereiro, comemora-se o (não oficial) Dia do Orgulho Ateu. A inspiração vem do dia de nascimento do naturalista britânico Charles Darwin (1809-1882), autor de A Origem das Espécies. À obra se atribui a invalidação de parte do discurso religioso - Darwin, entretanto, não se dizia ateu, mas agnóstico (aquele que não acredita em Deus, mas não descarta totalmente sua existência).
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Sob crítica, ateus buscam se unir - Instituto Humanitas Unisinos - IHU