10 Fevereiro 2012
Durante todo o arco da crise dos abusos sexuais, as autoridades do Vaticano geralmente se queixavam do sensacionalismo e da parcialidade da mídia. Em 2002, o cardeal colombiano Darío Castrillón Hoyos recebeu uma série de perguntas em inglês durante uma coletiva de imprensa e depois rosnou sozinho que esse fato sozinho "já diz algo sobre o problema e lhe dá um contorno". Ainda em 2010, o cardeal italiano Angelo Sodano, ex-secretário de Estado, pareceu comparar a crítica da mídia a "fofocas mesquinhas".
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 08-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O tom da cúpula desta semana sobre os abusos tem sido marcadamente diferente. Senão uma gratidão bastante exagerada, os palestrantes ao menos ofereceram um reconhecimento ao fato de que qualquer progresso que a Igreja fez, muitas vezes foi como resultado da pressão midiática.
Na verdade, essas concessões geralmente foram associadas à insistência de que as lideranças da Igreja devem agora ir adiante, ao invés de esperar por mais uma tempestade midiática. Além disso, rastros de ressentimento com relação à perceptível hostilidade da mídia não estiveram totalmente ausentes.
Mesmo assim, em comparação com as atitudes vaticanas em outras ocasiões, pode-se quase dizer que o papel da mídia na crise está passando por uma reabilitação.
O simpósio desta semana, que reúne os bispos e superiores religiosos, juntamente com especialistas em proteção às crianças, foi intitulado Rumo à cura e à renovação. Ele está sendo realizado na universidade jesuíta Gregoriana, antes de um prazo final – que encerra em maio – para que as conferências episcopais de todo o mundo submetam as suas políticas antiabuso ao Vaticano.
Na noite de abertura do encontro, o cardeal norte-americano William Levada (foto), que preside a Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano, citou o Canadá, Estados Unidos, Brasil, Grã-Bretanha, Irlanda, França, Bélgica, Alemanha, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia como nações onde os bispos católicos adotaram fortes políticas antiabuso.
No entanto, disse Levada, os bispos desses países muitas vezes agiram apenas depois que a mídia os incitou a fazê-lo.
"Em muitos casos, essa resposta veio apenas depois da revelação de comportamentos escandalosos por parte de padres nos meios de comunicação públicos", afirmou.
Em outro ponto, Levada disse que a "tempestade de reportagens midiáticas sobre o abuso sexual no fim de 2001 e 2002" na imprensa norte-americana persuadiu os bispos dos EUA a adotar a sua Carta para a Proteção de Crianças e de Jovens Adultos, assim como um novo conjunto de normas sob o Direito Canônico baseado na Carta, ambos os quais são vistos agora como modelos globais.
As admissões de Levada são, talvez, especialmente reveladoras dado que, no passado, ele ocasionalmente liderou o ataque vaticano contra a perceptível parcialidade da mídia. Em 2010, ele atacou o New York Times, chamando a sua cobertura do passado do Papa Bento XVI como "deficiente para qualquer padrão razoável de imparcialidade".
Papel da mídia
Do outro lado do mundo, o padre sul-africano Desmond Nair disse à cúpula, na terça-feira, 7 de fevereiro, que as reportagens sobre os escândalos em outros lugares incentivaram as vítimas do seu país a se pronunciarem.
"Cada vez que os nossos meios de comunicação locais publicaram e destacaram casos e incidentes em outras partes do mundo, enfrentamos uma emergência de casos similares em nossa região", disse Nair. "Aquilo que havia sido suprimido por um tempo tão longo tornou-se mais fácil de enfrentar e lidar quando as histórias de outras pessoas passaram a ser ouvidas".
No decorrer de sua apresentação, Nair delineou a abordagem dos bispos sul-africanos, que formaram um subcomitê para definir políticas antiabuso ainda em 1994. Suas políticas, disse, refletem diversas prioridades:
Além disso, afirmou Nair, as políticas dos bispos também "enfatizam o dever da equipe da Igreja de informar as ofensas criminosas às autoridades estatais".
Durante declarações aos repórteres, Nair foi questionado sobre por que os bispos sul-africanos assumiram uma postura tão voltada para o futuro, especialmente à luz do fato de que muitas outras conferências da África ainda não adotaram políticas formais contra o abuso.
Nair disse que um fator é que há uma cultura de imprensa bastante agressiva e independente na África do Sul, que trouxe à tona casos de abuso e, assim, induziu os bispos a agir.
Na verdade, a mídia não recebeu um atestado de saúde completamente positivo.
Levada, por exemplo, queixou-se novamente de que Bento XVI "teve que sofrer ataques da mídia ao longo destes últimos anos em várias partes do mundo, quando ele deveria ter recebido a gratidão de todos nós, na Igreja e fora dela".
No entanto, o tom geral com relação à imprensa nesse encontro tem sido conciliador, até mesmo quase agradecido. À luz das experiências passadas, só isso já parece ser uma transformação digna de nota.
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Abusos sexuais em debate no Vaticano: repensando o papel da mídia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU