26 Janeiro 2012
A iniciativa do presidente do Paraguai, Fernando Lugo, de promover uma demarcação de terras no Departamento (Estado) de Alto Paraná acirrou um conflito entre sem-terra locais e sojicultores "brasiguaios" perto da fronteira com o Brasil. Ambas as partes falam que o problema pode resultar em "derramamento de sangue".
A reportagem é de Fabio Murakawa e publicada pelo jornal Valor, 26-01-2012.
Há cerca de dez dias, o governo enviou ao local soldados do Instituto Geográfico Militar para verificar se parte das terras hoje ocupadas por produtores brasileiros, conhecidos como "brasiguaios", pertenceria ao Estado. Cientes da presença dos militares, sem-terra acampados há mais de um ano na região passaram a acompanhar as demarcações, o que provocou confrontos e deu início, segundo os "brasiguaios", a uma onda de invasões de terra. Os brasileiros dizem ainda que as demarcações vêm sendo feitas sem ordem judicial.
Liderados por Victoriano López, presidente da Associação de Carperos do Alto Paraná, os sem-terra reivindicam a expropriação de 160 mil hectares de terra ocupadas por estrangeiros a menos de 50 km da fronteira. Eles são chamados de "carperos" por se instalarem em barracas de plástico ("carpas").
Em declarações à mídia local nesta semana, Lopez pediu a expulsão dos brasileiros e advertiu para o risco de violência. "Quando não tivermos outro caminho, senão ocupar as terras e expulsar os brasileiros, haverá derramamento de sangue", afirmou.
Procurado pelo Valor, López disse representar 14 mil camponeses que se sentem "estrangeiros dentro do nosso próprio país". "Há na região muitos brasileiros e não há paraguaios", disse. "Os brasileiros nunca foram molestados aqui, mas exigimos que respeitem a propriedade do Estado paraguaio."
Na entrevista, o líder camponês disse que muitos dos "brasiguaios" são vítimas de supostas atividades de grilagem de Tranquilo Favero, brasileiro que está há mais de quatro décadas no Paraguai e é tido como o maior produtor individual de soja do país. "Ele chegou [ao país], ocupou e vendeu terras públicas", afirmou.
López afirmou ainda que as agressões na região partem dos brasileiros e disse que o sangue derramado a que se referiu nas entrevistas será o dos sem-terra. "Nós não vamos sair daqui, não vamos desistir de tomar essas terras, e a polícia nos atacará."
Tranquilo Favero, por sua vez, disse ter uma propriedade de 30 mil hectares na região que já foi alvo de quatro medições judiciais desde 2008, a última delas há quatro meses. "Nessas quatro medições, não encontraram nada de errado", afirmou.
Favero criticou López, a quem classificou como "delinquente", e o presidente paraguaio, que "está incentivando as invasões".
Ele confirmou ter vendido terras para brasileiros na região, mas disse que todas as propriedades estão devidamente documentadas. "Não vamos entregar [as propriedades] porque somos nós quem produzimos.".
Segundo ele, os "brasiguaios" são responsáveis por cerca de 80% produção de soja do Paraguai, em torno de 8 milhões de toneladas.
Para Ovídio Zanquet, gerente da cooperativa de agricultores brasileiros Lar Paraguai, a demarcação de terra pode resultar em violência, caso se desapropriem fazendas dos "brasiguaios". "Se depender de entregar terras, vai ter problema mesmo", disse. "Ninguém vai querer entregar a propriedade na qual trabalhou por 20, 30 anos para aproveitadores, que não fazem nada."
A tensão na fronteira preocupa o governo brasileiro e foi tema de conversa entre o embaixador em Assunção, Eduardo dos Santos, e o presidente Lugo, dizem fontes do Itamaraty. Anteontem, em reunião com Lugo para tratar de investimentos, Santos "manifestou o desejo de que a situação se pacifique" na região e se resolva "pela forma do diálogo" e que a demarcação cumpra "todos os ritos judiciais".
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Demarcação de terras eleva tensão com "brasiguaios" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU