17 Janeiro 2012
Um grupo de cristãos de Quito reflete sobre como resistir ao tsunami conservador que arrasa, na Igreja Católica, todos os movimentos de base e a Igreja dos Pobres. E isso não só no Equador (lembre-se de Sucumbíos), mas sim em toda a América Latina e em outros países como a Espanha. É preciso ser simples como as pombas, mas astutos e realistas para combater o esmagamento e a marginalização que vêm do Vaticano.
O texto foi publicado no sítio Atrio, 11-01-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A Igreja dos pobres e a ofensiva conservadora: Lições e dilemas da nossa estratégia
Comissão de Vivência, Fé e Política, junho de 2011
A América Latina foi vista recentemente como o único continente que passou da resistência à construção de alternativas ao neoliberalismo. No entanto, a política econômica dos governos "progressistas" deixa ver que, embora as políticas implementadas se afastam do neoliberalismo em sua versão ortodoxa, ao mesmo tempo distam de ser uma alternativa ao capitalismo mundial.
No Equador, o verdadeiro horizonte do governo é uma economia extrativista com exploração mineira em grande escala. O grande desafio dos movimentos populares e de esquerda é se converter em fatores decisivos que pressionem por uma mudança radical e profunda que sente as bases para uma sociedade pós-capitalista. Tal desafio é mais complexo e difícil quando esses movimentos têm que enfrentar não só a ação da direita, mas também a repressão e a perseguição desses mesmos governos "progressistas".
No plano eclesial, assistimos a um dos momentos mais altos da ofensiva conservadora liderada pelo Vaticano. A vertiginosa ascensão aos altares de João Paulo II, principal gestor da contrarreforma eclesial, simboliza essa ofensiva. O Vaticano posiciona os movimentos eclesiais mais conservadores como o Opus Dei ou os Arautos do Evangelho (Tradição, Família e Propriedade) em antigas dioceses progressiva com a finalidade expressa de liquidar tudo o que resta da teologia da libertação. Apesar das resoluções em certa medida progressistas da V Conferência do Episcopado Latino-Americano realizada em Aparecida, em maio de 2007, as estratégias de resistência dos grupos populares eclesiais foram extremamente fracas.
O conflito na Igreja de Sucumbíos mostra a fragilidade e potencialidade dos processos libertadores perante a ofensiva conservadora. A importância da expulsão dos Arautos do Evangelho não pode ser minimizada. É uma grande conquista da resistência da Igreja dos Pobres. Não era fácil conseguir isso, e todos devemos nos felicitar e felicitar os irmãos da ISAMIS. Mas, no fundo, persiste um problema de estratégia. No fim dos anos 1960 e início dos anos 1970, a Igreja latino-americana pretendia fazer da Igreja Católica uma "comunidade de comunidades". Essa pretensão fracassou. Como bem propôs José Comblin quando nos acompanhou no Primeiro Encontro da Igreja dos Pobres, em 2006, "era ingênuo pensar que toda a Igreja se transformaria em uma comunidade de comunidades pobres. Isso era ignorar a história".
Devemos rever essa estratégia urgentemente. Um olhar aos processos eclesiais populares que vivemos nos permitirá identificar os principais dilemas estratégicos que enfrentamos e nos servirá para retificar com vistas a criar as condições básicas para resistir em melhores condições à ofensiva vaticana.
Apresentamos à discussão a nossa leitura de quais são esses dilemas centrais e quais são os desafios para uma estratégia renovada.
- Trabalhar em silêncio versus opção profética
Até agora, amplos setores da Igreja dos Pobres caminharam subordinados à institucionalidade eclesial, buscando "não fazer ondas", evitando os enfrentamentos abertos, as confrontações públicas e midiáticas. O custo dessa estratégia foi renunciar a um testemunho profético público e aberto. Essa estratégia, sem dúvida, contribui para construir estruturas locais de base, ganha-se tempo e se evita a intervenção da hierarquia conservadora, enquanto se desenvolve um trabalho de base que requer um papel ativo e uma liderança do clero. Mas, a longo prazo, se renuncia à ação profética pública e se sacrifica a possibilidade de contribuir para criar um imaginário social de uma Igreja distante do poder hegemônico, próxima dos interesses populares e dos processos de luta social. Uma Igreja que, como ocorreu durante os tempos de Dom Leonidas Proaño, em momentos de conflito, pode ativar uma rede estruturada de apoios políticos, uma importante mobilização social e ganhar a opinião pública de amplos setores.
- Trabalho local versus trabalho nacional
Até agora, a maioria da Igreja dos Pobres privilegiou o trabalho paroquial, a organização local e, no melhor dos casos, uma estratégia confinada ao âmbito diocesano. Carecemos de espaços de articulação nacional com estruturas próprias. O trabalho da Igreja Popular é prioritariamente localista e paroquial. Poucos estão dispostos a avançar em processos nacionais reais, em redes de comunicação, em estruturas que possam ativar a solidariedade entre os grupos locais. Os poucos vínculos continentais desenvolvidos muitas vezes são apenas formais, sem que existam estruturas nacionais funcionais e efetivas. O resultado tem sido, então, um processo organizativamente fraco, disperso e politicamente vulnerável, sem lideranças públicas aceitas e reconhecidas.
- Estruturas autônomas versus pertencimento à Igreja institucional
Em muitas ocasiões, viu-se com desconfiança a demanda de criar estruturas autônomas, independentes da instituição eclesiástica. Considerou-se isso como uma ameaça à unidade eclesial ou uma falta de identidade da Igreja. No entanto, a verdade é que os únicos processos que sobreviveram depois das ofensivas conservadoras foram as estruturas construídas com autonomia frente à instituição eclesial. Sua autonomia inclui os aspectos econômico, político e ideológico, e sua dinâmica não responde às necessidades e aos interesses institucionais. Praticamente todas as estruturas construídas sobre a base da dependência eclesial, se sobreviveram, o fizeram renunciando ao compromisso libertador.
Isso é evidente no Equador. Dois bispos diferentes, ambos progressistas, com dois estilos diferentes e com resultados semelhantes. Dom Leonidas Proaño, com forte ação profética pública, que teve um alcance nacional e mundial. Sua ação pública lhe custou não poucos enfrentamentos abertos com seus companheiros de episcopado e perseguições por parte do poder político e econômico. Por outro lado, Dom Gonzalo López Marañón, com uma ação pastoral silenciosa, sem fazer ondas, sem mais denúncias públicas do que as estritamente necessárias e quase unicamente desenvolvidas dentro do âmbito diocesano, com uma ação pastoral quase desconhecida, ou conhecida unicamente dentro dos âmbitos progressistas da Igreja.
Os resultados em ambas as experiências são visíveis: em Chimborazo, o que pôde escapar das mudanças institucionais foram as organizações indígenas e populares que criaram suas próprias estruturas independentes da instituição, como o Movimento Indígena de Chimborazo. As que se chamaram de "Igrejas vivas" (comunidades indígenas que incluíram em suas dinâmicas sociais a leitura do Evangelho) sobreviveram com dificuldade, em muitos casos, devido às dependências que tinham frente aos sacerdotes que faziam as vezes de dinamizadores e ofereciam legitimidade e confiança à organização. As Comunidades Eclesiais de Base virtualmente desapareceram, embora alguns tenham sobrevivido em condições totalmente marginais, resistiram e existiram à espera de um algum sacerdote chegasse em seu auxílio. Mas a dinâmica da Igreja de Riobamba sofreu um retrocesso radical: mais sacramentos, menos organização popular, mais Igreja, menos sociedade nova.
Algo parecido acontece em Sucumbíos. Perante a chegada brutal e impiedosa dos Arautos do Evangelho, a resistência mais estruturada foi organizada a partir da Federação de Mulheres de Lago Agrio: a principal trincheira para enfrentar a ofensiva conservadora são as organizações populares e as organizações da sociedade civil, apoiadas e sustentadas, sem dúvida, pelas comunidades eclesiais de base. Embora nesse caso ainda não se saiba o desenlace final e a forma como as CEBs ficarão, é claro que qualquer que ele seja, as organizações eclesiais existirão enquanto permaneçam sacerdotes, religiosas ou organizações religiosas afins a seus princípios pastorais. Depois da importante vitória da resistência ao expulsar os Arautos do Evangelho, é razoável supor que o Vaticano irá nomear um bispo progressista afim à Teologia da Libertação? Com certeza, a resposta é não. Embora não se possa descartar que algum milagre ocorra, o mais provável é que o sucessor definitivo provenha de setores moderados ou conservadores que realiza as mudanças mais pausadamente, mas de forma igualmente implacável.
Isso é o que ocorreu em todas as partes, de Riobamba a Los Ríos, de Guaranda a Cuenca. O resultado certamente será o mesmo: as estruturas construídas sob o amparo eclesial não resistem a uma mudança hierárquica. O caso da Rádio Sucumbíos é o melhor exemplo de um reiterado erro estratégico: deixar as estruturas libertadores nas mãos da Igreja quando a sua propriedade poderia ter sido transferida para as mãos dos leigos, de alguma comunidade com personalidade jurídica própria ou de alguma organização social. Nenhuma luta social tem garantias, mas é claro que há melhores oportunidades para resistir às mudanças impulsionadas pela hierarquia conservadora quando há autonomia laical.
Os dilemas estratégicos que mencionamos são verdadeiros, e ninguém tem a fórmula mágica para fazê-los desaparecer. As estratégias silenciosas, paroquiais e internas da Igreja podem exibir conquistas importantes. Mas chegaram aos seus limites perante a pressão conservadora da Igreja. É hora de rever esses aspectos estratégicos para que, em cada setor, a Igreja libertadora e as organizações populares estejam em melhores condições de resistir e de construir alternativas.
Precisamos de estruturas nacionais? Como devem ser? Precisamos de uma voz pública? Quem deve se lançar para ganhar a opinião pública? Precisamos de estruturas autônomas frente à Igreja? Quais e como sustentá-las? Acima de tudo, para modificar nossas estratégias devemos pôr de volta no lugar o essencial: o caráter "Reino-cêntrico" da Igreja dos pobres. O central é construir o Reino, "o resto virá por acréscimo".
Portanto, é preciso relativizar a institucionalidade eclesial, sua estrutura, suas práticas, sua mensagem distorcida que trai a do Evangelho. É preciso combater decididamente a dinâmica hegemônica da Igreja. E tudo isso deveria ser pensado à luz das lutas históricas das vítimas do sistema, não a partir do interesse eclesial, mas sim da necessidade urgente de combater o sistema capitalista em crise, que gera todo tipo de desigualdades. A Igreja dos pobres deve ser um instrumento a mais, junto com muitos outros, desse processo de construção histórica do Reino de Deus.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Estratégias para se defender contra a ofensiva conservadora na Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU